Prémio José Saramago Apoia Presos Políticos Angolanos
Bruno Vieira Amaral, que ontem recebeu o Prémio José Saramago pelo romance “As primeira coisas”, defendeu que “a literatura só pode ser liberdade” e lembrou a situação de Luaty Beirão e dos outros presos políticos em Angola.
“A literatura é sempre liberdade”, disse o escritor, acrescentando que queria referir “a situação em que Luaty Beirão e os outros presos políticos vivem em Angola”.
“É nossa responsabilidade chamar à atenção para essa situação”, disse o galardoado, que recordou o que a Academia Sueca afirmou, quando entregou o Nobel da Literatura a Mário Vargas Llosa, em 2010.
“O texto de justificação do prémio dizia que ele tinha mostrado a luta do indivíduo contra as estruturas do poder. Independentemente de qualquer ideologia nossa, sempre que um homem levanta a voz contra estruturas que o podem silenciar, nós devemos estar ao lado desse homem, por isso acho que devemos estar, neste momento, ao lado do Luaty [Beirão] e dos outros que estão presos pelas suas ideias”, afirmou Bruno Vieira Amaral.
Já antes, na cerimónia de entrega, que decorreu na Casa dos Bicos, em Lisboa, sede da Fundação José Saramago, a poetisa angolana Ana Paula Tavares, um dos membros do júri, agradeceu publicamente a Pilar del Río a carta que enviou ao Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, na qual pediu a libertação de Luaty Beirão e dos seus companheiros detidos.
“Agradeço a Pilar del Río a carta que enviou ao Presidente da República de Angola, pois se deve lutar sempre pela liberdade”, afirmou a poetisa, antes de iniciar o elogio à obra vencedora.
Bruno Vieira Amaral, por seu turno, argumentou que “a literatura é liberdade, porque a literatura não propõe uma verdade, a literatura propõe possibilidades, possibilidades de vida, de crença, de amor, de invenção, e isso vai contra as verdades únicas, vai contra a verdade do partido único, do regime omnipotente, da religião verdadeira”.
“Por isso a literatura só pode ser liberdade, quando é utilizada para outros fins deixa de ser literatura”, sentenciou.
O "rapper" e ativista angolano Luaty Beirão, acusado de preparar um golpe de Estado e um atentado contra o presidente angolano, juntamente com mais 16 arguidos, encontra-se em greve de fome há 30 dias, numa clínica privada, em Luanda, exigindo aguardar julgamento em liberdade.
O julgamento está previsto realizar-se de 16 a 20 de novembro, no Tribunal Provincial de Luanda.
O romance “As primeiras coisas”, de Bruno Vieira Amaral, venceu o Prémio José Saramago, instituído pela Fundação Círculo de Leitores, que distingue autores com menos de 35 anos, com obra editada em Língua Portuguesa, no último biénio, e tem o valor pecuniário de 25.000 euros.
Para Manuel Frias Martins, um dos membros do júri, este é um “livro cujo perfil documental e/ou sociológico se casa bem com a malícia contida nos comentários por que o narrador se torna observador de figuras muito especiais e de circunstâncias muito particulares de um bairro Amélia sem existência física, mas ficcionado como se existisse, de facto, graças a um forte apelo referencial à experiência social do leitor contemporâneo”.
Ana Paula Tavares, por seu turno, destacou a “sereníssima beleza da prosa, o conseguimento do conteúdo, [e] a maturidade estética”.
“Trabalho muito original assente sobre uma geografia de camadas sobrepostas que constituem o chão do 'bairro Amélia' que tão bem suporta as personagens e a memória que as sustenta. A construção do texto deixa escapar uma erudição que afasta o gratuito e a citação fácil”, atesta a poetisa na sua declaração.
O júri foi presidido pela editora Guilhermina Gomes e, além da poetisa Ana Paula Tavares, fizeram também parte os escritores Nelida Piñon e António Mega Ferreira e a presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Río.
Por designação de Guilhermina Gomes, conforme o regulamento, o júri contou ainda com Manuel Frias Martins, Nazaré Gomes dos Santos e Paula Cristina Costa, a quem coube “verificar a regularidade da candidatura”, realizar uma primeira leitura, um resumo do livro e “emitir um parecer sobre a obra”.