Huambo: A Saga do Policial Euclides de Castro Continua
Em Novembro deste ano contámos a saga do agente da Polícia Nacional Euclides de Castro.
O caso resumia-se ao seguinte: estimulado pela “abertura” anunciada por João Lourenço, Euclides de Castro, efectivo da Polícia Nacional, prestando serviço no Comando Municipal do Huambo, resolveu exprimir numa carta aberta as suas opiniões sobre o governador do Huambo, João Baptista Kussumua, designadamente deplorando as escolhas do governador para preencher os cargos da administração pública e denunciando o nepotismo.
João Baptista Kussumua, não percebendo ainda o novo espírito de João Lourenço, reagiu com mão pesada e foi iniciado um procedimento disciplinar contra Euclides de Castro, com o fundamento de este ter proferido injúrias e ofendido a integridade moral do governador nas redes sociais. Quando publicámos a nossa peça, já lhe tinham entregado a “nota de culpa” referente ao processo disciplinar.
E o processo não parou. Pelo contrário, o Ministério do Interior, na pessoa do delegado provincial do Huambo, comissário Eduardo Fernandes Cerqueira, resolveu concordar com a análise do comandante provincial da Polícia Nacional, comissário Eduardo Fernandes Cerqueira. Ou seja, o comissário Cerqueira concordou consigo mesmo, assinando em nome de duas entidades diferentes.
Segundo o comissário Cerqueira, Euclides de Castro cometeu um crime de difamação, razão pela qual se ordenou a remessa do expediente para o SIC/HBO com vista à instauração do respectivo inquérito criminal. Os velhos hábitos custam a morrer… Além do processo disciplinar, instauraram ao pobre Euclides um processo-crime por difamação.
A única boa notícia é que o processo disciplinar ficará suspenso até ao trânsito em julgado do veredicto do tribunal; enquanto isso, Euclides ficará a trabalhar no Posto de Comando (Área de Guarda e Guarnição).
Esperemos que na investigação haja bom senso e que o Ministério Público arquive rapidamente a queixa, podendo Euclides de Castro voltar à sua vida normal. É dever de um agente da Polícia Nacional denunciar o nepotismo, a corrupção e as más práticas. Para que serve um agente da Lei e da Ordem se tem de fechar os olhos aos abusos de um dirigente?
Como já se referiu, a difamação tem que ser conjugada com a liberdade de expressão. A liberdade de expressão tem longínquas raízes históricas, sendo a Constituição dos EUA o primeiro texto legal a referir-se-lhe claramente enquanto “liberdade”.
Numa sociedade democrática, a liberdade de expressão assume a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo, por vezes, um recuo da tutela jurídico-penal da honra. Esse recuo tem de ser justificado por um correcto exercício da liberdade de expressão, aferido pelo interesse geral.
Sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão, na mais ampla acepção do termo, e o direito à honra e consideração, a solução de cada caso concreto tem de ser encontrada através da “convivência democrática” desses mesmos direitos: ou seja, consoante as situações, assim haverá uma compressão maior ou menor de um ou de outro.
O penalista português Costa Andrade, que é seguido nos tribunais angolanos, enfatiza que a liberdade de expressão engloba hoje de forma pacífica o entendimento que submete a actuação das instâncias públicas ao escrutínio do direito de crítica (objectiva).
E é neste contexto que deve ser enquadrada actuação de Euclides de Castro. Trata-se de um exercício normal da liberdade de expressão e de crítica dos oficiais públicos, que faz parte integrante da mesma.
João Baptista Kussumua só tem de se habituar a ver os seus actos sindicados pela opinião pública. Tem de aprender que não vai continuar a ser acobertado pela impunidade e pela arbitrariedade de que tudo pode.