Chora Terra Bem Amada

As justificações do PSD do CDS e do Partido Comunista Português para votarem no Parlamento em Portugal contra uma moção de condenação do regime de Angola pelo tratamento dado aos 17 jovens são bizarras. São tão absurdas  como a estranha aliança que, com espantosa naturalidade, formaram.

Tal como no pacto Germano-Soviético de 1939, agora em 2016, marxistas e ultra direitistas uniram-se numa aliança com um objectivo  material em vista. Na altura da Segunda Guerra  Mundial foi o estraçalhar da Polónia.

Agora juntam-se abjurando ideologias e unindo esforços para  prolongar por tanto tempo quanto lhes for possível, o saque de Angola.   O PSD alega um “principio de respeito por decisões judiciais”. O CDS invoca uma doutrina, que diz ser a sua cartilha, que professa o silêncio sobre processos judiciais em curso. “Em Portugal e no estrangeiro”, diz Paulo Portas. Horrorosa cartilha esta a do CDS, que tudo permite entre silêncios de conveniências e cumplicidades com o oportunismo descarado.

Mas talvez o mais chocante destes aberrantes comportamentos seja o do Partido Comunista Português. Aberrante e profano porque foi o Marxismo-Leninismo que libertou o campo de Auschwitz e o PCP quem combateu a PIDE e lutou, e sobreviveu, nas prisões de Peniche e do Tarrafal.

Agora, nesta sinistra mascarada neoliberal o Partido Comunista Português tentou justificar-se dizendo que este tem sido o seu comportamento de sempre e que já aquando da greve de fome de Luaty Beirão, também não se tinha pronunciado. É verdade.

De facto os comunistas portugueses podiam mesmo ter ido muito mais longe. Podiam ter recuado quatro décadas quando o Almirante Rosa Coutinho com assinalável contorcionismo saltou da luta anticolonial para a presidência da VESPER, a estranha holding que os Marxistas Leninistas criaram para vender um pouco de tudo a uma Angola atordoada pelas guerras. A colonial e  pós-colonial.

A partir de 1975 e até aos anos 90 os comunistas da VESPER foram vendendo aquilo que o MPLA lhes comprava. Vinhos e azeites da reforma agraria no Alentejo. Armas roubadas ao arsenal colonial português e contratos de mercenários que permitiram que os negócios dos diamantes e petróleo continuassem a correr bem.  Estes, por sua vez, criaram, à força, as condições para que a teoria Marxista vingasse nas suas mais importantes vertentes como, por exemplo, a tal acumulação primitiva de capital. Com desenfreada paixão, os dirigentes do MPLA se empenharam, por via dessa acumulação, para chegarem onde estão hoje; no controlo de bancos portugueses, de telecoms internacionais, de propriedades em Miami, Cascais, Washington, Dubai e Monte Carlo.

Faz assim todo o sentido que os actuais Comunistas portugueses mantenham a tradição de votar ao lado do capital já acumulado nestas quatro décadas de saque maquilhado com todos os batons da ditadura.

Comunistas, Social Democratas e Cristãos-Democratas de Portugal cerraram fileiras no esbulho de um povo, emparceirando de braço dado com a família de José Eduardo dos Santos e com os generais oligarcas numa sinistra frente de um dos mais desalmados saques da história contemporânea. Deram corpo a um dos mais trágicos malogros na história da descolonização de África que, em Angola não foi, ainda,  concluída.

Este voto contra os jovens angolanos encarcerados só pode ser avaliado na sua monstruosidade quando se tem como pano de fundo a vida na prisão de Viana com os espancamentos selváticos que o regime de José Eduardo dos Santos tolera e encoraja.

Ou com as recentes denúncias de Rafael Marques da morgue de Luanda onde o terrível desrespeito pela vida humana atinge proporções extremas. É a Banalidade do Mal que Hannah Arendt descreveu na sua obra sobre a Alemanha Nazi em que o horror uma vez instalado cria uma habituação que nos vai insensibilizando.

É contra a insensibilidade que é forçoso lutar onde quer que seja. É imperioso denunciar os exploradores e estender a mão aos explorados. Dar a mão aos que são espancados na cadeia de Viana ou os que cuidam, com ternura, dos seus mortos no inferno que é o pátio da morgue de Luanda. Dar-lhes alguma esperança que um dia possam enxugar as lágrimas que choram pela dor da sua torturada, terra bem amada, que o escritor sul-africano Alan Paton tão bem descreveu.

Só nos resta acabar balbuciando, como Kurtz o cantineiro que se pune a si próprio no "Coração das Trevas" de Joseph Conrad – “o horror, o horror”.

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