Quarenta Anos de Independência Sem Liberdade

Enquanto o país celebra o aniversário da sua independência, o regime do MPLA, autoritário e agarrado ao poder, governa com os excessos de um colonizador.

Angola celebrou 40 anos de independência no dia 11 de Novembro. Hoje, porém, a população já não clama somente por paz, pão e democracia; pede-se também liberdade. Reagindo a 36 anos de governação do presidente José Eduardo dos Santos, a juventude politizada de Angola popularizou o slogan «Liberdade Já».

No mesmo dia 11 de Novembro, também o Movimento Popular de Libertação de Angola celebra 40 anos. Os angolanos conheceram apenas dois tipos de regime: o colonialismo português e o regime autoritário do MPLA.

Ao longo dos últimos 40 anos, o MPLA optou por perpetuar as piores práticas do regime que afirma ter substituído – o estado colonial português. A extracção de recursos – principal objectivo do estado colonial – tornou-se também a forma de a elite angolana ser assimilada à portuguesa. O grande exemplo deste processo é o próprio presidente. A sua primogénita, a bilionária Isabel dos Santos, é uma importante investidora em Portugal.

Todavia, o processo de extracção já não diz respeito apenas a matérias-primas. Trata-se de saquear os bens do próprio estado angolano, sobretudo através da sua transferência para Portugal sob a forma de investimentos na banca, aquisição de empresas em risco de falência, negócio imobiliário e controlo dos meios de comunicação social, entre outros. Estes investimentos conferem ao poder angolano uma máscara de respeitabilidade, uma teia de relações públicas e um sem-número de outros recursos que transformam Portugal numa lavandaria de branqueamento do regime angolano, permitindo ainda que este mantenha aberta uma porta de acesso aos mercados e à diplomacia internacionais.

Contudo, Portugal começa agora a reconsiderar esta sua parceria com uma ditadura.

Os media portugueses fizeram uma cobertura extensiva do caso dos 15 jovens angolanos que, por se reunirem numa livraria para discutir formas de resistência pacífica, foram presos no passado mês de Junho. Num primeiro momento, o procurador-geral da República e o próprio presidente acusaram os jovens de planearem um golpe de Estado. Em Setembro, os «revolucionários» foram enfim formalmente acusados do crime de rebelião e tentativa de assassinato do presidente. Permanecem detidos e serão presentes a julgamento no próximo dia 16 de Novembro.

Estas detenções deram origem a uma onda de solidariedade nacional e internacional que ofuscou todas as celebrações dos sucessos do governo de José Eduardo dos Santos. Os jovens ascenderam a heróis e o presidente foi pela primeira vez visto como vilão. Um dos jovens detidos, o rapper Luaty Beirão, que tem dupla nacionalidade, angolana e portuguesa, levou a cabo uma greve de fome de 36 dias, como forma de protesto contra as detenções ilegais. Em Portugal, Luaty tornou-se o símbolo unificado das lutas portuguesa e angolana contra os abusos do regime do MPLA e os seus apoiantes em Portugal. «Liberdade Já» tornou-se, também em Portugal, palavra de ordem da sociedade civil. Os líderes do MPLA responderam com uma campanha de propaganda direccionada aos públicos angolano e português.

Participei recentemente num debate televisivo com o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, António Martins da Cruz, consultor contratado pelo regime do MPLA. Martins da Cruz defendeu que assuntos relativos aos direitos humanos apenas poderiam ser discutidos no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Com base nestes seus argumentos e através de um ardiloso trabalho de montagem e edição de imagens, os media estatais angolanos apresentaram o debate como uma grande vitória do regime.

Entretanto, José Eduardo dos Santos enviou a Portugal o seu recentemente indigitado  chefe de propaganda internacional, o embaixador-itinerante António Luvualu de Carvalho, para entregar a mensagem de que qualquer desafio à autoridade do presidente angolano seria considerado uma ameaça de guerra. Luvualu de Carvalho sustentou que os 15 jovens activistas estavam a planear «que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) ou alguns países que dela fazem parte fizessem um ataque a Angola, para que se verifique o horror que se verifica agora na Líbia ou se verificou e verifica na Tunísia». A comparação é surpreendente, dado que o quarteto de diálogo nacional da Tunísia venceu o Prémio Nobel da Paz 2015 por assegurar uma transição pacífica e bem-sucedida. 

Recentemente, Luvualu tentou descredibilizar os argumentos do reconhecido escritor José Eduardo Agualusa, com base na sua dupla nacionalidade angolana e portuguesa. Agualusa tem-se destacado como embaixador das causas da liberdade de expressão e respeito pelos direitos humanos em Angola. Os comentários de Luvualu são no mínimo estranhos, tendo em conta o número elevado de governantes angolanos com dupla nacionalidade.

A propaganda fabricada pelo MPLA continua a criticar Portugal por permitir que os seus meios de comunicação e a sociedade civil tomem posição a favor da liberdade de expressão e do respeito pelos direitos humanos em Angola, sugerindo que esta postura revela uma atitude colonialista por parte de Lisboa.

No entanto, a atitude colonialista parece estar mais enraizada no regime do MPLA do que na população portuguesa. Portugal continua a funcionar como um espelho para a elite angolana, o que impossibilita os angolanos de forjarem um país à sua própria imagem. Angola está presa a uma independência em que a elite no poder ainda clama a aceitação portuguesa, numa perspectiva de assimilação colonial.

Em resultado de tudo isto, as promessas da independência não foram cumpridas. «Liberdade Já» é o primeiro passo a dar no sentido de as fazer cumprir agora.

*Artigo original publicado no The Guardian.

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