Mães dos Presos Políticos Marcham pela Liberdade dos Filhos
Passam hoje 45 dias sobre a detenção de 14 dos 16 presos políticos encarcerados em Luanda sob a presunção de terem estado a preparar um golpe de Estado contra o presidente José Eduardo dos Santos.
Desde então, as autoridades têm-se multiplicado em desculpas e justificações atabalhoadas para justificar as detenções dos 14 activistas e dos dois oficiais das Forças Armadas Angolanas detidos a posteriori (sendo que estes últimos ainda não foram formalmente acusados do que quer que seja). Nos últimos dias, os ministros da Justiça e dos Direitos Humanos, das Relações Exteriores e do Interior, respectivamente Rui Mangueira, Georges Chicoti e Ângelo Tavares, defenderam e reiteraram publicamente que os detidos não são presos políticos. O vice-procurador-geral da República, general Hélder Pita Grós, juntou a sua voz ao coro da negação.
Estão detidos Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Albano Bingobingo, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias, Domingos da Cruz, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Hitler Jessia Chiconda “Itler Samussuku”, Inocêncio Brito “Drux”, José Hata “Cheik Hata”, Luaty Beirão, Nelson Dibango, Nito Alves, Nuno Álvaro Dala, Sedrick de Carvalho, e ainda o tenente Osvaldo Caholo e o capitão Zenóbio Zumba.
As mães e familiares dos presos políticos, exceptuando os do capitão Zenóbio Zumba, deram conhecimento ontem à tarde, ao Governo Provincial de Luanda, do trajecto que deverão percorrer a 8 de Agosto próximo, numa “marcha de repúdio” contra a detenção dos seus filhos por alegada preparação de golpe de Estado. A marcha terá início no Largo da Independência, às 13h00, passará pela Avenida Comandante Valódia, Rua da Missão, Largo da Mutamba, e Rua do Primeiro Congresso com objectivo de chegaram ao Palácio da Justiça, para entrega de uma petição ao procurador-geral da República, general João Maria de Sousa, a exigir a libertação dos seus filhos.
A 27 de Julho passado, as mães e os familiares endereçaram uma petição ao governador Graciano Domingos, informando-o da realização da referida “marcha pacífica em repúdio à detenção dos nossos parentes”.
No dia seguinte, o gabinete do governador respondeu: “Cumpre-nos comunicar aos pais e seus familiares que a Constituição da República, no seu Art.º 47.º, autoriza a realização da marcha sem qualquer inconveniente […]”. Na mesma linha, o governo provincial adianta, como imperativo, o estrito cumprimento da lei por parte dos familiares, nomeadamente do ponto referente à trajectória da marcha, “para que se garanta a devida segurança”. Refere também a necessidade de não se criar “instabilidade” ao direito de “pessoas alheias à vossa marcha”.
“Estamos realmente cansados. O MPLA desgasta-nos. Os miúdos [detidos] estão a ser tratados de forma desumana”, desabafa Isabel Correia, mãe do tenente Osvaldo Caholo.
“Há duas semanas, o Osvaldo foi ouvido e as provas que apresentaram contra si, no processo, são as fotos da sua graduação, na universidade, com os seus familiares. Isso são provas de golpe de Estado?”, interroga-se a mãe.
Isabel Correia indigna-se também com a partidarização das instituições do Estado. “Aqui a polícia é do MPLA. A TPA [Televisão Pública de Angola] é do MPLA. A Procuradoria-Geral da República é do MPLA. Até quando? Estamos cansados desta vida”, reclama a cidadã.
“Nós sairemos à rua, para marcharmos como mães, para exigirmos a libertação dos nossos filhos. É só o que queremos. Sabemos que não há democracia neste país porque é só o MPLA que sabe e que manda, mas vamos reclamar”, afirma Isabel Correia.
Em nome do Estado, o vice-procurador geral da República, general Hélder Pita Grós, reiterou recentemente a tese do golpe do Estado.
“Eles queriam alterar o presente quadro, quer o Presidente da República, quer a Assembleia Nacional, e, portanto, houve de facto a necessidade de intervenção para não permitir que houvesse uma insurreição na sociedade, uma situação que qualquer um de nós não saberia dominar, porquanto os estudantes não poderiam sair para irem às aulas, os trabalhadores para os seus serviços, e todo o mundo era afectado.”
A condição actual dos presos
Pitra cantou e encantou no Elinga-Teatro em solidariedade aos 16 presos políticos.
A sós na psiquiatria
Desde 9 de Julho passado, Nelson Dibango encontra-se detido no Hospital Psiquiátrico de Luanda, alegadamente por falta de espaço noutros estabelecimentos prisionais. O seu pai descreve a situação do filho como sendo de “verdadeira tortura psicológica”. Passa praticamente 24 horas fechado na cela solitária, à parte menos de meia hora para receber a comunidade e sentar-se na sala do psicólogo.
“O Nelson não pode sair da cela porque, segundo o pessoal médico, ele não pode ser misturado ou conviver com os doentes mentais”, afirma o pai.
Todos os dias, ainda de acordo com o pai, os seus carcereiros permitem que passe um intervalo de tempo, entre 10 e 15 minutos, na sala onde os psicólogos dão consultas aos pacientes mentais.
“O Nelson está proibido de ter uma esferográfica e papel para escrever”, denuncia o pai.
Os Quatro na Kakila
Desde 14 de Julho passado, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Nuno Álvaro Dala e Osvaldo Caholo não têm direito a banhos de sol.
Victorino Matias, irmão de Mbanza Hamza, conta que o seu irmão está proibido de receber livros, que “só tem um uniforme prisional que não pode trocar, por higiene, e não lhe é permitido sequer receber roupa interior”.
“O estabelecimento prisional deu um baralho de cartas a cada um, mas para cada um jogar sozinho, consigo próprio na cela, porque não podem ter contacto e interagir com outros presos”, enfatiza.
“Ao nível das famílias, vivemos a síndrome do terror. As autoridades estão a seguir os nossos passos, onde trabalhamos, estamos a ser perseguidos”, lamenta Vitorino Matias.
Como prova do terror, Vitorino Matias recorda o dia 20 de Junho, dia em que o seu irmão foi detido enquanto o grupo debatia livros contra a ditadura. A Polícia Nacional fez-se acompanhar de um helicóptero seu, que sobrevoava a casa da mãe de Vitorino Matias, enquanto os agentes, acompanhados por Mbanza Hamza, algemado, revistavam a casa.
Gedeão Cauale, tio de Hitler Jessia Chiconda, aproveita para lembrar também que os agentes levaram até um lança-roquetes, RPG-7 à sua casa, nas buscas que efectuaram sem mandado de captura.
Por sua vez, Toya Dala, irmã de Nuno Álvaro Dala, enfatiza que todos estão proibidos de tomar banhos de sol. Segundo o seu depoimento, a direcção do serviço prisional da Kakila informou-a de que esta última medida se deve à insistência dos quatro detidos em apanharem banhos de sol todos ao mesmo tempo ou na companhia de outros presos. Diz que a proibição será levantada quando os detidos aceitarem tomar banhos de sol sozinhos.
Toya Dala lamenta a imposição, desde a semana passada, de um novo horário de visita, à segunda-feira apenas, “por ordens superiores”. As famílias reclamam que os estabelecimentos prisionais estão sempre a mudar os dias de visita para criarem cada vez mais transtornos às famílias.
A jovem conta ter entregado directamente ao seu irmão uma toalha e roupa interior. Nuno Álvaro Dala foi ouvido pela última vez, em interrogatório, a 29 de Julho, na 29.ª Esquadra de Luanda.
Na Cadeia de São Paulo
Benedito Jeremias e Hitler Jessia Chiconda "Itler Samussuku" estão encarcerados na cadeia de São Paulo.
Henriqueta Diogo, esposa de Benedito Jeremias, revela que o seu marido se encontra numa cela solitária “com muitos mosquitos” e sem direito a banhos de sol.
A esposa e os familiares vão à cadeia todos os dias levar-lhe alimentação e água, mas só podem vê-lo três vezes por semana. “Não sabemos o que as autoridades colocam na comida, uma vez que não permitem a entrega directa. O Benedito está todo amarelado, inflamado”, refere Henriqueta Diogo.
Benedito Jeremias, o desconhecido entre os detidos, é funcionário do Ministério da Geologia e Minas no Moxico, encontrando-se em Luanda a tirar uma segunda licenciatura em Ciências Políticas. É licenciado em Administração Pública.
Nelson Dibango convidou-o para ir assistir ao debate sobre o livro de Gene Sharp, e passado um quarto de hora estava detido. Não tem qualquer historial de participação em manifestações ou de convivência com os membros do autodenominado Movimento Revolucionário.
O símbolo da campanha pela libertação dos 16 presos políticos em Angola.
O grupo de Calomboloca
O estabelecimento prisional de Calomboloca concentra o maior número de presos políticos, albergando sete elementos. São eles Albino Bingobingo, Arante Kivuvu, Domingos da Cruz, Inocêncio de Brito “Drux”, Luaty Beirão, Manuel Baptista Chivonde Nito Alves e Sedrick de Carvalho.
“O meu filho está num covil de leões. Eu nem consigo comer. Estou a fazer orações de jejum pelo Domingos da Cruz, o meu filho, que dizem ser o cabecilha porque escreve livros e quer dar golpe de Estado com palavras”, desabafa Francisca André João, que veio de Malanje para vê-lo.
Francisca André João não entende por que razão o Serviço de Investigação Criminal (sic) apreendeu cinco cartões de multicaixa e 430,000 kwanzas ao seu marido. Domingos da Cruz tem duas filhas de 11 e 8 anos, e a sua mãe reclama que o Estado não deve punir as crianças. “Que culpa têm elas? Precisam de comer e de ter a escola paga. O dinheiro é dele. Sustentar a família também é crime?”, interroga-se Francisca André João.
Há dias, os presos políticos em Calomboloca receberam mosquiteiros e almofadas, para melhorar as suas condições de detenção. Mais tarde soube-se que era apenas para impressionar uma visita oficial de inspecção. Esperança Gonga conta que o seu marido, Domingos da Cruz, lhe falou na recolha imediata, a seguir à inspecção, dos mosquiteiros e das almofadas. “O Domingos recebeu, mas nem sequer usou porque sabia que era apenas para propaganda. Até pensou que era por causa da visita da eurodeputada Ana Gomes a Angola”, enfatiza Esperança Gonga.
Por sua vez, Adália Chivonde, mãe de Nito Alves, reclama ter sido submetida a interrogatório, ontem, dia 3 de Agosto, no Controlo Penal da referida unidade penitenciária.
“Queriam saber o que faz o meu filho e como ele se comporta. Perguntaram-me sobre o nome dele [Nito Alves]. Disseram-me que é um nome complicado e exigiram que temos de mudar o nome dele”, denuncia Adália Chivonde.
“Eu expliquei que fui eu quem deu à luz o meu filho no Katchiungo [Huambo]. Eu disse que se fosse um nome estrangeiro eu não daria. O Nito Alves era um nacionalista angolano. Quando o pai escolheu o nome, eu nem sabia que o Nito Alves era revolucionário, mas o pai sabia”, explica a senhora.
De acordo com o seu depoimento, Adália Chivonde explicou aos seus interrogadores, “que estavam a escrever à mão e no computador, que o nome do meu filho não é problema”.
“Interrogaram-me sobre o comportamento dele. Eu disse que ele não fuma, não bebe, não usa drogas, é muito chegado à família, sobretudo aos sobrinhos, e é estudante do primeiro ano na universidade”, acrescenta.
Todos os detidos, segundo depoimentos unânimes dos familiares que os visitam, têm direito apenas a 15-30 minutos de intervalo por dia, sem qualquer contacto com outros detidos. Uma vez por semana têm, então, cerca de meia hora para a visita dos familiares.
“Sempre que vamos à cadeia há novas ‘ordens superiores’, para complicar as famílias”, reclama Marcelina de Brito, irmã de Inocêncio de Brito “Drux”.
“Por exemplo, hoje [3 de Agosto] as autoridades prisionais recusaram-se a receber a água mineral, mas a cantina deles nem sempre tem água. Os presos reclamam que a água que lhes dão a beber tem sempre areia. Depois de alguma discussão, teve de vir o chefe para autorizar a entrada da água”, afirma Marcelina de Brito.
A irmã de Inocêncio de Brito também denuncia ter sido sujeita a interrogatório a 29 de Julho, na mesma penitenciária.
“Antes da visita, pediram-nos para falar com o director da cadeia. Quando chegámos ao seu gabinete, disseram-nos que o encontro era com uma psicóloga”, explica. Marcelina de Brito relata que a psicóloga tinha outros planos. “Primeiro, perguntou-nos qual era o comportamento do Inocêncio em casa, e respondemos que ele não é de muitos amigos. Depois, queria interrogar-nos sobre o processo da acusação. Não respondemos mais porque não sabemos qual é a estratégia deles [das autoridades]”.
Cheik Hata a sós na Comarca
Rita Hata enfatiza que o seu irmão, o artista de hip-hop José Hata “Cheik Hata”, está a passar por “uma alteração psicológica devido à condição em que se encontra, de isolamento”.
Segundo o depoimento desta familiar, o serviço de reeducação prisional tem feito chegar a Cheik Hata todos os livros que a família encaminha para sua leitura, e há duas semanas as autoridades permitem que ele tome banho de sol, sozinho. “Ele não pode conversar com os outros presos, está sempre na cela solitária. Tem visitas uma vez por semana apenas, à quarta-feira, e os guardas permitem que conversemos à vontade”, explica a irmã.
Capitão Zenóbio Zumba
Desde que foi detido, a 30 de Junho passado, por suposta amizade com o tenente Osvaldo Caholo, seu ex-colega de universidade, o capitão Zenóbio Lázaro Muhondo Zumba mantém-se incontactável, por ordens da Polícia Judiciária Militar.
“Até hoje não consigo falar com o meu marido. Nem sequer permitem que o advogado contratado pela família tenha acesso a ele”, revela Suzana Zumba.
“O Zenóbio está proibido de receber visitas. Só podemos levar a sua alimentação diária para lhe ser entregue, mas não podemos sequer vê-lo”, reitera a esposa.
O capitão Zenóbio Zumba, de 34 anos de idade, trabalha no gabinete de Informação e Análise do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM), afecto ao Estado Maior-General das Forças Armadas Angolanas (FAA). Licenciou-se em Relações Internacionais na UTANGA [Universidade Técnica de Angola], tendo sido colega do tenente Osvaldo Caholo. Essa ligação foi suficiente para o deterem quando se apresentou ao serviço para mais uma jornada laboral.