A Justiça Descalça

Alguns dos presos políticos, que estão a ser julgados em Luanda, surgiram descalços na audiência de julgamento. Na realidade, quem está descalça é a justiça.

Segundo se lê nas reportagens “os jornalistas só estão (…) autorizados a acompanhar o caso na sala das audiências na fase das alegações finais e na leitura do acórdão, ainda sem datas marcadas.” 

Nas restantes fases, sobretudo na fase rainha que é a produção de prova, não estão autorizados a estar presentes. Parece que a justificação é a exiguidade da sala. Ora tal motivo não é juridicamente aceitável. 

Também se lê que “representantes do corpo diplomático acreditados em Luanda voltaram (…) a não ter acesso ao julgamento”. 

Estamos a ter um julgamento nos calabouços?

O exercício da justiça é um acto público. Na Antiga Grécia, a justiça era ministrada na praça pública – Ágora; em Roma, que inspirou todo o direito moderno, a justiça era realizada no Fórum, outro local público; e há o famoso dito do juiz inglês Lord Hewart “"Not only must Justice be done; it must also be seen to be done." (A justiça não só deve ser feita, como deve ser vista a ser feita).

Há uma ligação indelével entre justiça e publicidade. A justiça secreta não existe, quando surge é uma forma de tortura, típica da Inquisição religiosa e das ditaduras mais totalitárias.

Por isto, não se percebe como é que se pode pensar que está a ser feita justiça em Luanda, quando a imprensa não pode assistir ao julgamento, os interessados nacionais ou estrangeiros também não. Não se venha alegar que a justiça seria perturbada ou haveria interferências. Uma justiça robusta e sã não tem medo de interferências, pelo contrário, quer ser analisada, julgada. 

A base de qualquer democracia é a justiça independente, aberta e imparcial. Que democracia é esta que esconde a justiça?

Não pode haver justiça de portas fechadas. Abram as portas, calcem a justiça!

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