Inconsistência Cambial: A Política do Ziguezague

Como era esperado, a nova política cambial anunciada pelo governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, no início do ano, não resistiu sequer um mês ao embate com a realidade.

Por causa do falhanço dessa política, o governador teve de emitir, com carácter de urgência, os Instrutivos n.os 1, 2 e 3/2018, de 18 de Janeiro. A finalidade geral desses Instrutivos é repor subtilmente a rigidez do câmbio do kwanza, depois de este ter entrado em descontrolo com a introdução das “bandas cambiais”.

Esta rigidez, que apenas permite uma oscilação de 2% no valor da moeda, está estabelecida no ponto 4.1.3 do Instrutivo n.º 1, que determina que: “Cada banco comercial pode apresentar até 4 (quatro) propostas com taxas de câmbio diferentes, devendo o limite mínimo e máximo ser de até 2% (dois por cento) sobre a taxa de câmbio de referência à data do leilão.” E também no Instrutivo n.º 3, nos seus pontos 2, 3 e 4, em que o governador prescreve que a taxa de câmbio de compra no mercado seja calculada com uma redução de até 0,25% (zero vírgula vinte e cinco por cento) sobre a taxa de câmbio de venda. Estabelece-se também que o BNA publicará diariamente, no seu portal institucional, as taxas de câmbio de referência e que, na comercialização de moeda estrangeira no mercado interbancário e aos seus clientes, os bancos comerciais podem aplicar, sobre a taxa de câmbio de referência publicada no portal institucional do Banco Nacional de Angola, uma margem, para mais ou para menos, de até 2% (dois por cento).

Então, o que aqui temos é a limitação das oscilações cambiais do kwanza a 2%. Este valor é quase igual a zero, e na realidade não introduz qualquer flexibilidade relevante no sistema cambial.

Em 1979, o recém-nascido Sistema Monetário Europeu começou por criar um sistema de câmbios semi-rígido, adoptando margens de variação entre os 2,25% e, nalguns casos, os 6%. Depois de se perceber que este sistema não funcionava, definiram-se margens de variação de 15%. Quer isto dizer que, na Europa, quando se percebeu que o sistema falhava, aumentaram-se as margens. Em Angola, faz-se precisamente o inverso…

Na realidade, o governador José de Lima Massano não sabe o que fazer. Queria introduzir mecanismos de mercado na política cambial, mas assustou-se. Submetido às regras do mercado, o kwanza demonstrou que estava demasiado valorizado, pelo que se verificou a sua rápida desvalorização, rompendo-se as “bandas” em pouco mais de duas semanas.

Perante este cenário indesejado, a reacção do governador foi acabar com o mercado, fingindo que o mantém. A verdade é que estamos de volta a um câmbio rígido, depois de uma desvalorização do kwanza em quase 18%.

Sabemos que o governador diz que não houve desvalorização, mas sim uma depreciação, fazendo um jogo ridículo de palavras. Em português corrente, desvalorização e depreciação são uma e a mesma coisa. É certo que na linguagem económica se faz a distinção entre desvalorização e depreciação. Desvalorização representa um abaixamento do valor da moeda por decisão da entidade oficial que toma conta da moeda: o Governo, o Banco Central, etc. Depreciação é, também, um abaixamento do valor da moeda, mas como resultado das forças de mercado. Quer um conceito, quer outro representam exactamente a mesma situação: diminuição do valor da moeda. E, se repararmos, a 8 Janeiro de 2018, quem começou por apresentar um ajuste administrativo à taxa de câmbio foi o próprio BNA. Isto é, o BNA fez uma desvalorização, que depois foi continuada como depreciação, para usar o jogo de palavras do governador.

O facto é que estas considerações terminológicas são irrelevantes. Relevante é a perda do valor da moeda angolana. Como referimos, esta perda já ia em perto de 18%, quando o BNA decidiu travar os leilões cambiais e introduzir maior rigidez no sistema, através dos Instrutivos acima mencionados.

Como previmos, a nova política cambial sucumbiu rapidamente às pressões do mercado e deu azo a uma rápida desvalorização da moeda, iniciando de imediato mais pressões inflacionistas, que levaram à subida da taxa de juro de referência do BNA, de 16% para 18%.

A subida das taxas de juro, que inibe o investimento, e as pressões inflacionistas não são o quadro ideal para um relançamento da actividade económica.

Porém, o mais grave desta história é o facto de ela demonstrar que a equipa económica do Executivo não está preparada para combater os difíceis desafios com que se defronta a economia angolana.

Anuncia-se a entrega da política cambial ao mercado e, mal este segue um caminho indesejado, regressa-se ao intervencionismo (disfarçado de palavras suaves e tecnicismos).

Parece não haver estratégia de fundo em termos económicos, mas um experimentalismo ziguezagueante, que dará mau resultado, desde logo porque abala a confiança de potenciais investidores. Um dia é 3%, no outro é 2%; e amanhã, o que será?

É preciso estudar, ouvir e decidir uma estratégia económica global. E depois implementá-la e aguentar os seus efeitos.

O buraco económico em que Angola foi metida pelo Governo anterior não se tapa em duas semanas, mas há que não continuar a cavá-lo.

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