A Manifestação da UNITA e os Sete Presos

Ontem, 3 de Junho, a UNITA realizou manifestações em várias províncias do país para exigir eleições transparentes, tendo levado dezenas de milhares de pessoas à rua. A Polícia Nacional garantiu a segurança dos protestos e concluiu que foram pacíficos e ordeiros.

As reivindicações incidem fundamentalmente na alegada fraude antecipada, através da contratação ilegal das empresas SINFIC e Indra pela Comissão Nacional Eleitoral. A estas empresas, respectivamente portuguesa e espanhola, caberão a prestação de serviços, o fornecimento de materiais e soluções informáticas para as eleições de Agosto. Ora, foram precisamente estas empresas que a UNITA denunciou como peças instrumentais na fraude das eleições de 2012.

Desde o início da Primavera Árabe, em 2011 – que levou ao derrube de ditaduras na Tunísia e no Egipto e resultou em guerras na Líbia e na Síria –, o governo angolano tem sofrido de ataques de pânico sempre que ouve falar em manifestações, mostrando-se implacável na repressão dos jovens que tentam realizar protestos.

Desde o dia 19 de Abril passado, sete jovens cumprem uma pena de 45 dias de prisão efectiva e multa de 65 mil kwanzas precisamente por se terem manifestado, em Cacuaco, para exigirem eleições transparentes e boa governação.

Os sete activistas foram condenados pelo Tribunal Municipal de Cacuaco, em julgamento sumário e sem advogados que os representassem. São eles Adão Bunga “Mc Life”, António Mabiala “Roussef”, David Salei, Mariano André, Nzunzi Zacarias “Luston”, Paulo Mabiala “DMX” e Valdemar Aguinaldo “27 de Maio”.

Procuremos entender a lógica do poder sobre dois casos com um mesmo objectivo: a exigência de eleições transparentes. Por um lado, a UNITA sai com dezenas de milhares de cidadãos à rua e tudo corre muito bem. A Polícia Nacional faz um balanço positivo. Só no Huambo, terão saído cerca de 50 mil pessoas à rua, de acordo com uma notícia da Lusa.

Por outro lado, um bando de miúdos sai à rua com cartazes, na periferia de Cacuaco, e apanha porrada. Sete deles são condenados porque exigem o mesmo que a UNITA.

De certo modo, a UNITA, apesar da sua reservada liderança e do seu discurso anódino, tem uma extraordinária capacidade de mobilização de massas. Tem vindo a multiplicar a sua base de apoio, também conhecida como “o povo da UNITA”. Não tem usado medidas de coacção nem actos de corrupção para arregimentar militantes e simpatizantes, porque também não tem poderes para tal. Hoje, os municípios mais populosos de Luanda – Viana e Cacuaco – tornaram-se bastiões da UNITA, reflectindo as mutações demográficas e de mentalidade do pós-guerra. Essas mutações revelam também as consequências da circulação de informação na capital, sobre a corrupção e outros maus actos de governação.

Essa força bruta – o “povo da UNITA” –, num processo verdadeiramente democrático, pode alterar o quadro político nacional. Ao tomar o gosto pelo protesto a favor da transparência e da boa governação, essa massa opositora também pode ganhar legitimidade para convencer outros sectores da sociedade, incluindo do MPLA, sobre a necessidade de mudança. É aqui que a decisão de permitir a manifestação faz todo sentido. Em vez de antagonizar, acalma. O governo do MPLA sabe esvaziar a pressão política da oposição. O sentido de responsabilidade da direcção da UNITA e a disciplina dos seus militantes fazem o resto. Cumprem com o seu programa e vão para casa de forma ordeira.

Já os jovens são outra história. Há vários grupos dispersos, com mensagens simples, apelativas e directas sobre a má governação, que podem criar o efeito de bola de neve. Por mais que as autoridades se esforcem por negociar, cooptar, corromper e/ou espancá-los, condená-los, eles, quais células, reagrupam-se e voltam a incomodar e a obrigar o poder a coçar-se.
Por exemplo, dois dos actuais condenados, Luston e “27 de Maio”, haviam sido corrompidos pelo administrador de Cacuaco, Cavuquila. Este mandou gravar um vídeo do acto em que pagava 100 mil kwanzas a cada um para deixarem de fazer manifestações em Cacuaco. Voltaram às ruas. O vídeo circulou nas redes sociais e, como consequência, muitos outros activistas recusaram-se a prestar solidariedade para com os condenados. A 27 de Maio, mais um grupo de jovens saiu à rua e sofreu espancamentos brutais. Um deles, António Quissanda “Beimani”, sofreu vários ferimentos na cabeça.

Em resumo, o poder é mais eficaz em lidar com a oposição do que com a juventude. Qualquer jovem, excluído das benesses do MPLA, pode ser um potencial “revú”, como se auto-apelidam os contestatários. Esse grupo forma a maioria do eleitorado (mais de 55 por cento do eleitorado tem menos de 36 anos) e é o que mais consome informação crítica.

A título de exemplo, a CASA-CE, como terceira maior força política, demarcou-se publicamente das manifestações, para as quais foi antecipadamente convidada pela UNITA, que propôs uma organização conjunta. Acabou por sair mal na fotografia dos que exigem eleições livres e transparentes. Basta um erro estratégico da sua liderança para que toda a organização sofra e o poder lucre com as divisões antagónicas entre os partidos da oposição.

Por sua vez, os grupos díspares de jovens “revús” deram um exemplo de como se resolvem diferenças bicudas. Ficaram de bico calado em relação aos seus companheiros condenados e, como não têm lideranças, para serem manietados a partir do topo, as autoridades têm de reprimir novamente a partir da estaca zero.

Quando será que as autoridades vão permitir que os jovens se manifestem livremente e de acordo com a Constituição?

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