Greve à Vista na Procuradoria-Geral da República

Em cada sector da sociedade há uma profissão que é especialmente representativa do seu modo de funcionamento. Na Justiça, são os técnicos de justiça que personificam o andamento desta.

A decisão de greve do Sindicato Nacional dos Técnicos de Justiça e Administrativos da Procuradoria-Geral da República (PGR), a partir de 17 de Abril de 2017 e por 15 dias, permite ver o pântano em que caiu a Justiça angolana, em especial a Procuradoria-Geral da República.

Temos tido um PGR, o general João Maria de Sousa, que ou se remete a um silêncio comprometedor ou tenta interferir na justiça de outros países. O que não faz é o seu trabalho de garantia da legalidade no Estado angolano.

De certo modo, o PGR fala a novilíngua de Orwell. Todas as suas afirmações devem ser lidas ao contrário. Assim, quando a Procuradoria diz que é contra detenções e prisões ilegais, está a afirmar que é a favor de detenções e prisões ilegais; quando afirma que a luta contra a corrupção é uma aposta a vencer, quer afirmar que a luta contra a corrupção não é uma aposta a vencer. E assim sucessivamente.

Qual metáfora, o PGR de Angola é o procurador do espelho retrovisor. Vê tudo ao contrário.

O manifesto dos técnicos de justiça é claro acerca da ineficiência do PGR. Entre outras coisas graves, afirma que a actuação ou não actuação da Procuradoria atenta contra a vida e a dignidade da pessoa humana. E exemplifica com situações concretas, como o caso das instalações da Procuradoria no Kwanza-Sul e Bié, que ameaçam desabar colocam em risco a vida de centenas de pessoas.

Não é só o Sindicato dos Técnicos de Justiça da PGR a dizê-lo. Já em Julho de 2016, o Sindicato dos Oficiais de Justiça produziu um manifesto em que identificava com clareza os vários problemas concretos e graves. A Justiça em Angola está caótica.

Acresce que a falta de recursos humanos e de instalações na Justiça é uma questão preocupante em quase todos os sectores. Em geral, muitos juízes trabalham com apenas um ajudante e um oficial de diligência para um volume de cerca de um a dois mil processos, quando deveriam trabalhar com pelo menos um escrivão, dois ajudantes e dois oficiais de diligência. Os regimes salariais e as condições gerais de trabalho são miseráveis.

Além da falta de condições materiais, o manifesto dos oficiais de justiça enfatizava outras questões muito graves: a inexistência da desvinculação, autonomia, separação e independência dos tribunais de primeira instância do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

De acordo com a Constituição, os tribunais como órgãos de soberania, independentes e gozando de autonomia administrativa e financeira. Os oficiais de justiça afirmavam que isso não se verificava. Por essa razão, o Sindicato solicitava a “reposição da legalidade”, o que é tão mais importante quanto revela que são os próprios oficiais de justiça a declarar que os tribunais funcionavam e continuam a funcionar à margem da lei.

Um outro aspecto relevante do manifesto dos oficiais de justiça era a reivindicação de um aumento de cem por cento do salário base. Tal demonstrava o caos em que se encontra o nível de vida da classe média angolana. A título de exemplo, o sindicato mais radical em Portugal (CGTP) reivindica aumentos na ordem dos quatro por cento. O facto de o Sindicato querer duplicar os salários resulta de uma inflação galopante, que tem destruído a vida das pessoas. Talvez seja este o alerta mais importante: se não for controlada, a inflação vai matar a economia e as pessoas que vivem dos kwanzas que recebem no fim do mês.

Enfim, na Justiça de Angola não há condições físicas, não há pessoal, não são respeitadas a competências nem, como afirma o Sindicato do sector, se respeita a vida e a dignidade da pessoa humana.

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