Azar, a Tortura do Avião e a Brutalidade Policial

Malungo Sapalalo, de 39 anos, afirma orgulhosamente, com a voz a escapar-lhe, ser natural do Quipungo, na província da Huíla, como se Luanda fosse o inferno. Passou pela tortura do avião, numa esquadra policial, foi atirado para um buraco e coberto com areia e viu outro detido ser assassinado a pancadaria.

Eis a sua narrativa.

A 5 de Novembro passado, por volta do meio-dia, Sapalalo dedicava-se ao seu segundo emprego, como carregador-de-aluguer (roboteiro), nas imediações do Estádio 11 de Novembro, onde carrega blocos para construção e se deslocar às obras dos clientes para os descarregar.

Num momento de pausa, envolveu-se num debate com quatro carregadores, comparando a velocidade das carrinhas Toyota Hilux e Mitsubishi.

“Eu apontei para uma carrinha Toyota Hilux que ia a passar na auto-estrada. Os meus colegas arranjaram trabalho, foram-se embora e eu fiquei”, conta Malungo Sapalalo.

“A mesma carrinha deu a volta e parou junto a mim. Perguntaram-me por que razão é que eu tinha apontado para a carrinha. Expliquei que eu e os meus amigos estávamos a comparar as velocidades dos carros. Pediram-me para subir e eu pensei que era para me levaram para uma obra, para trabalhar. Mas afinal eram polícias a civil”, prossegue.

Malungo Sapalalo foi levado para a unidade policial junto ao Tanque Serra, na Sapú. “Dois agentes fardados espancaram-me com pontapés.”

Depois de o “amolecerem” a pontapé, os agentes deram então início à tortura do avião. “Amarraram as minhas mãos nas costas, uma por cima da outra, e os braços [cotovelos] ficavam tipo asa de avião.” A corda passava então pela zona do ânus e “amarraram-me os testículos e o pénis”. A seguir foi encostado a uma parede e açoitado repetidas vezes com a face de uma catana.

“Se mexesse os braços, puxava o pénis e os testículos, e doía mais. Não podia fazer movimentos”, descreve a vítima.

À noite, “levaram-me para um buraco. Os agentes disseram-me que já tinham matado duas pessoas ali mesmo naquele dia. Meteram-me lá e atiraram areia para cima de mim. Só por volta das quatro da manhã é que me puseram na cela”, continua.

Segundo Malungo Sapalalo, nessa altura, oito jovens que tinham sido encaminhados para a cela foram retirados e sujeitos a espancamentos. Lembra-se apenas das alcunhas de dois deles, “o Sambila e o Deque”. “Um dos jovens acabou por morrer com a porrada que levou”, denuncia.

“Os polícias informaram o comandante da esquadra e bateram um processo único para os sete e para mim, que fui colocado no lugar do que foi morto. Acusaram-nos de posse de armamento e fomos encaminhados para a Esquadra do Benfica, onde o procurador nos ouviu”, narra Malungo Sapalalo.

Durante o interrogatório, conta, “o procurador perguntou pelo armamento, não tinha. Perguntou onde estava o queixoso, não tinha. Pronto. No dia seguinte enviaram-me para a Cadeia de Viana”.

A 2 de Janeiro, Malungo Sapalalo foi transferido para a Comarca Central de Luanda e encaminhado directamente para a enfermaria, com cinco outros detidos, devido ao seu estado de saúde delicado. Passa a noite a tossir e sente dores lancinantes no peito, devido à tortura a que o sujeitaram.

“Estou aqui sem saber o que estão a fazer comigo. Puseram-me no lugar do morto, com pessoas que não conheço”, lamenta.

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