Dos Santos Tem Medo do FMI

José Eduardo dos Santos, presidente da República de Angola ainda em exercício, decidiu cancelar um pedido de apoio financeiro ao FMI (Fundo Monetário Internacional) com base num Programa de Financiamento Ampliado (EFF em inglês). 

Para obter o apoio do FMI, Angola teria de cumprir o mesmo tipo de programa que foi aplicado em Portugal nos anos 2011-2014, submetendo-se a uma espécie de “strip-tease” das finanças públicas, do orçamento e de todas as práticas e procedimentos ligados às receitas e aos gastos públicos do Estado angolano. 

Não é de admirar que o presidente não esteja disposto a permitir uma análise transparente e pública às contas do Estado angolano e seus associados. 

José Eduardo dos Santos viu o que aconteceu em Portugal: descobriu-se que os bancos estavam falidos devido a negociatas entre políticos e empresários; mandou-se o ex-primeiro-ministro José Sócrates para a prisão; revelou-se que durante anos tinha existido uma maquilhagem das contas públicas e que as dívidas do Estado eram muito maiores do que se pensava; e Ricardo Espírito Santo Salgado, o grande banqueiro dos dois regimes, foi detido em casa e caiu em desgraça. Se em Portugal aconteceu tudo isto, quais seriam as consequências de um escrutínio metódico e sério, amplamente divulgado, feito pelo FMI às contas do Estado angolano?

José Eduardo dos Santos decidiu cancelar o pedido ao FMI apenas para não mostrar os esqueletos no armário, quer dizer, para defender os seus interesses pessoais, e não para defender o bem comum.

A situação económica em Angola continua extremamente complicada. Vejamos o que nos dizem os números apresentados por duas instituições do Estado: a Folha de Informação Rápida-Conjuntura Económica, I trimestre de 2016, do Instituto Nacional de Estatística de Angola, e o Relatório do Comité de Política Monetária do Banco Nacional de Angola, de 30 de Junho de 2016. Dados actuais e oficiais, portanto.

Em termos económicos, todos os sectores – indústria transformadora, construção, comércio, transportes, indústria extractiva, turismo e comunicação – apresentam uma tendência desfavorável ou negativa, apresentando sempre valores de actividade inferiores à série média avaliada geralmente desde 2008, em termos de indicadores de confiança. Isto quer dizer que a percepção dos empresários sobre o desempenho tendencial do respectivo sector de actuação se encontra em terreno desfavorável, negativo. Era pois necessário que o governo estimulasse a economia ou criasse mercados de factores de produção e de bens e serviços.

Contudo, em termos de política económica, as possibilidades de intervenção por parte do Governo são muito limitadas. Se por um lado é necessário investimento público para estimular a economia, por outro, é necessário implementar cortes drásticos na despesa pública, de modo a reduzir o défice orçamental, o que implica que não haja dinheiro para grandes investimentos nem estímulos. Assim, o Executivo está de mãos atadas.

Restam a políticas monetária (mais ou menos moeda a circular) e a política cambial (valor da moeda face ao estrangeiro).

Em termos de política monetária, o último Comité de Política Monetária do Banco Central foi claro: face aos números da inflação (já vai em 30 por cento com referência aos 12 últimos meses), os juros têm de subir. A subida dos juros (que é o mesmo que dizer a subida do preço do dinheiro) implica que o dinheiro se torne de mais difícil acesso. Menos dinheiro quer dizer menos investimento, logo, menos crescimento económico, mais crise. 

Por seu turno, a política cambial lida com o valor do Kwanza. Numa conjuntura de desaceleração económica, o ideal seria desvalorizar a moeda, para aumentar as exportações e limitar as importações, o que aliás foi defendido recentemente pelo FMI. O problema é que uma desvalorização do Kwanza implica mais inflação, com a consequente subida das taxas de juro.

Se repararmos, em termos simplistas, a taxa básica de juro do BNA está em 16 por cento, enquanto a inflação ronda os 30 por cento. Portanto, se uma pessoa colocar o dinheiro no banco, perde dinheiro: cerca de 14 pontos percentuais (por razões técnicas, não é bem assim em termos quantitativos, mas o princípio aplica-se plenamente).

Simultaneamente, o referido Relatório de Política Monetária reconhece que o crédito à economia diminuiu 0,3 por cento em Maio de 2016, enquanto o crédito ao Estado aumentou 4,05 por cento. Temos aqui um possível efeito “crowding out”: o Estado está a absorver os recursos da economia para si, retirando-os do privado. A agravar a situação, os depósitos do Estado junto da banca diminuíram em 5,8 por cento. Estes números mostram que o Estado está “aflito de dinheiro”, gasta as suas poupanças e vai absorvendo os recursos disponíveis no sistema bancário.

Em resumo, as finanças públicas angolanas sofrem de problemas de liquidez, a economia desacelera, ao mesmo tempo que a inflação sobe e as taxas de juro aumentam, com a moeda sujeita a imensa pressão. Carlos Rosado de Carvalho já explicou, e bem, que a isto se chama estagflação (ver jornal Expansão). A estagflação é uma situação em que a inflação é elevada, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) diminuto e o desemprego elevado. Aconteceu nos Estados Unidos e na Europa nos anos 1970, e só foi resolvida com a introdução das políticas liberais de Reagan e Thatcher. Mas lembremo-nos de que a estagflação provocou a queda de todos os governantes na época, bem como do paradigma económico vigente (o keynesianismo foi substituído pelo monetarismo neoliberal). Só a vigorosa competição em mercado livre resolveu o problema.

A situação em Angola tem, naturalmente, as suas particularidades. Neste momento, o que parece ser mais grave é a completa ausência de um caminho definido. Para estimular a economia, não há dinheiro público; é necessário desvalorizar a moeda para evitar problemas cambiais e aumentar as exportações, mas é desaconselhável para combater a inflação. As taxas de juro ainda terão de subir mais para controlar a inflação, mas isso valoriza a moeda e trava a economia. Através destes raciocínios, percebe-se que chegámos a um beco sem saída. É necessário implementar reformas e reestruturações profundas e intensas para podermos superar a situação actual e deixar para trás esse beco.

É óbvio que Angola beneficiaria de um plano de reformas apoiado pelo FMI, com dinheiro disponível para facilitar a recuperação do país. Em vez disso, José Eduardo dos Santos prefere o caminho para o desastre económico. 

É este o caminho que estamos a percorrer a passos bem largos. E é também por isso que se tornou urgente alertar a população para a conduta irresponsável do presidente.

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