A Lição e as Lágrimas Amargas do Juiz Januário
Foi publicada uma exposição do juiz Januário Domingos, o mesmo que condenou os Revús, em que este se queixa de modo amargo de que teria sido “usado”, “humilhado” e constituído “bode expiatório” dos dislates do regime.
Este costuma ser, de facto, o destino dos serventuários dos regimes em queda livre. O caso mais impressionante passou-se com Amin Abbas Hoveida. Hoveida foi um primeiro-ministro fiel do xá da Pérsia (imperador do Irão), conhecido pelo seu requinte francês, que o levava a usar uma orquídea na lapela do casaco, e que presidiu ao grande desenvolvimento do Irão da década de 1960.
Anos mais tarde, a economia começou a desacelerar e a população, a ficar descontente com variados casos de corrupção. O xá, para apaziguar a revolta, demitiu Hoveida e nomeou-o ministro da Corte. Um cargo sem papel para desempenhar. Mas a pressão social manteve-se e os escândalos de corrupção sucediam-se. O xá via o seu trono ameaçado, e resolveu tornar Hoveida o “bode expiatório”, mandando prendê-lo. Aquele que foi o fiel escudeiro do imperador durante anos acabou preso às suas ordens. Não adiantou. As ruas não desarmaram. A população identificava o xá com os males do país, e, aconselhado pelos americanos, o xá acaba por fugir do seu país, para evitar o derramamento de sangue.
A revolução iraniana triunfa por fim. Com a velocidade a que tudo se passou, Hoveida foi esquecido na prisão, onde foi encontrado pelos revolucionários islâmicos que derrubaram o xá.
Um dos primeiros actos desses revolucionários foi matar o pobre Hoveida.
Esta história está a repetir-se em Angola. O juiz Januário é o primeiro dos Hoveida, mas não vai ser o único.
Na Sonangol espalha-se agora uma fábula de encantar crianças. Segundo essa fábula, a Sonangol de Manuel Vicente e do seu sucessor (outros Hoveida) era um antro de corrupção e de gastos sumptuários, a que agora a princesa Isabel dos Santos está a pôr fim como se se tratasse de uma infatigável cruzada. Qual justiceira anticorrupção, Isabel anda a descobrir as falcatruas dos seus antecessores, da Coreia do Sul à Coba em Portugal.
Não faltará muito tempo até vermos Vicente e outros na prisão, acusados de corrupção na Sonangol.
E, no entanto, esta fábula esquece-se de dois pequenos detalhes:
Primeiro, o presidente da República José Eduardo dos Santos foi o supervisor directo da administração da Sonangol durante décadas, e convidou Manuel Vicente para ser seu número dois na estrutura do Estado.
Não pode vir agora dizer que ignorava os desmandos na Sonangol. Já em 2010, Rafael Marques de Morais denunciou publicamente as actividades nefárias de Manuel Vicente na Sonangol. Tudo era público e notório.
Segundo, Isabel dos Santos foi uma das grandes beneficiárias da “generosidade” da Sonangol. Ainda agora se apurou que “mais de metade da fortuna de Isabel, calculada com os activos na Galp, pertence claramente à Sonangol, ao Estado angolano”.
Então, em vez de contar fábulas, talvez Isabel dos Santos devesse devolver ao Estado tudo aquilo que recebeu da Sonangol.
Quanto às lágrimas amargas do juiz Januário, serão iguais às outras lágrimas que outros colaboradores activos do regime irão verter quando se virem espoliados e presos pelo mesmo regime que serviram, em nome da salvação de José Eduardo dos Santos.
A quem quiser enfrentar o fim com honra e dignidade, resta agir segundo o imperativo categórico kantiano: “Age como se a tua acção devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal.” Isto é: faz aos outros o que queres que te façam a ti.