Pobre Zedú, Nós Te Conhecemos…

Envelhecer é tramado, não é? Vai-se a aparência, a saúde e, finalmente, a vida. E o que é que se deixa para trás? Uma caveira e ossos na terra? Qual será o teu legado? Chegaste a acalentar o sonho de que gerações vindouras te reverenciariam como Pai da nação angolana? (Pausa para trejeito.) Há muito que isso é passado. Não, as honras de “Pai da Nação” estão reservadas para Agostinho Neto, que teve (talvez) a sorte de não viver para ver aquilo em que Angola se tornou.

O tempo não pára, como bem saberás. Muito em breve o povo angolano formará filas de milhares ou até milhões para prestar homenagem (ou maldizer) na tua sepultura. Sim, senhor. No final, até os teus amigos e colegas se apressarão a trair-te: todos aqueles, outrora jovens corajosos e idealistas (hoje decadentes e corruptos), que em nome da liberdade, independência e justiça ousaram erguer-se contra um regime tirânico. (Talvez não tão diferentes do incómodo esquadrão de dissidentes do “Caso dos 15+2”, que pareces achar tão inconveniente?) Talvez já sintam vergonha pelo facto de quer tu, quer eles se terem transformado em algo que a PIDE reconheceria sem hesitação.

É engraçado olhar para trás e pensar em como, quando Neto morreu, eras considerado tímido e inofensivo – o candidato de compromisso para liderar o Movimento Popular de Libertação de Angola, o então glorioso MPLA. Um partido formado em nome do idealismo, da coragem e da camaradagem, não foi assim? Na altura, o MPLA parecia o menor de dois males: antes os ladrões que os assassinos da UNITA, movimento rival de Jonas Savimbi. Mas depois de 36 anos da tua tutela, o MPLA é agora sinónimo de cleptocracia, corrupção e injustiça: declínio degenerado, que se vislumbra na tua própria face. Não havia um “Retrato de Dorian Gray” no Futungo de Belas?

Sonharás ouvir as massas gritarem “Dos Santos, amigo, o povo está contigo” quando exalares o teu último suspiro, tal como fizeram em 1992, quando, por um momento, pareceu que a primeira eleição livre do país poderia ter um significado real? Pois continua a sonhar.

Em vez disso, imagina uma cena bem mais provável, a ter lugar nas semanas e nos meses que se seguirão ao teu funeral: os teus antigos colegas e aliados, os seus filhos e netos, todos clamarão por uma maior fatia do saque que tão generosamente concedeste a ti próprio, enquanto todos os teus inimigos (que serão incontáveis) rondarão a tua prole, em busca de compensações. Esperavas ter fundado uma dinastia que governasse Angola? É bastante mais provável que todos aqueles com ligações a ti rumem ao exílio.

E que opulento exílio! Honestamente, não imagino que os teus filhos se incomodem nem um pouco… Para eles, Angola não é mais do que a “arca do tesouro privada do papá”, de onde jorra a riqueza que lhes permite viver no mundo exclusivo dos super-ricos: jactos privados, roupas de marca, tudo aquilo que o dinheiro pode comprar. Pouco importa se a sua mansão de luxo fica em Luanda, Lisboa ou Londres. A sua lealdade é para com o contabilista; aprenderam-no contigo.

E que fazem, tu e eles, com os biliões de dólares arrecadados? Não há limites para a ganância? Não há certamente quaisquer indícios de obras úteis em vista. 36 anos depois, órfãos esfomeados continuam a remexer em pilhas de lixo fétido, a escassos quilómetros do teu palácio – perturbação de que mal te apercebes, através dos vidros-escurecidos, enquanto a tua caravana de carros de último modelo passa veloz, empurrando os demais para fora da estrada.

O que é hoje o MPLA senão uma nova tirania, tão demagógica e despótica para o angolano médio quanto o foi o regime colonial dos “Tuga”?

A única diferença é a tonalidade da mão que empunha o bastão enquanto embolsa o dinheiro. No ponto de vista do Mwangolé, os únicos beneficiários das riquezas da sua terra-natal são a família presidencial e a elite do MPLA, que os sustém no poder. Juntos violaram a sua terra-mãe, hipotecaram o seu património aos chineses e permitiram que uma nova geração de ricos empresários portugueses roubassem das bocas dos seus filhos.

É natural que tivesses de os deixar alimentar-se de algumas sobras, de forma a garantir a sua lealdade. E ai de algum lacaio do MPLA que falhe em demonstrar os níveis esperados de devoção obsequiosa (ou pior, que se torne demasiado popular por própria conta); ele ou ela será prontamente enviado para fora como “Embaixador”, para usufruir da sumptuosa vida da diplomacia moderna (mansões, criados, limusines e motoristas, cocktails e oportunidades de negócios).

E para aqueles críticos a quem o dinheiro não é capaz de silenciar, reservam-se as ameaças de detenção arbitrária, prisão preventiva durante meses (ou anos), infindáveis perseguições aos próprios e suas famílias e ainda a convocação de julgamentos-espectáculo, com base em provas risíveis e presididos por juízes do regime de entre os quais pelo menos uma procuradora tão embaraçada com a situação que tentou ocultar a sua identidade sob uma peruca que lhe escondesse os olhos e o nariz. (Ficou conhecida como a procuradora Tapa-cara.)

Talvez o teu propósito, José Eduardo dos Santos, seja o de alertar futuros “príncipes” para a sua própria mortalidade e para a constatação de que o nosso curto tempo na Terra deixará melhores memórias se servirmos os outros em vez de a nós mesmos. Ser ou não ser: eis a questão.

 

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