A Reorganização da Sonangol: O que é Inconstitucional e Injustificável

Pelo Decreto Presidencial n.º 109/16, de 26 de Maio passado foi aprovado o Modelo de Reajustamento da Organização do Sector dos Petróleos e o respectivo calendário de implementação, e pelo Decreto Presidencial n.º 110/16 do mesmo dia foram alterados os estatutos da Sonangol.

As principais medidas identificadas no decreto presidencial apontam para o spin-off (divisão) da Sonangol em várias empresas, ficando esta focada na gestão e monitorização dos contratos petrolíferos. Mas também é criada uma Agência para o Sector Petrolífero, que integrará a administração indireta do Estado e que passará a coordenar, regular e avaliar o desempenho do sector, a preparar e a negociar a atribuição dos blocos petrolíferos e a resolver, por via administrativa, os conflitos naquela indústria.

A Sonangol sai do sector de pesquisa, produção e operação de blocos petrolíferos.
Os direitos sobre as suas empresas participadas – como o BCP e a GALP portuguesas – vão transitar para outra entidade controlada pelo Estado angolano.

Uma primeira nota jurídico-política. Desconhecemos, neste momento, se os decretos presidenciais foram elaborados no seguimento de uma autorização da Assembleia Nacional, nos termos do artigo 165.º, n.1 alíneas b);k);l), pelo menos. Se o não foram, tais decretos estão feridos de inconstitucionalidade orgânica. O seu objecto não se encontra claramente nas competências do presidente da República.

Acresce que, do ponto de vista político, não é transparente proceder-se à reorganização da principal fonte de receitas de um país e ao seu desmembramento sem um debate político alargado.

Do ponto de vista técnico, a reorganização tem um aspecto positivo, que é a aparente focalização da Sonangol. Contudo, surgem muitas perplexidades:

1)    Como se compatibiliza a nova Agência para o Setor Petrolífero, que vai negociar a atribuição dos blocos petrolíferos, com a Sonangol, que irá tratar da gestão e monitorização dos contratos petrolíferos? Temos aqui funções muito semelhantes que proporcionarão confusão, sobreposição de competências e outros emaranhados jurídicos. Tinha sentido que a nova Agência ficasse responsável pelas concessões do princípio ao fim, e a Sonangol pelo negócio nacional do petróleo, desde a pesquisa até à exploração e venda. Parece haver aqui não um enfoque da Sonangol numa gestão mais eficiente, mas um esvaziamento da companhia.

2)    Vai ser criada uma nova companhia para a pesquisa, produção e operação de blocos petrolíferos? Ou esta tarefa vai ser entregue na totalidade ao sector privado? E em caso afirmativo, o que acontece à área da Sonangol que agora se dedica a estas actividades? Será vendida a Isabel dos Santos? É uma probabilidade, e possivelmente a um preço muito baixo, uma vez que neste momento os custos de produção serão superiores ou próximos ao valor de mercado do petróleo.

3)    Também levanta dúvidas a entrega do portefólio abundante da Sonangol noutras companhias, como a GALP e o BCP. Aqui a primeira questão é a da medida exacta desse portefólio. Na GALP engloba-se ou não a totalidade da Esperaza. É que ao determinar a passagem de determinados activos para outras companhias, a primeira preocupação deveria ser a sua enumeração e quantificação.

Depois, obviamente, a entidade que disporá dos activos poderá vendê-los, doá-los, trocá-los, de forma mais discreta do que se esses estivessem nas mãos da Sonangol.

O que resulta da análise destas propostas é que, por um lado, em nome da necessidade de eficiência da gestão da Sonangol, assistimos ao seu esvaziamento, por outro, poderemos estar perante um panorama idêntico ao russo aquando do desmembramento de grandes companhias, em que se assistiu à entrega das mesmas a oligarcas próximos do poder. Em Angola, poderemos estar também a assistir à preparação da entrega de uma boa parte da Sonangol à família presidencial e amigos, a começar pela própria Isabel dos Santos.

Semelhante motivação justificaria o secretismo com que estas medidas foram preparadas, e o modelo técnico escolhido.

Uma melhor solução teria sido a divisão da Sonangol em três. A parte das concessões seria entregue a uma agência governamental, o restante negócio do petróleo ficaria todo na Sonangol, e as participações e outros negócios numa terceira empresa, em que a Sonangol teria 66% e os restantes 33% seriam privatizados. Era simples, claro e traria capital fresco.

Assim, somos levados, a pensar numa “teoria da conspiração” em que a denúncia dos eventuais actos de corrupção do vice-presidente da República, Manuel Vicente (antigo presidente do Conselho  da Administração da Sonangol), em Portugal, terá partido das próprias altas esferas angolanas, interessadas em afastá-lo definitivamente da empresa e proceder à sua reorganização sem sombras. O prémio é demasiado grande.

 

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