Quando a Polícia Arranca Unhas com Alicate e Prende à Toa

“Levaram-me para a Esquadra do Projecto Nova Vida, onde alguns agentes me espancaram com pontapés e bofetadas”, conta Benjamin Filipe, de 28 anos, sobre o que lhe aconteceu a 20 de Agosto de 2012.

O jovem, que trabalhava como mecânico numa oficina privada, vivia no Bairro do Fubu, nas traseiras do Projecto Nova Vida, a sul de Luanda. “A polícia foi à minha casa, disse-me que tinha cometido um crime e que tinha uma arma”, explica.

“Deram-me tantos pontapés com as botas nas orelhas, até eu sangrar”, continua.

Depois de “amolecido”, “um dos agentes arrancou-me as unhas do primeiro, do meio e do último dedos da mão direita com um alicate”, denuncia o jovem.

Após a tortura, o detido diz ter sido informado pelo escrivão do procurador de que o consideravam ladrão, “mas até agora não me dizem se roubei o quê. Até fico malaique [bem mal]. O número do meu processo na Esquadra é o 5711/012”.

Depois de um mês e meio na Esquadra do Projecto Nova Vida, o detido foi transferido para a Comarca Central de Luanda (CCL). “Uma vez, na CCL, chamaram-me ao controlo penal e só vi escrito no meu processo, que estava por cima da mesa, furto. Não diz furto de quê.”

A 20 de Janeiro de 2015, Benjamin Filipe foi chamado à Sala de Reeducação da CCL para interrogatório. “Perguntaram-me se eu fumava liamba. Eu respondi que quem vendia liamba na cela era o amigo do chefe da segurança. Então, o chefe Guilherme [Domingos], quando ouviu isso, algemou-me as pernas e os braços”, diz.

“Pegou nos bastões de choque eléctrico e começou a torturar-me o corpo todo. Eu mijei-me e desmaiei de apanhar tantas descargas eléctricas. Só assim me mandaram de volta para a minha caserna”, revela o detido.

De taxista a ladrão de táxi

A 15 de Dezembro de 2013, Moniz Manuel Bis, de 36 anos, fazia o serviço de táxi “Candongueiro” na linha Kikolo – Estalagem, em Viana. Conta ter sido abordado por um jovem, para que transportasse a família deste e respectiva mercadoria (sacos de arroz, de fuba de milho e bidões de óleo alimentar) por 20 mil kwanzas. Na chegada ao destino, conta que o jovem alegou ter sido roubado e ter ficado sem a carteira, não tendo reparado até esse momento.

“O jovem hipotecou o computador que tinha e disse que no dia seguinte me telefonaria para receber o seu bem e pagar-me os 20 mil kwanzas. No dia seguinte, ele ligou-me e combinámos a troca mesmo frente ao Comando Municipal de Viana [actualmente na Esquadra do Kapalanca].”

“A polícia veio e prendeu-nos. Acusou o jovem e eu de termos roubado uma viatura. Eu expliquei o meu caso. A polícia disse que estava bem, que me poriam na cela para o procurador me ouvir e mandar-me embora. Pensei que era apenas para esclarecer um mal-entendido”, disse.

Foi então encaminhado à “sala do interrogatório”. “Um dos agentes pegou num pau com uma bola [esculpida na ponta] e começou a pancadaria. Batiam-me com a bola nas costas e nos joelhos”, afirma.

“Pediram-me então 30 mil kwanzas para me libertarem. Eu expliquei que tinha a mulher doente e não tinha ninguém em casa que pudesse trazer-me o dinheiro”, conta.

Durante três dias, foi sujeito a uma rotina de tortura. “Batiam-me nos olhos e nas bochechas também, com socos e chapadas. Até os olhos deitavam sangue.” “Usaram também porretes. Aquilo não foi surra. É quase matar a pessoa”, descreve Moniz Manuel Bis.

No terceiro dia, “o instrutor pediu-me para assinar o documento, sem ler, porque disse-me que já era tarde para eu ler, por volta das 17h, e estava muito ocupado a falar ao telefone com o chefe dele”.

“Eu já nem conseguia ver bem, com os olhos inchados e cheios de sangue, de tanta tortura. Assinei só, pronto”, enfatiza a vítima.

Mais tarde, soube que o jovem que lhe tinha alugado a viatura se encontrava detido noutra cela. Foram ambos transferidos para a Comarca Central de Luanda. “Eu conheço-o apenas por LG. Ele foi solto no dia 28 de Outubro de 2014. A família dele pagou lá na esquadra e veio a soltura. O meu caso [Processo 9703/2013] está sempre no SIC [Serviço de Investigação Criminal]”, revela.

O detido explica que durante alguns meses experimentou sérias dificuldades em olhar para a luminosidade do dia. “Doíam-me os olhos.”

“Estou aqui preso à toa. Estou com a cabeça quente. A mulher já está dispersa e não sei se já lhe amigaram [se tem outro marido]. Tenho sete filhos e não sei porque é que estou preso”, desabafa.

A lei da tortura

De acordo com a Constituição e a legislação angolanas, a tortura não é admissível, seja sob que forma for.

Segundo Rui Verde, analista jurídico do Maka Angola, “quem comete tortura comete um crime, mesmo que seja para desvendar outro crime, para descobrir algo muito importante ou em cumprimento de ordens”.

De acordo com o jurista, “nada na lei justifica que as autoridades policiais dêem choques eléctricos, arranquem unhas ou mesmo esmurrem”.

“A Constituição declara que a integridade moral, intelectual e física das pessoas é inviolável. O Artigo 36.º n.º 3, b) garante expressamente [ao cidadão] o direito a não ser torturado. Note-se que estas normas se aplicam directamente e vinculam todas as autoridades”, esclarece.

De acordo com Rui Verde, “não há lei nem outra norma qualquer que possa derrogar estes preceitos. A tortura é ilegal em Angola. Ponto final. Quem a praticar, comete um crime de ofensas corporais (pelo menos) e deve ser punido em conformidade”.

Comentários