Saques Injustificados de US $83 Milhões em Benguela

O governador provincial de Benguela, Isaac dos Anjos, enfrenta actualmente um processo no Tribunal de Contas por graves irregularidades na sua gestão financeira, entre 2013 e 2014. Os saques injustificados equivalem a mais de US $83 milhões.

De entre as anomalias detectadas, o Tribunal de Contas (TC) denuncia o desvio equivalente a US $70 milhões – ao câmbio da altura – através de vários actos ilícitos na atribuição e celebração de contratos de obras públicas, sem a prévia fiscalização e posterior homologação por este órgão, conforme exigido por lei.

De acordo com um relatório de auditoria, em posse do Maka Angola, durante o período em análise, o governador de Benguela efectuou também despesas equivalentes a seis milhões e 690 mil dólares sem apresentar quaisquer facturas ou justificações.

Os auditores do TC detectaram também pagamentos e despesas ilegais realizadas sem qualquer suporte documental (facturas), despesas efetuadas com base em facturas pró-forma, bem como oferta de viaturas a pessoas sem qualquer vínculo com o Governo/Estado.

Outra ilicitude referida pelo relatório de auditoria do TC reporta-se à aquisição de 76 viaturas, com um custo total de quatro milhões e 500 mil dólares. Segundo o relatório, o governador Isaac Francisco Maria dos Anjos não submeteu o contrato de compra das viaturas à fiscalização do TC, como exige a lei.

Como agravante, 25 das 76 viaturas adquiridas foram distribuídas por pessoas sem qualquer ligação com o governo. O Tribunal de Contas sublinha que esse desvio configura violação à Lei do Património Público, aprovada em Agosto de 2010, segundo a qual os bens do Estado devem ser somente atribuídos às entidades governamentais e do Estado.

Outro buraco, de um milhão e 200 mil dólares, foi detectado nas contas de 2013, num somatório de pagamentos ilegais e indevidos. A auditoria revela que, na tentativa de justificar a legalidade dessas despesas, o governo de Isaac dos Anjos apresentou apenas facturas pró-forma.

Os auditores citam que as despesas justificadas com facturas pró-forma foram efectuadas pelo próprio governador, pelo seu director de Gabinete de Estudo e Planeamento, Manuel Sardinha da Cunha, e pelo ex-governador, general Armando da Cruz Neto, antes da sua exoneração.

Por sua vez, Armando da Cruz Neto também é denunciado no referido relatório por um desvio de 900 mil dólares, entre Janeiro e Maio de 2013, sobre cujo valor não apresentou qualquer justificação.

A 23 de Maio de 2016, o contador geral do Tribunal de Contas, Carlos Luís António, incumbido pelo juiz conselheiro relator, José Magalhães, endereçou uma “carta relato” ao Governo Provincial de Benguela, para efeito de contraditório, relativo às graves irregularidades detectadas nos exercícios económicos respeitantes aos anos de 2013 e 2014.

No seu relatório final, o Tribunal de Contas refere que, ao não apresentar qualquer suporte documental (facturas ou outro documento válido) que justifique as despesas efectuadas e detectadas como graves, o governador Isaac dos Anjos violou a Lei-quadro do Orçamento Geral do Estado, uma vez que terá feito sair dinheiro dos cofres do Estado sem qualquer comprovativo.

A inexistência de documentos implica que não se saiba o destino das verbas. E isso é proibido e ilegal face à referida Lei-quadro do OGE, Lei n.º 15/10, de 14 de Julho, que dispõe sobre as normas gerais aplicáveis à preparação, elaboração, aprovação e execução orçamental, à programação financeira e ao registo contabilístico dos recursos públicos (artigo 1.º), e que, nos termos do seu artigo 32.º, impõe que qualquer liquidação tenha por base os títulos e documentos comprovativos do respectivo crédito, designadamente o contrato, acordo ou factura (32.º, 3, a). Não havendo esta documentação, não pode haver liquidação e pagamento.

Assim, o governador provincial de Benguela, ao não apresentar qualquer factura ou outro documento que possa justificar as despesas efectuadas, não cumpriu a legislação em vigor, no caso concreto, a Lei-quadro, tornando as despesas ilegais, incorrendo em responsabilidade financeira nos termos da Lei Orgânica e do Processo do Tribunal de Contas, pelo que, nos termos dos artigos 29.º e 30.º dessa lei, poderá ver-lhe aplicada uma multa avultada e terá que devolver as verbas gastas sem justificação.

Maka Angola contactou o governador Isaac dos Anjos para ouvir a sua versão dos factos. Em conversa telefónica, o governador de Benguela afirmou que já respondeu “ao relatório do Tribunal de Contas, dentro dos prazos legais”. Explicou, no entanto, que não pode “revelar o conteúdo da carta nem responder às nossas perguntas por se tratar de um assunto de carácter confidencial”.

Face às irregularidades detectadas, o Tribunal de Contas instaurou processos contra quatro dirigentes. São eles o governador Isaac dos Anjos, o deputado do MPLA e ex-governador, general Armando da Cruz Neto; o secretário-geral do Governo Provincial de Benguela, Fernando Dias Cangato; e o director do Gabinete de Estudos e Planeamento, Manuel Sardinha.

Se no final deste processo fosse aplicada a lei, estes indivíduos seriam obrigados a devolver aos cofres do Estado todo o dinheiro que deles saiu ilegalmente. Ou talvez fossem promovidos a ministros, dado que, na última vez que Isaac dos Anjos foi condenado pelo Tribunal de Contas, a sanção foi… uma promoção! Lembremos a história: “O Tribunal de Contas, no Acórdão 001/2.ª Câmara TC/ 2004 exarado em 2004, certificou a inexistência de contabilidade e o desvio de fundos para fins particulares na Gestão de Fundos S.A., a empresa responsável pelos fundos de que o presidente José Eduardo dos Santos se orgulha como dos mais avançados do planeta. O então presidente do Conselho de Administração da Gestão de Fundos S.A., Isaac dos Anjos, foi condenado pelo Tribunal de Contas. Mas, curiosamente, foi promovido pelo presidente da República, no ano seguinte, para o cargo de governador da Huíla.”

Assim se combate a corrupção e a má despesa pública em Angola: com promoções ordenadas por José Eduardo dos Santos.

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