Só Abrem a Boca Para Dizer Alarvidades

Há um grupo de jovens quadros do regime, bem preparados e com capacidade intelectual, que quando abre a boca só diz disparates. Fica a dúvida se eles pensam mesmo aquilo que dizem, ou se se trata do velho princípio vigente nas ditaduras de “agradar ao chefe”, e quanto mais se excederem nos encómios ridículos mais promovidos serão.

De facto, os mentores soviéticos do regime angolano excederam-se no culto de personalidade. Lembre-se que o ditador Estaline foi apelidado de “Paizinho dos Povos”, “O melhor camponês da União Soviética”, “O responsável pela infância feliz das crianças”. Avidenko, no seu famoso “Hino a Estaline”, proclamou:

“Obrigado, Estaline. Obrigado, porque eu estou alegre. Obrigado, porque eu estou bem… Séculos vão passar, e as gerações futuras vão-me considerar como o mais feliz dos mortais, como o mais afortunado dos homens, porque vivi no século dos séculos, porque tive o privilégio de ver Estaline, o nosso líder inspirado… Tudo te pertence, chefe do nosso grande país. E, quando a mulher que eu amo me der uma criança, a primeira palavra que esta deverá proferir será: ESTALINE.”

Por toda a Angola proliferam os mesmos Avidenkos, que disputam entre si quem diz o maior número de disparates e quem mais elogia o líder.

Uma das últimas afirmações que se ouviram publicamente foi proferida pelo jovem embaixador itinerante político Luvualu de Carvalho. Não se trata de um tolo. Trata-se de uma pessoa com formação superior avançada, que escreveu um livro interessante e que recebeu uma distinção de mérito relativa ao seu aproveitamento excepcional no mestrado em Relações Internacionais na Universidade Lusíada de Lisboa, aprovado com distinção. Por todas estas razões, devia revelar mais contenção e pensar duas vezes antes de encarnar no personagem Avidenko.

A mais recente alarvidade ocorreu há poucos dias nos Estados Unidos, quando Luvualu comparou a família Bush à família de José Eduardo dos Santos, dizendo, e cito, para não aparecerem quimbandeiros a desmentir: "Eu não penso que o facto de uma pessoa ser filha de um presidente a faz menos do que os outros. O que faz o filho de um presidente em qualquer parte do mundo? Estuda e fica em casa? O filho do presidente George Bush foi presidente (George W. Bush) e ninguém lhe disse que não podia ser presidente."

Aceitemos a comparação enquanto exercício intelectual. Temos algum filho do presidente José Eduardo dos Santos a candidatar-se a eleições livres? Não temos. Logo aqui, os termos da comparação não são válidos. O que temos então? Temos aquilo que Rafael Marques disse na mesma conferência onde esteve Luvualu, afirmando que o presidente José Eduardo dos Santos é culpado de nepotismo, referindo-se aos contratos de Isabel dos Santos e ao "inexperiente José Filomeno dos Santos, o filho de 36 anos do presidente, que trata do Fundo Soberano de Angola como se fosse o seu recreio" (citação).

Vejamos então: Bush pai nomeou Bush filho para algum cargo público? Não, nunca. Bush filho concorreu pela primeira vez a um cargo público – a Câmara dos Representantes – em 1978, e perdeu. Bush filho era proprietário de uma equipa de basebol que foi à falência. A sua vida política dependeu do voto popular, perdeu e ganhou. A sua vida financeira também teve altos e baixos, e sobretudo não se conhecem intervenções do pai, enquanto presidente, a nomeá-lo para o que quer que fosse. Além disso, há uma outra diferença abissal: Bush pai só foi presidente dos EUA durante quatro anos, e Bush filho, durante oito anos. Depois disso, por razões constitucionais, teve de abandonar a presidência, não se podendo candidatar a mais nenhum mandato. O pai Dos Santos está há mais de 36 anos no poder, sem qualquer limitação, um dos seus filhos comanda o fundo soberano de Angola, e uma outra filha comanda, agora, a Sonangol, que é uma empresa pública. É por demais evidente que não existe comparação possível entre os casos norte-americano e angolano.

Uma intervenção anterior do embaixador Luvualu veio a propósito de uma eventual operação da NATO em Angola. Como estudioso de relações internacionais, o Embaixador deveria saber que a NATO é um tratado que abrange apenas o Atlântico Norte, não o Atlântico Sul, razão aliás pela qual na guerra de libertação de Angola (1961-1974) o governo português nunca pôde invocar o artigo 5.º da Aliança e esteve proibido de utilizar material bélico fornecido pela NATO em África (na verdade, até usou, mas de forma dissimulada).

É verdade que a Universidade Lusíada que formou Luvualu é propriedade da família Martins da Cruz. Pontifica, nessa família, o ex-embaixador português António Martins da Cruz, que hoje é assalariado de José Eduardo dos Santos (segundo notícias vindas a público na imprensa e não desmentidas) e mentor de Luvualu. Ainda assim, é difícil acreditar que isso não obrigue a um rigoroso controlo e exigência académicas.

Tal como o tempo de Estaline passou, também o tempo de José Eduardo dos Santos está claramente a passar. E é por isso que os Avidenkos desta vida têm de corrigir a rota e dedicar-se à poesia pura. Ars gratia Artis [arte pela arte].

 

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