A Insustentável Situação de Isabel dos Santos na Sonangol

A dívida financeira da Sonangol soma e segue, e a posição de Isabel dos Santos como gestora competente é cada vez mais um fracasso absoluto.

A Sonangol deve às operadoras petrolíferas mais de três biliões de dólares em cash calls, os pedidos de dinheiro mensais para os custos de operação dos blocos petrolíferos.

Só à Total, a dívida ascende a mais de 600 milhões de dólares. Seguem-se a italiana ENI, com mais de 450 milhões de dólares, e a Chevron, com cerca de 400 milhões de dólares.

Há duas semanas, a presidente do conselho de administração da Sonangol, Isabel dos Santos, disse à Reuters que a petrolífera nacional já reduziu as suas dívidas em três biliões de dólares, relacionados com os cash calls.

Pagou apenas alguns referentes a 2016, mas deixou outros aumentar. Dizer o que se reduz sem dizer o que se aumenta não passa de mera criatividade. O importante é a redução líquida da dívida.

Do mesmo modo, não se sabe se todas as dívidas estão efectivamente reconhecidas, ou estão para análise ou são recusadas, não se constituindo as adequadas provisões.

Basta lembrar que este ano a Cobalt já processou em tribunal arbitral a Sonangol em mais de dois biliões de dólares, num processo que está a correr na ICC – International Chamber of Commerce. Todos estes eventos levantam muitas dúvidas sobre as afirmações de Isabel dos Santos acerca da sua gestão.

Na realidade, desde Janeiro passado, com raras excepções, Isabel dos Santos não tem honrado os compromissos mensais assumidos com as operadoras dos mais de 20 blocos petrolíferos.

Segundo fontes da indústria petrolífera, o então director-geral da British Petroleum em Angola, Darryl Willis, ainda durante a presidência de José Eduardo dos Santos, foi convidado a abandonar o país pela “teimosia” em cobrar os cash calls. De acordo com as mesmas fontes, Willis fez notar à Sonangol que interromperia todas as operações em curso caso os compromissos não fossem honrados.

Desde então, Isabel dos Santos tem feito pagamentos críticos, como os da BP, ignorando outros. Por exemplo, desde 2016 que a Cobalt não recebe os cash calls, tendo actualmente um valor acumulado de cerca de 170 milhões de dólares referentes ao Bloco 21. Neste caso, a Cobalt também apresentou uma acção separada junto da ICC contra a Sonangol Pesquisa e Produção (P&P), buscando a recuperação dos 170 milhões de dólares, mais juros e custos aplicáveis.

As multinacionais BP, Chevron, ENI, ESSO, Statoil e Total foram recebidas pelo presidente João Lourenço, no mês passado, perante quem reclamaram a falta de compromisso por parte da direcção da Sonangol nos pagamentos dos custos de operação. As multinacionais já tinham endereçado missivas ao anterior presidente, pai de Isabel, que os ignorava olimpicamente.

Benefícios fiscais

No entanto, o que se tornou público foi a preocupação das multinacionais em beneficiarem de melhores condições fiscais.

O regime de benefícios concedidos às empresas petrolíferas antes de 2002 inclui os chamados uplift, um cálculo matemático feito a partir das despesas. Por exemplo, a Total, a maior operadora em Angola, recebe num dos blocos um uplift de 50 por cento dos custos de operação. Ou seja, por cada milhão gasto pela Total em custos de produção, esta empresa recebe um milhão e meio. Quando gasta um bilião, recupera das vendas de petróleo um bilião e 500 milhões de dólares do Estado angolano.

As outras grandes companhias recebem uplifts na percentagem de 30 a 40 por cento do valor que gastam em custos de operações.

“Por isso é que as petrolíferas se davam ao luxo de arrendar casas por 50 mil dólares ao mês, entre outros gastos absurdos. Porque lucravam com isso. O petróleo angolano, em última instância, paga todas as despesas e com lucros”, afirma um especialista da Sonangol sob anonimato.

O mesmo especialista refere que a Cobalt, por exemplo, não tem direito ao uplift, porque nunca gastou mais de 100 milhões de dólares para furar poços a mais de quatro mil metros de profundidade, tendo o Cameia e vários outros ficado em cerca de 70 milhões de dólares. Por sua vez, a Total gastou mais de 200 milhões de dólares na perfuração do Cahombo, que tem menor profundidade.

O anterior presidente do conselho de administração da Sonangol, Francisco de Lemos, tinha em curso uma série de reformas com vista à redução dos custos de operação.

Por exemplo, foi Francisco de Lemos quem pôs termo, em 2014, às reuniões dos Comités de Operações de cada bloco, que anualmente se realizavam no exterior do país. Como referência, uma reunião semestral do Comité de Operações (Operating Committee Meeting) tinha um custo médio de um a dois milhões de dólares, para um encontro de 20 pessoas com duração de pouco mais de uma hora.

As multinacionais alegam agora que as condições fiscais no Golfo do México são melhores, mas continuam a cobiçar Angola, onde há reservas maiores de petróleo.

As referidas reuniões, em 2015 e no primeiro semestre de 2016, passaram a ser realizadas em Angola, por ordem de Francisco de Lemos. Alguns operadores não realizam referidas reuniões, que aprovam os gastos para o calendário em referência, desde a entrada de Isabel dos Santos para a presidência da petrolífera.

Estas operadoras continuam a realizar custos de operações, sem que entretanto as despesas tenham sido aprovadas. Isabel dos Santos não tem autorizado as referidas reuniões, cuja função principal é a aprovação de orçamentos, e tal permite-lhe, depois, atrasar o pagamento, com o argumento de que se trata de despesas não aprovadas nem reconhecidas.

Por tudo isto se compreende que a gestão remota da Sonangol, feita por Isabel dos Santos através de um batalhão de consultores portugueses, tem sido marcada pelo caos e por insanáveis conflitos de interesses – o culminar deste caudal de irregularidades e artimanhas é que as empresas privadas da própria Isabel dos Santos passaram a ser beneficiárias privilegiadas de pagamentos atempados.

 

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