Impulso na Pesquisa de Recursos Minerais Angolanos: Como Ganha (e Muito) a Família Presidencial

O governo angolano deu início, em Maio passado, ao projecto de investigação, levantamento e elaboração cartográfica dos recursos mineirais existentes em toda a extensão do território nacional por via aérea. Maka Angola apresenta a primeira investigação sobre os três consórcios que venceram os concursos do Plano Nacional de Geologia (PLANAGEO), cujos contratos estão avaliados no total em mais de US $300 milhões.

A presente investigação centra-se no consórcio liderado pela empresa espanhola Impulso, em parceria com o Instituto Geológico e Mineiro de Espanha (IGME) e o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) de Portugal, cujo contrato tem o valor de US $115 milhões. O consórcio está encarregado de pesquisar, ao longo de cinco anos, 37,5 por cento do território nacional, na área sul e sudeste de Angola, que corresponde a 470 mil quilómetros quadrados. A área abrange as seguintes províncias: Bié, Benguela, Huambo, Huíla, Namibe, Cunene e, parcialmente, Cuando-Cubango e Kwanza-Sul.

Segundo nota divulgada pela Impulso, a gestão do consórcio está a seu cargo. O que há então de suspeito no contrato, que envolve duas veneráveis instituições geológicas dos governos de Espanha e de Portugal?
 

Impulso Angola
 

A Impulso tem uma filial em Angola, em sociedade com membros do governo angolano e seus familiares.

De acordo com documentos obtidos por Maka Angola, a Impulso Angola é detida em 50 por cento pela Impulso Industrial Alternativo S.A., empresa espanhola, também conhecida por Impulso Astúrias. Por sua vez, da parte angolana, o secretário de Estado para as Tecnologias de Informação, Pedro Sebastião Teta, detém 30 por cento do capital da empresa, enquanto a sobrinha do presidente José Eduardo dos Santos, Celmira Bento dos Santos Sousa Clemente, juntamente com o seu marido, o secretário de Estado do Urbanismo Manuel Francisco da Silva Clemente Júnior, detém 10 por cento. Teresa Reis Victor, mulher do secretário de Estado para a Habitação, Joaquim Silvestre António, que por sua vez é irmão da primeira-dama Ana Paula dos Santos, também beneficia de 10 por cento da sociedade.

No Memorando de Entendimento entre os sócios, assinado a 20 de Novembro de 2008, em Espanha, esclarece-se qual a razão da atribuição de quotas, na sociedade, à sobrinha do presidente (filha da Mana Marta), designada como terceira contraente, e à cunhada da primeira-dama, a quarta contraente.

 “O terceiro e quarto contraentes são pessoas singulares angolanas com forte impementação no mercado angolano, onde desenvolvem a sua actividade profissional, sendo detentores de vários e importantes contactos para negócios a celebrar no âmbito do objecto social da nova sociedade a constituir”, especifica o ponto (g) do referido Memorando.

Relativamente às obrigações dos sócios, o Memorando de Entendimento estabelece que “compete ao terceiro e quarto contraentes dedicarem todo o empenho na promoção e divulgação dos serviços, angariando os clientes para a aquisição dos serviços prestados pela Impulso Angola”.

De forma clara, o Memorando também determina que “a Impulso Astúrias deixará de actuar no mercado angolano a partir do momento em que a Impulso Angola esteja legalmente constituída segundo as leis da República de Angola”. Em menos de uma semana, após a assinatura do referido Memorando, a Impulso Angola já tinha sido constituída e, a 28 de Novembro de 2008, extraiu a sua Certidão de Registo Comercial, matriculada sob o número 896-08/081126.

Por outro lado, a gerência da Impulso Angola, desde a sua criação, tem sido assegurada por Filomena Teta das Neves Estêvâo, irmã do sócio angolano maioritário e secretário de Estado Pedro Teta. Desde então, Filomena Teta tem acumulado as funções de gestora privada com as de alta funcionária do Estado. Desde 30 de Novembro de 2012, exerce o cargo de consultora do gabinete do secretário de Estado para as Tecnologias de Informação, o seu irmão Pedro Sebastião Teta. Na prática, ela é a responsável de gabinete.

Desde 2009, o secretário de Estado Pedro Sebastião Teta terá também mantido o seu lugar no conselho de administração da Impulso Angola. 
 

Lei, Qual Lei?
 

A Constituição de Angola (Art. 138.º, n.º 2, al. B) consagra a incompatibilidade do cargo de Secretário de Estado com o exercício de funções de qualquer cargo social em sociedades comerciais, como acontece com Pedro Sebastião Teta, no Conselho de Administração da Impulso.

Com assessoria jurídica há já vários anos da sociedade de advogados portuguesa Ana Gomes Ferreira e Associados,  quer para o seu conjunto de empresas reunidas no Grupo Troy quer na Impulso Angola, o secretário Teta não tem como alegar desconhecimento ou distracção acerca da legislação em vigor.

Na realidade, uma das actas da Impulso Angola, a que Maka Angola teve acesso, revela as ideias de Pedro Sebastião Teta sobre esta mesma legislação. O secretário de Estado para as Tecnologias de Informação esclareceu a contraparte espanhola que, conforme lavrado em acta, “os contratos entre a Impulso Angola e a Impulso Astúrias devem ser ‘selados’ no Ministério das Finanças para que sejam legais, mas reconhece que, em Angola, quase ninguém o faz. A dra. Filomena [sua irmã, subordinada no governo e colega no conselho de administração da Impulso] opina que [os contratos] devam ser selados”.

A mesmíssima acta estabelece também uma tabela para o pagamento de “comissões comerciais” a beneficiários não especificados, que vão de 10 por cento para contratos até US $500,000 e 5 por cento para contratos acima de US $1.5 milhão. Regra geral, os contratos da Impulso, em Angola, são celebrados com entidades estatais. A Lei da Probidade identifica, de resto, como acto de corrupção o pagamento de comissões a agentes públicos.
 

A teia internacional
 

O consórcio liderado pela Impulso, incluindo o Instituto Geológico e Mineiro de Espanha (IGME) e o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) de Portugal, vê-se, deste modo, enredado em actos de tráfico de influências e corrupção.

Em 2006, Angola incorporou no seu direito a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que define, em termos mais precisos, o tráfico de influências como acto de corrupção. O Código Penal, que confere moldura penal à referida convenção, criminaliza o recebimento de vantagens patrimoniais ou de outra natureza ilícita por parte dos agentes públicos ou por via de “cônjuge ou de algum ascendente ou descendente, ou irmão ou afim nos mesmos graus”.

Por sua vez, a Impulso Industrial Alternativo S.A. faz parte do Pacto Global das Nações Unidas, e afirma ter adoptado uma política de tolerância zero contra a corrupção. O Pacto Global das Nações Unidas é uma iniciativa destinada a promover o alinhamento das operações e estratégias de empresas “com dez princípios universalmente aceites nas áreas dos direitos humanos, trabalho, ambiente e combate à corrupção”.

No entanto, como prova do triunfo da corrupção em Angola, em Abril passado, o empresário espanhol Avelino Suárez presidente da Impulso Astúrias, , foi nomeado cônsul honorário de Angola nas Astúrias, em Espanha. O consulado funciona… na sede da Impulso. 

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