Kopelipa, Vicente e Tchizé a Contas com a Justiça Portuguesa
Como se previa no artigo publicado no Maka Angola a 13 de Junho de 2017 – “O Caso Tchizé e o Fim da Impunidade Angolana em Portugal“, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa abriu um manancial de possibilidades para a justiça criminal em Portugal. Permitiu a investigação de Tchizé dos Santos (deputada e membro do Comité Central do MPLA) pela prática de eventuais crimes de branqueamento de capitais em Portugal com fundos originários de Angola, mesmo não existindo qualquer investigação sobre corrupção em Angola.
Depois desse acórdão, já saíram mais duas decisões do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa com semelhante sentido.
O primeiro, com data de 20 de Junho de 2017, permite a investigação criminal por branqueamento de capitais a Mirco de Jesus Martins (enteado de Manuel Vicente) e a Hugo André Nobre Pêgo (ex-marido de Tchizé dos Santos).
O segundo acórdão data também de 20 de Junho de 2017, e admite a investigação a Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do presidente da República de Angola.
Também chegou ao conhecimento público o despacho de pronúncia do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em que Manuel Vicente (vice-presidente da República de Angola e membro do Bureau Político do MPLA) surge associado aos crimes de corrupção e branqueamento de capitais.
Não entrando aqui nas fundamentações jurídicas das decisões, estas têm um ponto em comum: a justiça portuguesa decidiu que qualquer movimento financeiro angolano que ocorra em Portugal e pareça suspeito pode ser investigado, independentemente de o estar a ser em Angola ou não.
Notem-se duas consequências legais. É evidente que a República de Angola pode, à luz das normas de direito internacional, evitar que os seus cidadãos sejam objecto de inquirições judiciais portuguesas. No entanto, para que tal aconteça dentro da lei internacional, têm que se apressar a denunciar o Acordo de Cooperação Judicial entre Portugal e Angola, que prevê muitas formas de entre-ajuda relativamente às autoridades criminais de ambos os países e esbate um pouco as barreiras da soberania de cada um.
Veja-se, a título meramente exemplificativo, o artigo 32.º desse acordo: “Os Estados Contratantes obrigam-se a auxiliar-se mutuamente em matéria de prevenção, investigação e instrução relativamente aos factos cujo conhecimento, à data do pedido de cooperação, for da competência das autoridades judiciárias, policiais ou administrativas do requerente e que sejam puníveis”. E acrescenta-se, no n.º 2 do mesmo artigo: “O auxílio compreende, nomeadamente:
a) A notificação de documentos;
b) A obtenção de meios de prova;
c) As revistas, buscas e apreensões;
d) A notificação de suspeitos, arguidos, testemunhas ou peritos e a audição dos mesmos;
e) O trânsito de pessoas;
f) As informações sobre o direito português ou estrangeiro e as relativas aos antecedentes penais de suspeitos, arguidos e condenados.”
Em rigor, Angola está obrigada à cooperação com Portugal nestas investigações. Não pode recusar-se liminarmente a ajudar o outro país.
É evidente que se escusa, invocando a sua soberania e os fantasmas do colonialismo, que soam como desculpas frouxas nesta situação. Todos percebemos que a soberania popular angolana foi raptada por um bando de salteadores que se apoderou das riquezas do país e se encarregou de o neocolonizar.
Por isso, entra a segunda consequência legal. Portugal pode usar todos os meios legais ao seu dispor para investigar estas pessoas e, se for o caso, levá-las a julgamento. Desde logo, todos os meios ao dispor no Espaço Europeu de Liberdade, Segurança e Justiça, em que se destaca o Mandado de Detenção Europeu, um processo de entrega judiciária transfronteira simplificado, com o objectivo de julgar ou executar uma pena de prisão ou uma ordem de detenção. Um mandado emitido pela autoridade judiciária de um país da UE é válido em todo o território da UE.
Assim, uma investigação em Portugal é uma investigação que poderá abarcar toda a Europa.
Utilizando estes meios, a justiça poderá acantonar os PEPs em Angola, levando-os a abdicar de viagens e investimentos em Portugal, Espanha ou Inglaterra, assim montando um cerco mundial aos seus desmandos. Resta-lhes encontrar refúgio nas areias secas do deserto, entre camelos e escorpiões.
Acresce que esta decisão cria um alerta para todos os bancos, advogados, consultores e demais cúmplices habituais da cleptocracia angolana. O seu dever de due dilligence está aumentado e não podem continuar a aceitar clientes ligados ao poder político angolano sem proceder às respectivas averiguações internas sobre as origens dos fundos que lhes vão ser pagos. A ignorância e a boa-fé já não são justificações para a inobservância das regras gerais sobre branqueamento de capitais.
A justiça portuguesa, finalmente, lançou um sinal claro sobre as transacções provenientes dos “importantes” de Angola. Esse sinal de alerta aplica-se aos próprios e a todos os que colaboram com eles e deles recebem dinheiro.
Portugal pode começar a deixar de ser lugar de esconderijo das fortunas saqueadas pelos dirigentes angolanos.