O MPLA como Estado, a Visão Absolutista do seu Líder e a Exclusão

O presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, proferiu há dias um discurso fundamental sobre as reformas do Estado que se impõem, de acordo com a sua visão pessoal, e as estratégias de implementação do seu partido. Fê-lo na abertura da segunda sessão extraordinária do Comité Central do MPLA.

Dos Santos considera, no seu discurso, que o MPLA deve “distinguir as forças de realização da transformação, que são as massas e os elementos portadores do conhecimento científico e técnico, da inovação e da capacidade de enquadramento, que são os quadros política e tecnicamente mais preparados e motivados”.

Uma vez feita a distinção, o MPLA deve então proceder à selecção destes quadros, para o bem da nação. Com esse objectivo, o MPLA deve, segundo Dos Santos, estar mais bem inserido “no seio das elites do nosso país, em todos os segmentos da sociedade e em todos os domínios do conhecimento do saber fazer, para que possamos obter a participação e colaboração daqueles que queiram contribuir para a construção de uma Angola democrática, próspera e inclusiva”.

Trocado por miúdos, qualquer cidadão angolano que não coloque a sua capacidade e saber ao dispor do livre-arbítrio do MPLA e do seu presidente, nada pode fazer pela construção de uma Angola democrática, próspera e inclusiva.

Mas como pode Angola ser democrática, se os angolanos com melhor instrução ou conhecimentos que não se identificam com o MPLA ou se lhe opõem – o normal em democracia – são excluídos, e o seu contributo é considerado nulo para a pátria?

Segundo a lógica do presidente, os membros dos partidos da oposição, por não aderirem ao MPLA, são contrários ao espírito da democracia e são os verdadeiros parasitas, em nada contribuindo para o desenvolvimento do país e a prosperidade dos angolanos. Ou seja, a oposição e a sociedade civil que não batem palmas ao MPLA auto-excluem-se e promovem a segregação, contrariamente à estratégia inclusiva do MPLA.

Assim, uma sociedade angolana inclusiva é aquela em que todos são do MPLA, o qual se assume como o próprio Estado. É a manutenção da mentalidade política de 1975, quando o MPLA, com o absolutismo próprio do marxismo-leninismo se assumiu, na Lei Constitucional, como o “único e legítimo representante do povo angolano”.

A nova formulação de José Eduardo dos Santos recicla, de forma clara, a mentalidade da sua liderança, segundo a qual quem não é do MPLA não é patriota, é contra os interesses de Angola.

É preciso lembrar que o MPLA sempre distinguiu os dirigentes dos quadros e das massas de forma segregacionista. Durante a vigência do marxismo-leninismo, o MPLA até decidia o que cada um desses grupos devia comer e beber, instituindo, por exemplo, lojas especiais para dirigentes, com direito a queijo, fiambre, whisky, iogurte, refrigerantes, cervejas em lata… Por sua vez, os tais quadros tiveram de se rebelar ao longo dos anos para que fossem instituídas as lojas complementares, onde passaram a adquirir menos produtos e de qualidade relativamente inferior à dos dirigentes. Ao povo, por mês, cabiam cinco quilos de arroz, cinco de feijão, dois de açúcar, sal, um litro de óleo e pouco mais, quando calhasse. Pelo meio havia a porrada da polícia nas intermináveis filas que se formavam nas lojas do povo.

Nessa mesma altura, muitos cidadãos foram brutalmente espancados, outros detidos e outros ainda assassinados por terem pisado nos riscos brancos que demarcavam os passeios frente às residências de dirigentes. O povo era obrigado a passar do outro lado da rua ou na estrada. Frente às residências de grande parte dos dirigentes, os passeios não eram públicos. A isso, o MPLA chamava de socialismo científico. Tal comportamento sócio-político das lideranças representava mais o que George Orwell descreveu n’O Triunfo dos Porcos.

É interessante notar como o presidente muda o foco do povo para as elites. Como o MPLA se assume como um partido da alta burguesia, das elites, contra o povo.

Depois de 38 anos de poder, não entendo que outras distinções o MPLA queira fazer entre os dirigentes, os quadros e as massas. A Constituição não confere direitos iguais a todos os cidadãos? 

A Constituição estabelece que ninguém pode ser “prejudicado, privilegiado ou privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social ou profissão.” 

O que me irrita mais profundamente não é a natureza criminal do regime, mas sim a justificação legalista de que os crimes do presidente e da liderança colectiva do MPLA são actos obedientes à lei e ao seu interesse pelo bem-estar do povo.

No seu discurso, lá vem o presidente falar da Constituição: 

“Mas peço-vos que não se esqueçam que, em 2012, durante as Eleições Gerais, anunciámos que seria realizada uma grande reforma do Estado, se ganhássemos as eleições.

Realmente, em Fevereiro de 2010 entrou em vigor a nova Constituição da República de Angola e foi iniciado um processo de ajustamento de todas as leis e regulamentos e a elaboração de novos projectos de diplomas legais, entre os quais a Lei sobre as Autarquias.

É necessário continuar este trabalho e, talvez, pensar-se na criação de uma Comissão no Partido que ajude a dar um impulso maior a este processo de Reforma do Estado.”

Em suma, reformar o Estado não é mais do que reformular as mesmas práticas de sempre, mantendo-se a imposição do MPLA como o próprio Estado angolano. A reforma, afinal, é apenas uma questão de maquilhagem: com o pó da democracia, disfarça-se o rosto de uma nova forma de fascismo do MPLA. 

Mas, como até esse mero artifício é doloroso para o MPLA, a maquilhagem é aplicada de forma muito ordinária, ficando-se apenas pelos discursos do presidente.

 

 

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