Barcos-Fantasma e Pirataria Orçamental no Ministério dos Transportes
O Ministério dos Transportes vai receber mais 741.8 milhões de kwanzas (US $7 milhões) para a aquisição de quatro catamarãs que já foram pagos no ano passado. Nem o anúncio governamental da crise põe termo à pirataria orçamental dos dirigentes.
No seu relatório à Conta Geral do Estado de 2013, que o Maka Angola tem em sua posse, o Tribunal de Contas (TC) refere que “o projecto relativo a aquisição de 4 catamarãs vem marcando a sua presença nos PIP (Programas de Investimento Público) de 2011, 2012 e 2013”. Juntos, os orçamentos perfazem US $79 milhões para pagar essas embarcações, destinadas ao transporte de passageiros na costa de Luanda. Um analista angolano sob anonimato, familiarizado com o sector, explica que o preço real dos quatro catamarãs não poderia ultrapassar os US $10 milhões.
A seguir, o TC nota como, “apesar de neste último exercício [2013] ter sido pago o montante de Kz 104.2 milhões, até Outubro de 2014 apenas dois foram recebidos e aguardavam o respectivo desalfandegamento”.
Por si só, à luz da corrupção institucional instalada, esses factos não seriam particularmente escandalosos. No entanto, como constata o TC, os dois catamarãs que estão em funcionamento na travessia entre o Porto de Luanda e o Embarcadouro do Kapossoka “são fretados e não são propriedade do Estado”.
Estranhamente, o Tribunal não faz qualquer alusão aos proprietários dos catamarãs fretados nem à origem dos fundos para o seu pagamento, que não constam do orçamento do Ministério dos Transportes.
O Maka Angola examinou os Orçamentos Gerais do Estado (OGE) desde 2011. Para benefício dos seus leitores, publicamos uma tabela sobre as quantias que o Ministério dos Transportes já requereu dos fundos dos contribuintes e das linhas de crédito para adquirir os quatro barcos cujo destino permanece desconhecido do público.
N.º |
Ano |
Valor em Kwanzas |
Câmbio |
Valor em Dólares |
1 |
2011 |
2,040,000,000 |
94.00 |
21,702,127 |
2 |
2012 |
1,310,000,000 |
95.40 |
13,731,656 |
3 |
2013 |
2,052,627,091 |
96.30 |
21,314,923 |
4 |
2014 |
1,500,000,000 |
98.00 |
15,306,122 |
5 |
2015 |
741,889,194 |
105.00 |
7,065,611 |
TOTAL |
|
7,644,516,285 |
|
79,120,439 |
Para além de consultar os OGE de 2011 a 2015, o Maka Angola analisou também a Conta Geral do Estado para os anos de 2011 e 2012. O executivo do presidente José Eduardo dos Santos justificou que os Projectos de Investimentos Públicos aprovados para os transportes tiveram uma taxa de execução de 100 por cento e 98 por cento para o anos de 2011 e 2012, respectivamente.
O Maka Angola apurou ainda que os Estaleiros Armón Burela, de Espanha, construíram e procederam à entrega de dois catamarãs em Outubro passado, baptizados de Macoco e Panguila. O estaleiro terminou a construção do terceiro, com o nome Luanda, no princípio do ano. Não há menção de uma quarta encomenda junto dos referidos estaleiros.
O negócio do transporte marítimo de passageiros entre Luanda-Sul, Porto de Luanda e Cacuaco tem sido uma preocupação muito pessoal do ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás. Em 2008, o ministro criou a empresa AASPM, para exploração de transportes marítimos, em sociedade com o então ministro das Finanças e actual governador do Banco Nacional de Angola, José Pedro de Morais, e o secretário de Estado do Ambiente, Syanga Abílio. Na altura, os dirigentes escolheram ser representados no negócio pelos seus filhos, nomeadamente Inocêncio da Silva Tomás, Jorge Lutuíma de Morais e Simão Nyoka Abílio.
Esta empresa foi a primeira a propor a exploração do transporte marítimo de passageiros de Luanda-Sul a Cacuaco, bem como uma parceria com o Ministério dos Transportes para o efeito. Curiosamente, a proposta, que incluía a compra de três veículos anfíbios hovercrafts, era inferior a US $18 milhões. O hovercraft pode deslocar-se por terra ou por água, apoiando-se num colchão de ar que o faz deslizar sem tocar na superfície.
O Orçamento Geral do Estado tem sido efectivamente utilizado como o saco de enriquecimento desbragado dos dirigentes, que têm a seu cargo unidades orçamentais com bastantes fundos e o beneplácito do presidente para roubarem à vontade e com impunidade.