Manifestantes Torturam Sargento da Polícia em Cafunfo

Mais de quatrocentos simpatizantes do Movimento do Protectorado da Lunda-Tchokwé, uma organização sem estatuto legal, protagonizaram ontem uma manifestação violenta em Cafunfo, município do Cuango, que resultou no espancamento brutal de um chefe de patrulha da Polícia Nacional.

No período da manhã, os manifestantes convergiram no bairro Bala-Bala, trajando camisolas do movimento com o rosto do seu líder, Mateus Zecamutchima. Seguiam atrás de dois indivíduos mascarados como muquixis (palhaços). A marcha partiu da residência de um membro da organização, identificado como André Zende, passou pelo Bairro Cafunfo-Sul, seguindo pelo aeroporto (que foi há muito engolido pelas ravinas) até à vila.

Junto à Unidade da Polícia Fiscal, um elemento do Serviço de Investigação Criminal (SIC) no Cuango, conhecido como Ninja, que se fazia acompanhar de um patrulheiro da Polícia Nacional, tentou impedir a marcha. Quando abordou os manifestantes, foi repelido com gritos de protesto.

Ao aproximarem-se do centro da vila de Cafunfo, os manifestantes encontraram uma barreira da Polícia Nacional, comandada pelo chefe de patrulha sargento Ezequias Levi Txamubanda. O Maka Angola testemunhou, in situ, os disparos para o ar que o referido oficial lançou no sentido de dispersar os manifestantes e de os impedir de ultrapassar a barreira policial.

Em reacção, os manifestantes insurgiram-se contra o chefe de patrulha e seus comandados, atacando-os com vários objectos contundentes. Alguns manifestantes confirmaram ao Maka Angola que desarmaram e raptaram Ezequias e que o torturaram com vários objectos até o deixarem desfalecido no local. Retiraram-lhe também os passadores de sargento.

Uma testemunha ocular informou o Maka Angola de que os agentes da Polícia que se encontravam na barricada, calculados em cerca de vinte, bateram em retirada ante a agressividade dos manifestantes, tendo abandonado o sargento à sua sorte.

O agente policial foi depois recuperado pelos seus colegas e levado para o Hospital Regional do Cuango. Entretanto, devido ao estado degradante do hospital e à falta de assistência médico-medicamentosa, o paciente foi transferido, em estado crítico, para a província de Malanje.

Testemunhas oculares revelam que o chefe de patrulha sofreu ferimentos na cabeça e sangrava bastante da boca, das fossas nasais e dos ouvidos.

“No incidente, a população furiosa entrou em pancadaria com o agente Levi, que foi evacuado para o hospital, e a Polícia Nacional em Cafunfo mantém o cidadão Rui Lucas [membro do Protectorado] preso”, reconhece o líder dos manifestantes numa notícia publicada na sua página de Facebook.

O Maka Angola questionou um dos manifestantes sobre as motivações do protesto. Roque Corinto, como se identificou, referiu que “estamos a protestar para impugnar as eleições deste ano. Se o governo não nos conceder autonomia, vamos paralisar a região das Lundas”.

O Movimento do Protectorado da Lunda-Tchokwé tem sido uma dor de cabeça para as autoridades governamentais nas províncias da Lunda-Norte e Lunda-Sul, com as suas reivindicações de autonomia para aquela região diamantífera.

Segundo notícia publicada na sua página no Facebook, o líder dos manifestantes realça que “a presente manifestação enquadra-se na orientação emanada pelo presidente do Movimento do Protectorado, José Mateus Zecamutchima, quando anunciou chuva de manifestações em 2017 em toda a extensão da Nação Lunda-Tchokwé (…)”.

Os conflitos entre as entidades estatais e os líderes e simpatizantes do Protectorado já causaram dezenas de detenções, várias mortes e condenações.

Em 2010, o Tribunal Provincial da Lunda-Norte condenou vários activistas do Movimento do Protectorado da Lunda-Tchokwé por crimes contra a segurança de Estado e por incitação à divisão do país, aplicando-lhes penas de três a seis anos de prisão (com recurso a uma lei revogada).

Em 20 de Setembro passado, efectivos da Polícia Nacional e do SINSE desencadearam um tiroteio em Cafunfo por causa de um mapa representando a divisão das Lundas que havia sido afixado, através de uma lona, numa residência identificada como a sede local do Protectorado, da facção Felipe Malakito, na Rua da Igreja Valódia.

Os agentes feriram o cidadão João Mateus (dono da residência) com uma coronhada na cabeça e deram várias bofetadas à filha, que filmava a agressão contra o pai com o telemóvel, chegando mesmo a apertar-lhe o pescoço para que ela entregasse o telefone. Em consequência, gerou-se uma sessão de pancadaria entre os membros do Protectorado e os agentes que resultou na detenção de 16 indivíduos, 14 dos quais foram libertados no mesmo dia e outros dois encaminhados ao procurador.

A 24 de Novembro passado, no município do Lucapa, um grupo afecto a Filipe Malakito recebeu a falsa notícia de que a bandeira do Protectorado havia sido hasteada nos Estados Unidos e decidiu celebrar. Em resposta, um dos agentes da Polícia Nacional decidiu pôr termo aos festejos de rua, mas acabou desarmado e espancado. Em retaliação, as forças policiais atacaram os manifestantes a tiro, matando três simpatizantes do movimento.

Na opinião do analista jurídico do Maka Angola, esta actuação violenta dos manifestantes merece dois comentários complementares. “O direito à manifestação é pleno, mas tem de ser posto em prática sem violência. Qualquer violência, além de ilegal, é condenável. No entanto, estes factos também confirmam os alertas que temos lançado: a violência e a intolerância por parte das autoridades gera violência por parte das populações, tal como em física uma acção gera sempre uma reacção. Este é o ponto grave a que Angola está a chegar.”

É esta também a opinião de José Zua, especialista em assuntos de inteligência e segurança. Segundo ele, “a questão é que o governo deve mudar em certa medida a forma de actuação em relação às manifestações, para evitar este tipo de incidente. São necessárias mais medidas de inteligência e menos medidas de força. Os problemas com este movimento já há muito deviam ter sido sanados. Mas o governo tem actuado muito na base do poder repressivo das forças policiais, pondo em risco a vida destes agentes da autoridade”.

E prossegue: “Este é mais um caso que se vem juntar ao que aconteceu no monte Sume, no Huambo. É assim que se galvanizam as forças de reacção dos manifestantes e que se corre o risco de enfraquecer, em certa medida, o moral das forças da lei. Estamos em ano de eleições, o que, por si só, propicia incidentes de vária ordem, que é preciso acautelar com medidas de inteligência bem direccionadas.

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