Execuções Sumárias em Luanda: a Farsa do PGR Continua

A Procuradoria-Geral da República anunciou hoje que criou uma comissão de inquérito para investigar a denúncia das execuções sumárias de delinquentes levadas a cabo pelo SIC (Serviço de Investigação Criminal) no Cacuaco e em Viana, apelidando-as de “alegadas”. As execuções sumárias são aquelas que constam do relatório de Rafael Marques “O campo da morte. Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017”.

Segundo a PGR, desde que tomou conhecimento do assunto, em Maio de 2017, através de carta-denúncia de Rafael Marques, estão a ser empreendidas diligências investigativas, tendo-se instaurado um inquérito preliminar para “averiguar da veracidade dos factos denunciados”.

Não se percebe quem se pretende enganar com esta “Nota de Imprensa”.

Se desde Maio de 2017 a PGR está a conduzir um inquérito, como explica que ainda no passado dia 28 de Novembro de 2017, quando confrontado pela televisão alemã sobre o tema, o director provincial do SIC, Amaro Neto, tenha dito que iria enviar o caso à Procuradoria-Geral da República? Se existisse um inquérito preliminar sobre o tema desde Maio, naturalmente que o responsável directo do SIC já teria sido ouvido e contactado, e certamente participaria activamente nesse inquérito. Ao dizer que só agora é se vai movimentar, reconhece que tudo estava esquecido dentro de uma gaveta.

Obviamente, quer a PGR, quer o ministro do Interior, quando o grave assunto lhes foi atempadamente exposto em Maio de 2017, limitaram-se a encolher os ombros e a ignorar a questão.

E agora, quando o tema ganhou repercussão internacional, manchando a imagem da nova Angola de João Lourenço, apressam-se a tomar iniciativas e mostram-se muito activos. O ministro escreve comunicados inanes a insultar Rafael Marques, e o procurador-geral da República anuncia comissões de inquérito, mas de forma desastrada.

De facto, a Nota de Imprensa da PGR contém várias “pérolas” que não se podem deixar passar em claro.

Escreve-se que se pretende “averiguar a veracidade dos factos denunciados”, dando assim a entender que tudo poderá não passar de uma invenção de Rafael Marques. Por aqui se vê que o objectivo da comissão de inquérito não é descobrir a verdade e punir os culpados, é mais uma vez atacar o mensageiro. É uma comissão para destruir a verdade. Porque os factos estão lá. Os mortos estão lá. O relatório de Rafael Marques não inventa mortos, não fotografa mortos-vivos. Não há realidades alternativas, conforme José Eduardo dos Santos e os seus estão a descobrir. A realidade é só uma, pode ser mascarada, pode ser ocultada, mas é sempre revelada.

Por isso, os termos da comissão de inquérito são de uma hipocrisia descarada. O que se admitia era que a comissão devia apurar quais as condições das mortes, a intenção subjacente em termos objectivos, a sistematicidade, o modus operandi, e as medidas para evitar a repetição dos crimes.

Também é estranho que um inquérito preliminar seja realizado por uma comissão de inquérito. Os inquéritos devem ser realizados por magistrados, no âmbito de processos criminais adequado, de acordo com as normas legais. As comissões de inquérito funcionam como corpos ad hoc, sendo geralmente instituídas pelo poder político e não por um procurador, e têm um objectivo de supervisão, análise ou conclusão sobre as causas e as consequências da ocorrência de determinados factos importantes.

Há que distinguir para não baralhar: os magistrados investigam casos concretos, as comissões de inquérito analisam factos para retirar conclusões mais amplas. As duas podem ocorrer, mas tem de existir uma investigação judicial, independentemente de qualquer comissão. Aliás, a comissão de inquérito devia ser instaurada pelo ministro do Interior, e não pelo procurador-geral. Portanto, tudo isto parece uma confusão para obscurecer a gravidade do que se passou.

Finalmente, resta uma questão: quem compõe a comissão? As comissões de inquérito não são, geralmente, unilaterais. São compostas por membros dos vários interesses afectados. Neste caso em concreto, devia comportar membros ou um representante das famílias das vítimas. Onde está ele? Uma comissão de inquérito sem representantes das famílias das vítimas não é uma comissão de inquérito, é uma maquilhagem.

Tudo isto cheira a farsa!

Comentários