Procuradoria-Geral da República Entra em Greve

Os funcionários da Procuradoria-Geral da República (PGR) deverão entrar em greve na próxima segunda-feira, 10 de Julho, por um período de 15 dias, sob o lema “pela estabilidade no emprego e condições de trabalho”.
De acordo com a nota explicativa do colectivo de trabalhadores da PGR, desde “há 33 anos os funcionários da PGR não possuem um regime jurídico e remuneratório”.
Conforme nota o colectivo, só depois da primeira ameaça de greve, a 17 de Abril passado, é que o procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, se preocupou em dar resposta ao caderno reivindicativo dos funcionários.
Com efeito, segundo o documento, a 27 de Abril o general remeteu, com carácter de urgência, as propostas dos diplomas à Casa Civil do Presidente da República. Os funcionários notam que, decorridos mais de 90 dias, o presidente José Eduardo dos Santos tem ignorado a solicitação urgente do general João Maria de Sousa. De acordo com a Constituição, o presidente tem um máximo de 45 dias para decidir sobre a promulgação da proposta através de decreto presidencial.
Os grevistas recordam ainda que o presidente tem promulgado muitos decretos e leis desde 27 de Abril, ignorando assim a condição dos funcionários da PGR.
“Portanto, esta greve visa levar as nossas lágrimas ao conhecimento do Titular do Poder Executivo e Dirigente das Políticas da Administração Pública [o presidente da República], sendo o único com a caneta dourada que tem o poder de pôr cobro a esta penosa situação”, protestam os grevistas.
Comentário
Nos últimos tempos, a indigência a que as políticas erradas e corruptas levaram os serviços públicos desencadeou este fenómeno das greves nas principais instituições do Estado. Trata-se de “greves da liberdade”, pois não resultam de uma tomada de posição política pelos grevistas, antes do não cumprimento dos deveres mais básicos do Estado face aos seus colaboradores.
A primeira destas greves recentes foi a dos professores. Com enorme sucesso, denunciou-se então a hipocrisia de um regime cuja principal beneficiária, Isabel dos Santos, dá entrevistas à BBC dizendo que a prioridade de Angola é a educação, enquanto os professores afirmam que o desleixo do governo quanto à educação atingiu o “ponto de saturação”.
Mais recentemente, decorreu a greve dos funcionários do Tribunal Supremo. Segundo várias fontes, o presidente do Tribunal Supremo, Manuel Aragão, ameaçou os grevistas, mas as suas palavras ocas não surtiram efeito e a greve foi por diante, com grande adesão.
Todos sabemos que a PGR é o espelho de Angola. Não é uma instituição dirigida por um general corrupto que só persegue os opositores do regime e não os criminosos, não é uma instituição cujos procuradores inventam processos e terroristas, enchendo os tribunais de disparates, não é uma instituição que assistiu ao saque do Estado por bandidos organizados sem mexer um dedo. Não, a PGR é um farol de integridade, correcção e protecção do Estado de direito. Os angolanos podem dormir descansados, pois debaixo da vigilância deste procurador-geral nunca o país admitirá a corrupção generalizada, o roubo constante dos fundos públicos nem a inépcia das autoridades judiciárias. Deve ser por se rever neste espelho que o general-procurador se tem afirmado sempre tão admirado, tão surpreendido, com a greve dos seus funcionários.

O procurador-geral da República, general João Maria de Sousa.
Tal como nas restantes greves e nos vários pronunciamentos da sociedade civil a propósito de matérias diversas, a greve dos funcionários da PGR baseia-se numa exigência simples: o cumprimento da lei.
De facto, a Lei n.º 22/12, de 14 de Agosto, reconhece a existência dos funcionários da PGR, e remete para futura legislação a regulamentação da carreira desses funcionários, que viviam na obscuridade jurídica. A realidade é que nada foi feito. Ao incumprimento legal juntam-se as condições precárias de trabalho, traduzidas desde logo no iminente desabamento das instalações da PGR no Kwanza-Sul e no Bié.
Assim, a história repete-se: os trabalhadores exigem o cumprimento da lei e a concretização de condições materiais de trabalho aceitáveis. Não sabemos se, tal como nos tribunais, nas instalações da PGR falta papel higiénico, sabão, canetas ou carimbos. Sabemos que os funcionários da PGR se arriscam a que um dia o céu lhes caia em cima da cabeça.
A degradação da justiça reflectida nas greves dos funcionários do Tribunal Supremo ou da PGR tem de levar os juízes, representantes máximos do poder judicial soberano, a uma tomada de posição mais intensa.
Aos juízes, nos termos do artigo 179.º, n.º 7, da CRA, é vedado o direito à greve, mas não é vedado o direito a exigir condições de trabalho adequadas e a não o realizar se essas não forem concedidas.
Assim, enquanto representantes do poder judicial em crise, os juízes deveriam começar por empreender uma operação-padrão, isto é, só exercer as suas funções mediante o cumprimento das normas legais e técnicas em vigor. Não há papel, não escrevem; não há viaturas, não se deslocam; não há carimbos, não assinam as sentenças.
A melhor forma de fazer mudar a situação deplorável a que chegou a justiça em Angola (e os restantes serviços públicos) é exigir que se aplique a lei.
Nesta medida, a greve dos funcionários da PGR deve ser saudada sem reservas, pois apenas exige o estrito cumprimento da lei: que a PGR seja parte do Estado de direito, e não um corpo estranho a este.