Paulo Ngangula: 14 Anos de Injustiça que Não Chegam ao Fim

Depois de ter cumprido 14 anos de pena efectiva, Paulo Ngangula, de 34 anos, está há seis meses em excesso de prisão, na cadeia da Caboxa, província do Bengo, por falta de soltura. O controlo penal diz que tem cópia do seu mandato de soltura, enviado pelo Tribunal Provincial do Huambo, mas só pode libertá-lo tendo em sua posse o original. Burocracia, desorganização ou insensibilidade?

O caso parece anedótico. Paulo Ngangula foi condenado pelo crime de homicídio num julgamento em que o verdadeiro autor dos disparos foi dispensado dos procedimentos criminais, assim como o proprietário da arma. O julgamento fez-se de forma expedita, sem advogado nem testemunhas.

Depois das 19h00 de 4 de Janeiro de 2002, com o país ainda em guerra, Raul — um vizinho de Paulo Ngangula — pediu-lhe que acompanhasse a sua namorada a casa, no Bairro do Benfica, Cidade do Huambo. Como era militar das Forças Armadas Angolanas, entregou-lhe a sua arma AK-47 para garantir protecção. “Nesse dia ele ia dormir com outra”, explica Paulo.

Paulo cumpriu a missão. No regresso, deparou-se com dois jovens, um dos quais era seu colega – eram ambos vendedores ambulantes “zungueiros” no mercado da cidade.

“Os jovens queriam que eu lhes desse a arma para fazerem uns disparos, na brincadeira. Eu recusei e um deles recebeu-me a AK. Eu tentei recuperá-la, para não ter problemas com o militar. Um deles começou a fazer disparos e atingiu o amigo no abdómen”, conta.

A Polícia Nacional apareceu no local na mesma hora e deteve os suspeitos, tendo-os encaminhado para a esquadra situada no Bairro Benfica. Nessa mesma noite, de acordo com o depoimento de Paulo, a investigação criminal libertou-o, tendo o autor do disparo permanecido sob detenção.

No dia seguinte, enquanto passeava pela cidade, foi novamente detido. O autor dos disparos foi libertado.

“A irmã do rapaz que matou o colega namorava com o procurador que me interrogou e acusou. Eu não conhecia a lei, não tinha advogado e nem família para defender-me”, lamenta Paulo Ngangula.

Dois meses após a sua detenção, Paulo foi julgado e condenado a 14 anos de pena de prisão efectiva pelo Tribunal Provincial do Huambo, sob o Processo nº 715/2002. Nunca gozou de liberdade condicional.

O advogado Luís Nascimento refere que, na circunstância ora descrita, “a prisão já é de si ilegal, por exaustão dos prazos de cumprimento da pena”.

“A palavra de Deus entrou em mim e nada mais tenho a reclamar senão perdoá-los a todos”, desabafa o cidadão.

Paulo Ngangula não recebe visitas há 12 anos. O pai, soldado das então Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), desapareceu em combate. Nunca o conheceu. A mãe, Serafina Vikeya, accionou uma mina antipessoal no sétimo mês da gravidez de Paulo. Ficou incapacitada. O filho cumpriu apenas dois anos na Penitenciária do Huambo, onde a mãe ainda podia visitá-lo. Depois transferiram-no para Benguela, onde passou cinco anos e, desde então, tem sido transferido entre as cadeias de Luanda e Bengo. A mãe e a irmã mudaram-se há muito para o município da Caála.

 

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