Imprensa Amordaçada, de Novo

João Lourenço voltou a colocar a mordaça na imprensa angolana.

As últimas notícias relevantes em Angola sobre criminalidade denunciavam que o filho de José Eduardo dos Santos, através de um esquema rocambolesco, se tinha apoderado de meio bilião de dólares no estertor do mandato do pai, e que a filha-princesa Isabel se tinha apropriado de outro meio bilião de dólares pertencentes à Sonangol, provenientes dos lucros da portuguesa Galp. A imprensa também reportou que a nova embaixadora dos Estados Unidos em Angola, Nina Maria Fite, informou o presidente da República de que os dólares voltariam a fluir no país, desde que a luta contra a corrupção e a transparência se tornassem uma realidade.

Seria de esperar, portanto, que o Ministério Público e as autoridades responsáveis pela investigação criminal concentrassem os seus meios e esforços para desvendar os possíveis desvios dos filhos do antigo presidente, para combater a corrupção e para garantir a transparência nos negócios públicos.

Mas eis que tudo volta ao “normal”. Seguindo as pisadas do regime de José Eduardo, as grandes notícias judiciais são os processos contra Rafael Marques e Graça Campos.

No primeiro caso, está em causa o processo por injúrias que o antigo procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, interpôs contra Rafael Marques. A queixa do general já foi amplamente divulgada e nunca deveria ter chegado a julgamento. Agora, o juiz da 6.ª secção de crimes comuns do Tribunal Provincial de Luanda marcou a audiência de julgamento para dia 5 de Março, às 9h00.

Estamos, obviamente, perante as tradicionais tácticas de intimidação e de violação da liberdade de expressão e do espírito crítico. Não se duvide de que é mais um atentado à liberdade de imprensa. O governo angolano está novamente a condicionar as vozes lúcidas e críticas no espaço público, agora que perdeu a onda de apoio popular conquistada por escassos meses após a tomada de posse.

Esta ideia é reforçada pelo novo processo-crime, agora conhecido, contra o jornalista Graça Campos. Desta vez, é o antigo ministro da Justiça, Rui Mangueira, quem, pela mão do procurador Manuel Eduardo Muenho Fungo, vem acusar Graça Campos e Severino Carlos do crime de injúrias.

A suposta injúria resulta de um artigo escrito em Setembro de 2017, intitulado “Ministro da Justiça cessante com 28 processos judiciais ‘nas costas’”. Neste artigo, os jornalistas informavam que Rui Mangueira não seria reconduzido como ministro da Justiça (ao contrário do que depois aconteceu) e que era alvo de vários processos judiciais. Afirmava-se que “nesses processos judiciais [Rui Mangueira] é acusado de inobservância de procedimentos legais e tomada de posições unilaterais que em regra conformam atropelos à legislação em vigor, principalmente em casos demissões e suspensões, vezes sem conta, sem qualquer processo disciplinar. É acusado de demitir, suspender e exonerar com base em ‘conversas de pé de orelha’”.

Mais uma vez, jornalistas no exercício das suas funções de informação e crítica são indiciados por crimes.

Num caso e no outro, onde estão os crimes? Em lugar nenhum. Foram simplesmente prestadas informações sobre factos concretos indisputáveis e emitidas opiniões sobre uma pessoa que desempenha cargos públicos.

A liberdade de expressão e de imprensa está claramente protegida pela Constituição, e o Ministério Público deveria ser o primeiro a defender a ordem constitucional e a liberdade, arquivando estas queixas descabidas. Contudo, invariavelmente, a Procuradoria opta por acusar os jornalistas.

Não se duvida de que Rafael Marques e Graça Campos são espíritos críticos e livres, que exercem – de forma profissional e à custa de muitos sacrifícios pessoais – as suas funções jornalísticas.

Por isso, facilmente se percebe que estes processos judiciais por injúrias atropelam por completo a garantia constitucional da liberdade de expressão. São meras armas de arremesso para calar os jornalistas e a imprensa livre em Angola.

Sejamos claros: a imprensa livre está mais uma vez a ser amordaçada. Em menos de quatro meses, João Lourenço soltou os seus esbirros judiciais.

E o combate à corrupção? Irá o senhor presidente continuar a proteger os corruptos enquanto se perseguem os jornalistas?

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