O Desastre da Diplomacia do MPLA no Parlamento Europeu

Recentemente, o executivo de José Eduardo dos Santos enviou ao Parlamento Europeu as suas justificações sobre a visita da eurodeputada Ana Gomes a Angola. Em causa está a condenação, pelo Parlamento Europeu, das violações dos direitos humanos em Angola, por 550 votos a favor e apenas 14 contra.

O documento oficiail das autoridades angolanas,  a que o Maka Angola teve acesso,  destila a sua habitual prepotência e falta de decoro diplomático.  É de um infantilismo político confrangedor que envergonha os angolanos de bem e apenas anima os fanáticos do MPLA. O executivo confunde-se com o parlamento.

Virgílio de Fontes Pereira, chefe da bancada parlamentar do MPLA, dirigiu a delegação angolana que participou no Encontro dos Parlamentares da África, Pacífico e Caraíbas com a União Europeia. Os documentos foram entregues em mãos ao Comité dos Assuntos Políticos do Parlamento Europeu, assim como em vários gabinetes desta instituição pelos membros da delegação angolana. A embaixadora na Bélgica, Elizabeth Simbrão de Carvalho, fazia parte da comitiva oficial.

Pelo interesse público do documento, este portal sumariza-o e, quando necessário, comenta o seu conteúdo.

Resposta oficial às acusações do Parlamento

Segundo a resposta oficial do governo angolano, a “larga maioria das individualidades” com quem a eurodeputada portuguesa se encontrou “são líderes políticos da oposição, abertamente identificados como tendo uma estratégia de derrubar, por todos os meios possíveis, o actual poder político, incluindo a incitação à rebelião”.

Este argumento implica que as autoridades tenham provas das supostas estratégias dos líderes da oposição para tomarem o poder por via de um golpe de Estado ou rebelião.

Mas como se explica que o regime tenha decidido prender 15 jovens activistas e acusá-los de planearem uma rebelião e um atentado contra o presidente da República, quando estes apenas liam e discutiam livros e ideias sobre resistência não-violenta às ditaduras?

Ana Gomes encontrou-se com os líderes da UNITA e da CASA-CE, nomeadamente Isaías Samakuva e Abel Chivukuvuku, cujos partidos estão representados na Assembleia Nacional. A eurodeputada encontrou-se também com os líderes do Bloco Democrático, um partido sem assento parlamentar. Como é possível que a justiça angolana permita que tais líderes “rebeldes” continuem em liberdade e os seus partidos mantenham os seus assentos no parlamento? Ou será que as autoridades procuram simplesmente enganar o Parlamento Europeu com acusações mirabolantes?

O relatório público da visita de Ana Gomes revela que a bancada parlamentar do MPLA nunca respondeu ao pedido de encontro por ela solicitado. Todavia, a eurodeputada manteve encontros, bastante publicitados pelos media estatais, com os ministros da Justiça e Direitos Humanos assim como da Administração do Território, respectivamente Rui Mangueira e Bornito de Sousa. O provedor de Justiça, Paulo Tchipilica, também a recebeu no seu gabinete.

A política de descrédito

As autoridades defendem também que o relatório da eurodeputada, que serviu de base para a condenação do Parlamento Europeu, “não apresenta novas vias de sustentabilidade em relação ao conteúdo da campanha que tem sido levada a cabo, ao longo dos anos, através da cruzada do activista político Rafael Marques, mas também através da estratégia liderada pela UNITA que visa apenas a induzir os parlamentares europeus a darem cobertura a um plano diabólico cuja extensão e intenções a maioria destes não compreende”.

Então, o Rafael Marques, sozinho, trava uma “cruzada” contra o presidente e o MPLA ao longo dos anos? Cruzada para quê? É diabólico lutar pelas liberdades de imprensa e de expressão? É mesmo satânico defender os direitos humanos e a democracia? Na lógica do MPLA, sim. Contra esse neo-fundamentalismo aparentemente “religioso” do MPLA, qualquer argumento em contrário pode configurar mais um crime, de blasfémia. Aos parlamentares europeus, o MPLA não sustenta as acusações sobre os “planos diabólicos” contra o seu poder.

Os parlamentares do MPLA acusam ainda Ana Gomes de ser frustrada e de ser movida “por um complexo de inferioridade motivado pelo reconhecimento do impacto positivo nas vidas dos cidadãos, nomeadamente as oportunidades de emprego para os portugueses”.

Abusos de poder mal disfarçados

Nas suas justificações, os representantes do poder angolano descrevem então os casos mais relevantes de violação dos direitos humanos.

Sobre José Marcos Mavungo, limitam-se a referir a sua detenção a 14 de Março passado e a sua condenação a seis anos de prisão por crime de incitação à rebelião. Para demonstrarem que não houve violação alguma, declaram: “Os advogados de defesa anunciaram à imprensa angolana que apresentarão recurso à sentença”.

Ainda sobre Cabinda, o documento refere também o caso do advogado Arão Tempo, detido no mesmo dia e “acusado de crime de sedição”. Por desconhecimento da data de libertação condicional de Arão Tempo, os parlamentares do MPLA informam o presidente do Parlamento Europeu de que o mesmo foi solto "a X de X de 2015". Não recorreram sequer ao Google para pesquisar a data a nem tiveram saldo para telefonar ao tribunal ou ao governo provincial de Cabinda para confirmarem a data.

Segundo as autoridades angolanas, o caso do cidadão Rafael Marques também é elucidativo. “Foi condenado em primeira instância pelo Tribunal Provincial de Luanda a seis meses de pena suspensa pelo crime de denúncia caluniosa”.

Como prova da ausência de arbitrariedades no processo, os deputados lembram que “o cidadão acima mencionado continua em liberdade enquanto aguarda pela decisão do Tribunal Supremo”. É desnecessário lembrar ao MPLA sobre a legislação que aprovou relativamente à suspensão da aplicação da sentença em sede de recurso. Aqui finge ignorância das leis.

Mentiras caóticas

O documento sublinha ainda que, “dos casos mencionados no livro intitulado Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, 198 processos foram abertos, dos quais 115 já foram julgados e os seus autores, para além de serem cidadãos ordinários, são também soldados das Forças Armadas Angolanas, oficiais da Polícia Nacional, funcionários públicos e guardas de empresas privadas de segurança”. Essa informação revela que ou o MPLA mente, ou a Procuradoria-Geral da República mente. Os casos mencionados no livro não foram investigados pela PGR e enviados a tribunal, como faz crer o MPLA.

Quanto ao caso do líder da seita religiosa A Luz do Mundo, José Jolino Kalupeteka, as autoridades reiteram que se registou a morte de nove agentes policiais e apenas 13 seguidores da seita, e que a informação pública sobre o massacre é falsa.

A este respeito, os argumentos contêm uma pérola: “No âmbito das investigações, 103 cidadãos foram detidos, entre os quais o líder da seita, e, durante o processo 85 cidadãos foram libertados enquanto 10 permanecem detidos”. Ora, há aqui um problema aritmético: 103-85=18. Por estas contas, após a libertação dos 85, deviam estar presos 18 membros da seita de Kalupeteka, incluindo o próprio líder. As autoridades afirmam que se encontram detidos apenas 10. O que aconteceu aos oito? Foram mortos, desapareceram, contaram mal os presos? A justificação oficial não cria um problema meramente aritmético, é bem mais grave. Não explica o paradeiro de oito detidos da seita de Kalupeteka.

De forma extraordinária, o documento reafirma as credenciais de tolerância religiosa do governo por ter reconhecido 90 confissões religiosas. E no parágrafo seguinte declara: “como consequência desse incidente, houve dispersão dos crentes que se aglomeravam naquela localidade, do líder da seita, e provinham de seis cidades”.

Diplomacia boçal

Na verdade, o MPLA submete ao parlamento dois documentos separados, um sobre a visita de Ana Gomes e outro sobre a condenação pelo Parlamento Europeu, embora o conteúdo das justificações seja o mesmo. No segundo documento, importa destacar apenas que o governo de Angola e a Procuradoria-Geral da República esclareceram os cidadãos e “mantiveram encontros com o corpo diplomático acreditado em Angola, assim como com os embaixadores da União Europeia, e também com a eurodeputada em questão [Ana Gomes]” sobre as questões dos direitos humanos em referência. “Depois desses encontros, os embaixadores da União Europeia e a eurodeputada manifestaram a sua satisfação aos factos apresentados pelo governo”, revela o documento.

Mais ainda, o governo “considera estranha a forma deselegante como a resolução [do Parlamento Europeu] se refere às actividades da Procuradoria-Geral da República e dos órgãos judiciais” de Angola.

Ora, recentemente o recém-nomeado procurador-geral adjunto da República, Luciano Chaca Kumbua, acompanhado do especialista do Serviço de Investigação Criminal, Pedro João da Graça Vandúnem, deslocaram-se a Portugal, onde, ilegalmente, interrogaram o cidadão angolano Alberto Neto sobre o Caso dos 15 presos políticos. Tal acto violou a soberania portuguesa, membro da União Europeia, e levou já a eurodeputada Ana Gomes a exigir uma investigação por parte das autoridades do seu país. A 22 de Setembro passado, o gabinete da ministra da Justiça de Portugal informou-a de que aquele órgão do executivo “respeita integralmente a separação de poderes” e sobre o encaminhamento do seu requerimento “às autoridades competentes”.

O regime de José Eduardo dos Santos acusa Ana Gomes de ter inveja dos prédios modernos em Angola e “da dignidade e conforto que os parlamentares angolanos terão no novo edifício da Assembleia Nacional”.

O MPLA tem-se vangloriado de congregar, no seu seio, 95 por cento dos intelectuais angolanos. A pergunta que se coloca é: com este tipo de inteligência e boçalidade, não será o MPLA a sua pior oposição?

 

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