Ensino Superior: O Futuro de Angola em Más Mãos

Conta-se que o ditador Estaline, ao ser confrontado a qualidade superior do exército alemão na Segunda Guerra Mundial, terá dito, referindo-se ao maior número de soldados soviéticos: “A quantidade também é uma qualidade.” Apostava Estaline que para derrotar os alemães bastava lançar vagas de soldados para a frente de combate.

Quando a invasão alemã chegou, no Verão de 1941, os milhões de soldados russos foram facilmente cercados e derrotados pela máquina alemã. Só com a ajuda do Inverno e depois de mudar os líderes e os métodos russos, conseguiu Estaline começar a resistir e depois ganhar. A quantidade mal aproveitada foi um desastre épico de morte e incompetência.

Vem esta história a propósito do cenário desolador que se vive no ensino superior angolano. É um facto que a quantidade aumentou. No ano final da guerra civil (2002), existiam 12.566 estudantes nas universidades angolanas; em 2011, registavam-se 140.016 (números retirados do estudo de Paulo de Carvalho, “Evolução e crescimento do ensino superior em Angola”, Revista Angolana de Sociologia, 9/2012, pp. 51-58).

Contudo, o panorama é de facto desolador. Neste início de Outubro, o general João Lourenço, vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa, em discurso dirigido à comunidade académica, referiu-se abertamente à necessidade de o ensino superior ganhar qualidade, e de deixar de ser um mero veículo de formação em massa, acrescentando que o mérito deveria ser premiado.

De seguida, no mesmo evento, a reitora da Universidade Agostinho Neto informou os presentes de que 58 por cento dos alunos daquela instituição tinham sido admitidos com nota negativa, queixando-se da falta de preparação dos alunos e das imensas dificuldades de transição do ensino secundário para o universitário.

João Lourenço, curiosamente, surge a desempenhar o papel de Manuel Vicente, o vice-presidente da República, que alegadamente detém o pelouro dos assuntos sociais. Mais curiosamente ainda, o general Lourenço destaca um aspecto que tem sido enterrado na liderança de José Eduardo dos Santos, servindo de exemplo para todo o país: o mérito. Se há qualidade que não tem sido aproveitada, fomentada, acarinhada, é o mérito. Em seu lugar, prefere-se o servilismo, o amiguismo, para não falar do nepotismo.

Dos discursos de Lourenço e da reitora da UAN, podem-se retirar algumas conclusões: estes dirigentes reconhecem que o actual ensino superior não tem qualidade, que não aposta no mérito, e atribuem culpas à deficiente formação anterior dos estudantes (aliás, já o estudo de Paulo de Carvalho atribuía muitas das responsabilidades da falta de qualidade no ensino superior ao ensino deficiente nos níveis inferiores). Contudo, esta é a resposta mais cómoda. Como de costume, a culpa é sempre do outro, e assim também se desresponsabilizam os responsáveis universitários. Entendemos que este caminho não leva a solução alguma.

As universidades têm de assumir as suas responsabilidades. Todos nós conhecemos casos da falta de rigor e de ribaldaria no ensino superior, onde, o mais das vezes, não há exigência, nem reconhecimento do mérito, nem sequer estruturas académicas profissionais.

Há um célebre exemplo que vale a pena evocar. Uma das maiores universidades privadas do país convidou para decano da Faculdade de Direito um jovem licenciado que um ou dois anos antes tinha sido assistente em Portugal e cujo principal atributo é ser deputado. Esse jovem licenciado tinha potencial e capacidade, é certo. No entanto, antes de poder ocupar qualquer cargo docente na universidade, teria obviamente de prestar provas académicas a desenvolver um percurso académico, mais ainda para se tornar decano de uma faculdade. Obviamente, o referido jovem não estava preparado para tais funções. Não tardou que se metesse na maior das confusões e fosse acusado de tudo e mais alguma coisa, desde promover o lesbianismo, insultar as mães das alunas e as suas filhas, afirmar que o reitor da universidade era um burro, como burro era o ministro da Justiça, além do presidente da República, que supostamente lhe telefonava todos os dias porque não sabia nada. Estas e outras acusações levaram ao afastamento do “decano”.

Este exemplo ilustra um primeiro problema das universidades angolanas. O pessoal dirigente e docente – com algumas excepções, naturalmente – não está apto a exercer as suas funções, porque simplesmente não tem preparação. As universidades surgiram antes de haver um mínimo de estrutura académica, e o exercício de funções dirigentes e de professorado foi realizado não com base no mérito, mas com base nas influências políticas e familiares. Ainda são poucos os docentes preparados para o ensino a um nível universitário. Portanto, não adianta fazer queixa dos alunos, quando os professores não são bons. Porque bons professores teriam a capacidade de transformar maus alunos em bons alunos.

O principal objectivo de reforma da universidade deve ser preparar bem os professores. Criar carreiras docentes adequadas, salários compatíveis e, obviamente, exigências de profissionalismo.

Antes de pensar em qualquer outro aspecto, o ensino superior tem de pensar em ter bons professores, e não apaniguados faladores. Falar em educação, apostar em educação, e não atentar nos professores, nas suas capacidades e no seu profissionalismo, é como ter um exército de leões comandado por burros.

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