Cem Dias Sem Economia

O presidente da República João Lourenço comemorou os cem dias do seu governo com uma entrevista colectiva, onde expôs as suas ideias sobre vários assuntos. O momento foi simbólico, e acredita-se que terá marcado, apesar das suas limitações óbvias, um novo momento no processo de abertura e descompressão na sociedade angolana, que Lourenço anuncia querer desenvolver.

Contudo, na óptica da economia, os cem dias de João Lourenço não adiantaram muito, e talvez tenham complicado um pouco a situação no médio prazo.

De positivo, o presidente da República criou um novo ambiente institucional, que lhe valerá alguma tolerância renovada por parte das organizações internacionais, designadamente o FMI (Fundo Monetário Internacional). Talvez seja agora mais fácil negociar as condições de um novo empréstimo desta instituição, caso seja necessário. De alguma maneira, em termos internacionais, foi criado um espaço de manobra para Angola.

Acresce que o preço do petróleo já anda na ordem dos US$ 70,00 por barril na referência usada para Angola, o que está longe dos US$ 40,00 que tinham lançado o país numa grave crise de tesouraria.

Portanto, ao nível da economia internacional, existe alguma bonança.

O problema reside internamente. A principal fragilidade da economia angolana é o seu carácter rentista e cartelizado. Quer isto dizer que a economia está dominada por monopólios sectoriais ligados aos detentores do poder político, os quais, por não terem concorrência, praticam preços muito elevados, vivendo de rendas e não de uma organização empresarial eficiente.

Até ao momento, não se viu qualquer movimento de destruição desses cartéis instalados um pouco por toda a economia, nem a criação de condições para gerar concorrência e abrir novas empresas. Da banca aos automóveis, passando pelo grande retalho, era preciso desobstruir a economia. Mas nada aconteceu.

A reforma da economia em Angola tem necessariamente de passar por duas etapas. A primeira é metodológica e passa por criar estatísticas e bases de dados fiáveis. O facto é que, neste momento, os números que existem sobre a economia angolana são essencialmente vudu. Podem ou não corresponder à realidade. Não se sabe. Para começar, é então necessário capacitar tecnicamente o Estado para, através de estatísticas adequadas e fiáveis, avaliar a economia e definir o que é preciso fazer.

A segunda etapa é a já referida abertura do mercado angolano à competição. Tem de existir um enquadramento legislativo e uma vontade política que permitam o acesso de qualquer empresário aos vários sectores da economia e que eliminem as barreiras à entrada nos mercados.

Este aspecto concreto contende com os interesses dos grupos económicos de Isabel dos Santos, generais Kopelipa e Dino do Nascimento, e muitos outros dirigentes do regime, que aguerridamente impedem o desenvolvimento económico do País e que, aliás, foram recentemente denunciados pela antiga directora da Agência Nacional do Investimento Privado, Maria Luísa Abrantes.

Repare-se num exemplo, transversal a várias áreas da economia: “A” domina o mercado do cimento, não podendo haver importação do mesmo, e “B” precisa de cimento para construir um edifício. Então, “A” pode vender o cimento ao preço que bem entende, esticando-o até ao máximo que “B” conseguir suportar. Coloca o preço a 10, “B” compra; coloca o preço a 15, “B” compra, e assim sucessivamente.

Quer isto dizer que o cimento vai estar ao preço mais alto possível, sem que isso resulte de qualquer capacidade, qualidade ou mais-valia de “A”. “A” não tem de se esforçar, nem de ser produtivo, nem de inovar, nem de procurar as melhores tecnologias. “A” tem a venda assegurada. Eis a receita ideal para a estagnação económica.

Depois, o que vai fazer “B”, que compra o cimento a preços elevados? Vai construir os seus prédios e vendê-los a preços mais elevados.

Assim, o domínio do mercado do cimento leva ao encarecimento da habitação. Isto, por sua vez, faz com que só existam habitações para os mais ricos. Os pobres e remediados não têm dinheiro para comprar casas inflacionadas. Vão viver para os musseques.

O controlo da economia por uns poucos grupos de dirigentes políticos é de facto um dos principais obstáculos ao desenvolvimento económico em Angola, e têm de ser tomadas medidas políticas para o desmantelar.

Finalmente, o governo de João Lourenço tem de reflectir sobre temas prementes da estratégia económica angolana:

  1. Deve continuar a implementar uma estratégia de substituição de importações? (Esta estratégia foi abandonada pelos países mais desenvolvidos, que procuram produzir aquilo que fazem melhor e comprar no estrangeiro o que é mais barato.)
  2. Quais as áreas de produção em que Angola deve investir? E como criar uma base de produção agrícola e industrial mínima e sólida?
  3. Tem sentido seguir a via da industrialização ou deve-se tentar dar o salto para uma economia de serviços, ambiente e informação? É isso possível em Angola?
  4. Deve o Estado intervir na banca, para proceder à sua reestruturação, tornando-a eficiente e promotora do investimento?
  5. E como promover o investimento? É preciso acabar com a intervenção da burocracia e dos poderes presidenciais e ministeriais nos processos de investimento. Enquanto esta intervenção existir, o investimento estará bloqueado.

Nos primeiros cem dias da nova governação, não houve resposta para estas questões. Surgirá ela nos próximos cem?

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