Falsas Acusações de Rebelião Levam Activista a Julgamento

José Marcos Mavungo foi detido sem mandado de captura quando saía da missa na manhã de 14 de Março. Cinco meses depois, o activista dos direitos humanos, 57 anos, permanece preso em Cabinda. O seu julgamento – pela acusação de rebelião – tem início agendado para 25 de Agosto. Devido aos problemas cardíacos de que sofre, a detenção constitui uma séria ameaça para a saúde de José Mavungo.

Para o exacto dia da sua detenção, Mavungo organizara um protesto contra a má governação e as violações de direitos humanos, que foi proibido pelo governo e não teve lugar.

Arão Bula Tempo, advogado de direitos humanos, foi detido no mesmo dia que Mavungo. É acusado de “colaboração com estrangeiros no sentido de condicionar o estado Angolano” em alegada ligação ao referido protesto. Apesar de ainda não ter recebido qualquer acusação formal, está proibido de sair da província, de recorrer a tratamento medico e de falar em conferências.

Desde o dia 13 de Maio – data em que foi colocado em liberdade condicional – Tempo tem sido alvo de ameaças crescentes, incluindo ameaças de morte, perseguições e vigilância aberta por parte de agentes de informação. A 31 de Julho, seis homens não identificados raptaram e ameaçaram o seu filho de 18 anos durante três horas.

O silenciar do dissidente – Cabinda

O governo utiliza o conflito separatista latente no enclave de Cabinda como meio de silenciar dissidentes pacíficos, acusando-os de associação com a rebelião armada.

O Grupo Operacional de Inteligência (GOI) coordena as operações de contra-rebelião dos serviços de informação interna e militar, e da polícia, contra células da FLEC (Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda), movimento de guerrilha separatista em Cabinda.

A FLEC tem vindo a lutar pela independência face ao estado Angolano desde 1975. O acordo de paz estabelecido em 2006 entre o governo e os rebeldes revelou-se ineficaz na resolução do conflito. Oficiais do GOI têm alegadamente torturado e levado a cabo detenções arbitrárias de pessoas suspeitas de envolvimento activo na FLEC. Igualmente, procuram especializar-se em acossar dissidentes pacíficos e activistas de direitos humanos em Cabinda.

Arão Bula Tempo tem apresentado inúmeras denúncias de tortura e detenção ilegal, por parte das forças de segurança frequentemente com o envolvimento de oficiais do GOI, de pessoas suspeitas de pertencerem à FLEC.

O Caso Falhado contra Mavungo

A 19 de Março, cinco dias depois da sua detenção, um juiz rejeitou por falta de provas o pedido de julgamento sumário de Mavungo, acusado de sedição – crime contra a ordem pública. No entanto, ao invés de o libertar de imediato e livre de acusações, o juiz requereu que fossem levadas a cabo novas investigações sobre o caso. A 20 de Março, não obstante a falta de provas, o procurador alterou e agravou as acusações pendentes contra Mavungo, desta vez para ”rebelião”, crime contra a segurança do estado. A 17 de Julho, o tribunal indiciou Mavungo e ordenou que fosse e permanecesse detido até ao julgamento.

A acusação contra Mavungo foi totalmente incapaz de estabelecer que este cometeu qualquer crime face à lei angolana. Isso mesmo demonstra o modo como os defensores dos direitos humanos em Angola são submetidos a processos arbitrários. E demonstra igualmente que o sistema de justiça angolano se subordina ao governo e às suas forças de segurança.

A acusação pela qual Mavungo foi indiciado – “rebelião” – fundamenta-se essencialmente num curto relatório de uma operação dos serviços de informação que, alegadamente, teve lugar na noite anterior à sua detenção.

De acordo com o relato, na véspera da manifestação que estaria a ser planeada, “num momento indeterminado, à noite”, agentes do GOI acercaram-se de “alguns indivíduos” que subsequentemente fugiram, deixando uma mala para trás. A mala continha explosivos e panfletos, que, alegadamente, apelavam ao recurso a “paus, pedras e machetes” para derrubar o governo. Estes panfletos estavam, alegadamente, a ser distribuídos, sob as ordens de Mavungo, em diversos locais durante a mesma noite.

Em momento algum estabelece a acusação qualquer ligação factual directa entre Mavungo e os explosivos e panfletos confiscados, ou com os fugitivos. Também não é apresentada nenhuma evidência em suporte da tese de que Mavungo fosse o proprietário, autor, mandante da distribuição ou sequer conhecedor da existência dos panfletos em causa, bem como de ter tido acesso aos explosivos confiscados. Não existe, além do mais, qualquer referência a uma investigação forense ao material confiscado. O relatório dos serviços de informação foi considerado na sua totalidade como confidencial e, como tal, não pode ser publicamente consultado.

Para sustentar as acusações de rebelião, a acusação cita uma expressão usada verbalmente por Mavungo durante uma reunião com o governador: o protesto iria ter lugar, ainda que para tal fosse preciso recorrer “à força de baionetas”. Não é apresentada qualquer evidência de que Mavungo tenha de facto proferido tais declarações. No entanto, a alegação de que o crime foi precedido por ameaças e teve lugar num edifício público integram o rol de factores agravantes do crime a julgar.

A acusação traz igualmente a lume slogans que teriam alegadamente sido colocados na carta que os organizadores do protesto teriam enviado ao governador da província com vista a anunciar o mesmo. Incluíam um pedido ao governo no sentido de reabilitar a associação cívica de Cabinda Mpalabanda – uma associação de direitos humanos banida pelo governo em 2006. A acusação omite o facto de existir ainda pendente no Supremo Tribunal de Justiça um recurso interposto contra esta decisão.

Ao recorrer a falsas acusações de rebelião, o procedimento criminal contra Mavungo desviou o foco daquilo que evidentemente não pode ser considerado um crime – a organização de um protesto pacífico – e inventou o cenário de um suposto plano para derrubar o governo pela força.

O papel central dos serviços de informação interna e militar nos procedimentos contra Mavungo – nomeadamente na intimidação de Arão Tempo – ilustra bem a actual linha de acção do governo contra activistas dissidentes em Angola.

 

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