Isabel dos Santos: Presidente Ilegal da Sonangol

Os decretos que o anterior presidente da República, José Eduardo dos Santos, assinou atabalhoadamente antes de se retirar contêm o germe da destruição do seu império familiar.

Uma das consequências dessa enxurrada legislativa é a caducidade do cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol, ocupado por Isabel dos Santos.

Isabel dos Santos foi nomeada administradora não executiva e presidente do Conselho de Administração pelo Decreto Presidencial n.º 120/16, de 3 de Junho.

Antes de cessar funções, o seu pai também assinou o Decreto Presidencial n.º 222/17, de 27 de Setembro aprovando o Estatuto Orgânico da Sonangol.

Trata-se de um novo estatuto, e não de uma mera revisão dos estatutos precedentes. E, curiosamente, reforma o Conselho de Administração, atribuindo-lhe plenos poderes (cfr. artigos 13.º, 14.º, 15.º do estatuto), além de atribuir aos seus membros um mandato de cinco anos (cfr. art.14.º, n.º 2).

Note-se que o estatuto não tem disposições transitórias, e que o Decreto Presidencial que o aprova remete a solução de todas as dúvidas para o presidente da República (ou seja, para João Lourenço).

Acontece que o Decreto Presidencial n.º 110/16 de 26 de Maio, sobre a revisão dos estatutos da Sonangol, como se vê no preâmbulo do Decreto Presidencial n.º 120/16, de 3 de Junho, é expressamente revogado.

Temos aqui um problema legal. Isabel dos Santos foi nomeada em Junho de 2016 com base num estatuto que lhe concedeu um mandato de cinco anos, ou seja, até 2021. Antes de abandonar a Presidência, o pai-presidente aprovou um novo estatuto que lhe dá um mandato de cinco anos. Esse estatuto só entra em vigor em 2017. Será que se está a prolongar por um ano o mandato de Isabel dos Santos, agora até 2022?

Mas há uma questão mais grave. Face ao velho (de 2016) estatuto, a nomeação de Isabel dos Santos foi para as funções de administradora não executiva e presidente do Conselho de Administração. Foi nomeada por Decreto Presidencial para funções de controller, de controlo geral da gestão da administração executiva (cfr. art. 14.º, n.º 5 dos antigos estatutos). Ora, essas funções desapareceram nos novos estatutos.

O cargo de presidente do Conselho de Administração não executivo já não existe. Mas o que não desapareceu foi a necessidade de os membros do Conselho de Administração, especialmente o seu presidente, serem nomeados pelo presidente da República (artigo 14.º, n.º 3 dos “novos” estatutos).

Contudo, nenhum Despacho Presidencial nomeou Isabel dos Santos como presidente do Conselho de Administração da Sonangol nos termos e para os efeitos do artigo 14.º e 17.º do “novo” estatuto.

É que este posto e estas funções são muito diferentes daquelas para que tinha sido nomeada anteriormente. Basta comparar o actual artigo 17.º dos estatutos “novos” com o antigo artigo 19.º dos “velhos estatutos”, sobretudo as novas alíneas g) e h).

Em resumo, Isabel dos Santos não foi nomeada presidente do Conselho de Administração nos termos presentes. Foi-o, como não executiva, ao abrigo de legislação entretanto revogada.

Desempenha hoje uma função para a qual não foi nomeada nem dispõe de legitimidade legal.

Na realidade, o seu mandato caducou com a entrada em vigor do “novo” estatuto. Como ensina qualquer enciclopédia básica, a caducidade ocorre em consequência de evento surgido posteriormente. É o estado daquilo que se anulou ou que perdeu valia, tida, até então, antes que algo acontecesse.

Em suma, o mandato de Isabel dos Santos enquanto presidente não executiva da Sonangol caducou. E ninguém a nomeou presidente executiva, como agora exerce. Logo, Isabel dos Santos não é legalmente presidente do Conselho de Administração da Sonangol.

Segundo a imprensa angolana, nenhum dos nomeados para a Administração da Sonangol pelo Decreto Presidencial n.º 220/17 de 21 de Setembro tomou posse. Por outro lado, aqueles que foram exonerados pelo Decreto Presidencial n.º 217/17 de 26 de Setembro já terão cessado as suas funções.

O efeito da falta de tomada de posse é, como indica o artigo 1.º, n.º 2 do Decreto Presidencial n.º 183/10, de 25 de Agosto, a falta de produção de efeitos dos decretos de nomeação, quando se trate de cargos executivos.

Ora, a nomeação de Ivan Sá de Almeida, Susana Barros da Costa e Emídio Pinheiro como administradores executivos da Sonangol não produziu ainda quaisquer efeitos. Não produzir efeitos quer dizer que quaisquer decisões que estes tenham tomado individualmente, ou deliberações em que o seu voto tenha sido necessário para formar maioria ou quórum não têm qualquer validade. Na prática, não servem para nada e não existem. Por exemplo, se estas pessoas tiverem recebido o seu ordenado de Outubro na Sonangol, têm de o devolver, pois não tinham ainda direito a ele. Se contrataram alguém, esse contrato é inválido. Onde se lê a assinatura destas pessoas, deve-se ler um espaço em branco.

Desconhecemos as actas do Conselho de Administração da Sonangol, mas, se por acaso a presença destas pessoas for necessária para assegurar quórum deliberativo, então deve-se considerar que elas não estiveram presentes, pelo que não existe qualquer deliberação.

Em conclusão, Isabel dos Santos não é presidente do Conselho de Administração da Sonangol, esta administração está a operar ilegalmente. É tempo de pôr a casa em ordem, João Lourenço!

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