Elogio a João Lourenço

Criticámos o governo escolhido por João Lourenço, por ser disfuncional e essencialmente composto por pessoas do passado e com passado ligado à corrupção. Duvidámos das palavras proferidas no “Discurso sobre o Estado da Nação”, por ainda não corresponderem a actos verificáveis. Mas hoje temos a satisfação – tal como criticámos e continuaremos a criticar e a duvidar – de elogiar uma acção de João Lourenço.

Referimo-nos à rápida exoneração de Carlos Aires da Fonseca Panzo, menos de duas semanas após a sua nomeação. João Lourenço tomou conhecimento de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurara um inquérito-crime contra o secretário dos Assuntos Económicos da Presidência, com base em factos denunciados pelas autoridades suíças e que poderão constituir crimes face à lei angolana e suíça, designadamente branqueamento de capitais. O comunicado público da PGR tinha data de 20 de Outubro de 2017, sexta-feira, e nesse mesmo dia João Lourenço demitiu Panzo, nomeando Ricardo Viegas D’Abreu para o substituir.

Com esta demissão imediata, o presidente da República parece dar um sinal claro de que não tolerará comportamentos corruptos e que ponham em causa o país no estrangeiro. Até aqui, mesmo quando atropelam descaradamente a lei, nada tem acontecido aos dirigentes angolanos, precisamente graças aos cargos que ocupam e à cumplicidade das autoridades políticas e judiciárias do país. Agora, João Lourenço parece ter traçado um rumo para a sua Presidência: o do fim da impunidade e das imunidades “de facto” que têm protegido os desmandos dos dirigentes angolanos.

Ainda é cedo para retirar conclusões definitivas, mas, em todo o caso, a reacção do novo presidente é um avanço face à total “bandalheira” que estava anteriormente em vigor.

No entanto, nesta história da nomeação e exoneração de Carlos Panzo, há motivos de perplexidade. Quando o presidente nomeou Panzo já existiam muitas dúvidas sobre o seu comportamento e a sua idoneidade, pelo que é legítimo aconselhar João Lourenço a exercer um escrutínio mais apurado antes das suas nomeações.

Contudo, o ponto essencial não é este. O ponto essencial é a actuação do Procurador-Geral de República, o general João Maria de Sousa.

Ao longo dos últimos anos, não houve quaisquer sinais de  que o PGR estivesse empenhado no combate à corrupção e na investigação das denúncias chegadas do estrangeiro acerca de eventuais crimes cometidos por dirigentes angolanos, sobretudo na área de branqueamento de capitais.

É talvez a primeira vez que um comunicado deste tipo é emitido pela Procuradoria. Um comunicado em que se anuncia uma investigação criminal contra um “Homem do Presidente”, fruto de uma denúncia internacional. Os espíritos mais crédulos podem regozijar-se e comemorar o facto de finalmente o general João Maria de Sousa ter começado a cumprir o seu dever…

No entanto, como se costuma dizer, “quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. Este comunicado do PGR parece ser um contra-ataque das forças conservadoras do MPLA, ligadas ao ex-presidente José Eduardo dos Santos, contra os movimentos do novo presidente. A mensagem é esta: “Como queres combater a corrupção, se a tens ao teu lado?”. Ao mesmo tempo, tenta-se fragilizar a posição do novo presidente. Repare-se: se Lourenço demitir todas as pessoas do seu governo que comecem a ser investigadas pelo PGR, pode acontecer que tenha de demitir quase toda a gente…

Assim sendo, a primeira análise que se deve fazer desta investigação do PGR é política: trata-se de um sinal de aviso a João Lourenço.

Do ponto de vista jurídico, o comunicado do PGR contém os elementos necessários para confirmar as nossas perplexidades.

O primeiro elemento, como referimos, é a própria existência de um comunicado público a anunciar a investigação contra Carlos Panzo. Não é habitual, é uma “transparência” inusitada da parte da PGR.

O segundo elemento é a cronologia temporal. Segundo o comunicado, a investigação suíça tem data de 15 de Março de 2017. Apenas sete meses depois, as autoridades angolanas tomam posição. Já não estamos no tempo dos barcos a vapor, portanto, desde quando o PGR em Angola sabia desta investigação? Parece que deixou o assunto avançar, para depois, no momento oportuno, “ tirar o tapete” a João Lourenço.

Por outro lado, é mister perguntar onde andam os Serviços de Inteligência Externa (SIE) e o Serviço de Informação e Segurança de Estado (SINSE). Sabiam ou não do Caso Panzo? Aconselharam ou não o presidente? É fundamental que o presidente reforme e torne esses serviços eficientes, para que possam estar à altura de o aconselhar.

Em todo o caso, o presidente tomou a decisão certa. Mas fez nova escolha errada: a de nomear Ricardo Viegas D’Abreu para o lugar de Panzo. O até então presidente do Conselho de Administração do Banco de Poupança e Crédito tem estado envolvido em polémicas sobre a sua gestão do banco estatal.

O terceiro elemento é de analogia. É público que corre em Portugal uma investigação criminal sobre o cidadão angolano Manuel Hélder Vieira Dias, mais conhecido por Kopelipa. Esta investigação diz também respeito ao branqueamento de capitais. Mesmo que as autoridades portuguesas não tenham enviado formalmente elementos à PGR angolana, o assunto já foi objecto de várias referências nos media angolanos. É o que se chama um “facto público e notório”. Por isso, fica a questão: o PGR também já abriu um inquérito-crime sobre as eventuais actividades de branqueamento de capitais levadas a cabo por Kopelipa?

Ficam assim expostas as dúvidas sobre a actuação do PGR. A investigação e demissão de Carlos Panzo têm um alcance mais amplo do que aquele que se possa entender à primeira vista.

 

 

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