A Globalização da Polícia Angolana e a sua Actuação em Portugal

Num destes dias soalheiros de Verão, quando Lisboa estava no seu expoente de cor luminosa, desembarcaram no aeroporto da Portela dois altos dignatários da investigação criminal angolana. Ao contrário dos seus pares, não vieram para umas apetecidas férias nas suas propriedades mais ou menos luxuosas do Estoril, mas antes para procederem a um interrogatório, no âmbito de um processo judicial, a um cidadão angolano.

E, aparentemente, sem qualquer conhecimento das autoridades portuguesas.

Tal é o que relata ao Maka Angola o professor Alberto Neto, que terá sido contactado telefonicamente para a Suécia, onde lecciona, por um membro do Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Angola. Alberto Neto terá dito que estava em Lisboa e encontrou-se com os investigadores criminais na capital lusa, na Culturgest.

Em representação das autoridades angolanas estavam o especialista Pedro da Graça  Vandúnem João, do SIC,  e o Dr. Luciano Chaca, vice-procurador-geral da República de Angola. O primeiro é o responsável da operação de detenção dos actuais 15 presos  políticos. Traziam consigo um documento do ministro do Interior, Ângelo de Veiga Tavares, que os autorizava a levar a cabo a operação, isto é, a interrogar Alberto Neto no exterior de Angola.

Curiosamente, no fim do ameno interrogatório ocorrido na Culturgest – junto à sede do maior banco português -, os altos dignatários não forneceram ao professor Neto qualquer documento acerca das suas declarações. Porquê? Por reconhecerem que o procedimento era ilegal e contrário ao direito internacional, segundo explicou Alberto Neto.

Obviamente, se se tratassem de três amigos que se encontraram para tomar um café e trocar ideias sobre a situação angolana, podiam-no fazer em Lisboa ou na Cochinchina.

No entanto, conduzir uma diligência judicial de forma encapotada num país terceiro, mesmo que esse país seja amigo e irmão, é um verdadeiro desplante e uma ilegalidade inaceitável. Ora isto mesmo fizeram os altos dignatários de investigação angolana, que pelos vistos até já estavam na Dinamarca para irem à Suécia fazer o mesmo…

Há dois problemas nesta questão. Um é a ligeireza com que se atropelam leis, se cometem ilegalidades, se faz tudo sem qualquer rebuço. Um Estado Democrático de Direito tem leis escritas. Essas leis são para cumprir. Sobretudo naquele que é o ramo mais sensível do direito: o processo penal. A lei não permite estas expedições de caça em países estrangeiros, dignas de filme de espiões da série B de Hollywood.

O segundo problema é a apatia das autoridades portuguesas. Há já vários dias que é pública esta expedição angolana em Portugal, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros não se pronuncia. É verdade que o comportamento recente da diplomacia portuguesa tem sido de completa submissão ao governo angolano, na esperança de obter uns dinheiros (o que não tem valido muito, pois o governo angolano tem outros aliados preferenciais e Portugal é sempre o primeiro a sofrer quando há crise), mas alguma dignidade devia existir, e impunha-se uma chamada do embaixador de Angola ao Palácio das Necessidades para esclarecimentos. O alegre e bem-disposto secretário da Cooperação Luís Campos Ferreira, figura de envergadura na nossa vida africana, já se deveria ter colocado em campo e, entre duas piadas, ter colocado os pontos nos ii.

Senão, qualquer dia pode acontecer que em vez de interrogatórios amigáveis nos jardins da Culturgest, existam agentes de outros países aos tiros nas ruas de Lisboa.
    

 

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