Decisões a Favor e Contra a Implantação de Mesquitas em Angola

Maka Angola ilustra a sua investigação sobre o Islão com a descrição cronológica de algumas medidas das autoridades locais a favor e contra a implantação do Islão nas províncias de Luanda, Zaire, Lunda-Norte, Malange, Huambo e Bié.
A última dessas medidas foi decretada pela 3.a Secção da Sala do Civil e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, a 29 de Janeiro de 2014. Em sentença referente ao Processo n.o 005713-C, o tribunal determinou o encerramento provisório da Mesquita Nurr Al Islamia, situada no Bairro Mártires de Kifangondo, à Rua 8, devido a uma disputa entre os imãs Diakité Adama, maliano, e Alhaji Fode, gambiano.
Criada em 1995, a referida mesquita tem capacidade para acomodar mais de 1500 fiéis e é a segunda maior do país. No seu despacho, a juíza fundamentou a decisão tomada, destacando a importância do facto de a Comunidade Islâmica de Angola (CISA) ter um processo de reconhecimento a correr os seus trâmites no departamento dos assuntos religiosos do Ministério da Justiça. Ora, esta afirmação é errónea. A CISA é uma das 194 denominações religiosas cujos pedidos de legalização foram indeferidos pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a 28 de Outubro passado.
O tribunal selou as portas da mesquita, efectivando a sua ordem a 6 de Fevereiro passado. Desde então, mais de 1000 fiéis muçulmanos têm realizado as suas orações nos passeios adjacentes a dois templos improvisados no mesmo bairro.
Luanda
A 23 de Março de 2005, perante o crescimento da fé islâmica, a administração comunal do Hojy ya Henda, exarou o Despacho n.º 32/GAB/ADM.COM.H.H/2005, ordenando a paralisação imediata das obras de duas mesquitas naquela localidade e a interdição de cultos islâmicos, por orientação do governador de Luanda. Após ordens e contra-ordens, as obras prosseguiram, e a localidade alberga hoje a maior mesquita de Luanda, a Mesquita Abubakar Sidiq, com três pisos e capacidade para cerca de 3500 fiéis.
Passado um ano, a 27 de Abril de 2006, a representação do Ministério da Cultura no município do Kilamba Kiaxi emitiu também a sua ordem (01/SMCKK/06) para o encerramento da mesquita do Bairro Palanca e a interdição de cultos islâmicos naquela localidade. O então administrador municipal não permitiu a execução da ordem e afirmou que só o Ministério da Justiça tinha competência para o fazer.
Quatro meses mais tarde, a 8 de Agosto de 2006, a então administradora municipal da Maianga, em Luanda, ordenou, através do Despacho n.º 007/GAB.ADM.MMGA/2006, a interdição dos cultos e o encerramento das mesquitas, na sua área de jurisdição, até à sua legalização junto do Ministério da Justiça.
No encontro com representantes islâmicos, a referida administradora exprimiu que apenas executara orientações do governador de Luanda e que as medidas visavam a melhoria do ordenamento urbano de Luanda. Não é compreensível que, para se ordenar a cidade capital, se deva começar com o encerramento de mesquitas, onde, além das silenciosas orações, não se canta, nem é permitido gritar!, protestou, na altura, o actual secretário-geral da Comunidade Islâmica em Angola (CISA), David Já, em carta endereçada ao governador de Luanda.
Por sua vez, o então administrador municipal de Cacuaco, Carlos Cavuquila, ordenou, a 7 de Dezembro de 2010, o encerramento da mesquita localizada no Bairro dos Combustíveis, pelo facto de aí se realizarem cultos sem no entanto figurar na lista das igrejas reconhecidas no país.
O administrador proibiu também a realização de cultos islâmicos na sua área de jurisdição ao proibir aos seus representantes o exercício de qualquer actividade eclesiástica em nome da sobredita igreja. O administrador encarregou o comando da polícia local de cumprir e fazer cumprir a presente ordem.
Em Viana, o administrador municipal, José Manuel Fernandes, endereçou uma notificação à comunidade islâmica, a 26 de Setembro passado, na qual exigia a demolição voluntária, no prazo de 72 horas, da mesquita erigida no bairro Zango I.
No aviso-notificação, o administrador ordenava também aos muçulmanos que procedessem à remoção de todo o material de construção, sob pena de o mesmo ser apreendido. Advertiu ainda que o não-cumprimento da ordem constituiria crime de desobediência.
Apesar de o administrador ter argumentado que a mesquita foi construída sem autorização expressa, a sua administração cobrou antes disso, a 1 de Agosto, multas no valor de 281,130 kwanzas (US $2810). A 1 de Outubro, o Programa de Habitação Social do governo provincial de Luanda emitiu uma contrafé contra o secretário-geral da CISA, David Já. Tratava-se de uma multa no valor de três milhões e 500 mil kwanzas (US $35 000) pela construção da mesquita do Zango I. Três dias depois, o camartelo do governo provincial destruiu a mesquita de dois pisos, que tinha capacidade para 800 crentes e se encontrava em pleno funcionamento há já um ano.
Zaire
A acta de encerramento da mesquita de Mbanza Congo, a capital da província do Zaire, é particularmente elucidativa. A 25 de Março passado, o comando provincial da Polícia Nacional no Zaire convocou Pedro Ramos, representante da comunidade muçulmana em Mbanza Congo, para lhe transmitir a ordem de encerramento imediato da mesquita. Ficou comprovado que a referida seita não possui nem documento jurídico que lhes autorize a realização de cultos e o ensino da língua árabe, em flagrante desrespeito do Artigo 10.º, alíneas 1, 2, 3 da Constituição, disse o director provincial para a Ordem Pública do comando provincial, superintendente-chefe Miranda Zau.
Estranhamente, o artigo citado pela Polícia Nacional refere-se à laicidade do Estado angolano e à sua separação dos cultos religiosos (Art. 10.º, 1.º). Os artigos seguintes (Ibid., 1.º e 2.º) referem-se ao reconhecimento, ao respeito e à protecção que o Estado deve às diferentes confissões religiosas, às igrejas e aos locais de culto. Nos referidos artigos estabelece-se também o dever das confissões religiosas, das igrejas e dos locais de culto de se conformarem à Constituição, às leis em vigor e à ordem pública.
A acta da polícia é, na realidade, uma sentença. Fiéis aos mais altos anseios do povo angolano de estabilidade, dignidade, liberdade, desenvolvimento e edificação de um país moderno, próspero, inclusivo, democrático, [o comandante provincial da Polícia Nacional no Zaire, comissário Francisco Massota] ordenou o encerramento das instalações (mesquita) religiosas da Seita Islâmica em Mbanza Congo, lê-se na acta.
Finalmente, a polícia reconheceu que a comunidade muçulmana tinha em sua posse uma declaração que confirmava o pedido de legalização junto do Ministério da Justiça. No entanto, o indeferimento do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos ao pedido de aquisição de personalidade jurídica feito pela Comunidade Islâmica em Angola ocorreu apenas em Junho de 2013, quase três meses após a sentença da polícia de Mbanza Congo.
O advogado Salvador Freire, presidente da Associação Mãos Livres, ao tomar conhecimento do conteúdo do documento da polícia do Zaire, interrogou-se: A polícia também já julga?
Como é que a polícia chegou à conclusão de que os muçulmanos violaram a Constituição? Cabe aos tribunais julgar. A polícia usurpou as competências do tribunal, afirmou Salvador Freire.
O advogado referiu ainda que a polícia emitiu uma sentença. Assim podemos encerrar os tribunais e a polícia passa a fazer tudo, a prender, a julgar e a proferir sentenças. Esse comportamento é ilegal.
Lunda-Norte
A 31 de Julho de 2001, a Secção Municipal da Educação e Cultura do município do Cuango emitiu uma declaração a favor da Comunidade Islâmica em Angola, autorizando-a a exercer as suas actividades naquela localidade.
O então governador Gomes Maiato emitiu, em 2003, o primeiro título provisório de concessão de terreno (n.º 35/2003) para construção de uma mesquita na sede provincial, no Chitato.
Por sua vez, a 30 de Outubro de 2005, o governo provincial da Lunda-Norte emitiu uma declaração a favor da referida comunidade, por não ver qualquer inconveniência no exercício das suas actividades eclesiásticas ao nível desta província.
No entanto, a declaração reiterava que a mesma tinha apenas prazo de validade de um ano.
Contudo, a 3 de Março de 2008, a administração municipal do Chitato ordenou a destruição da mesquita em construção, no mesmo terreno, detentora da licença n.º 35/2003. Os muçulmanos solicitaram a devida indemnização e foram ignorados.
Já a 8 de Abril de 2008, a Secção dos Serviços Sociais do município do Cuango autorizou a Comunidade Islâmica em Angola a exercer as suas actividades eclesiásticas e implantar uma congregação nesta área. O Islão passou assim a ser a única religião, em Angola, que necessitava de autorização, ao nível municipal, para exercer o direito de culto.
Em 2009, a direcção da Cultura do governo provincial da Lunda-Norte reconheceu que a Comunidade Islâmica em Angola está implantada na provincial desde 1982. Para o efeito, emitiu uma declaração para atestar a existência da referida congregação religiosa nesta província. No mesmo documento, o governo provincial notou também que os islamistas aguardavam pelo desfecho do seu processo de reconhecimento, endereçado às autoridades competentes.
Para além da referida declaração, a 10 de Março de 2010, a administração municipal do Cuango, através da sua secção de Cultura e Assuntos Religiosos, emitiu uma outra declaração, autorizando a comunidade islâmica a construir uma mesquita na área da Sede Comercial.
Apesar desta autorização, o então administrador do Cuango, Domingos Mufungueno Cabongo, ordenou a demolição da mesquita provisória naquela localidade no último dia do Ramadão. Esse acto ocorreu sem qualquer notificação. O numeroso contingente de agentes policiais e de funcionários da administração local enviados à área da demolição carregaram consigo os materiais de construção, o gerador e os alimentos para a celebração do fim do Ramadão.
A 30 de Novembro de 2010, a administração municipal do Chitato emitiu a licença de construção n.º 00166/2010 destinada à construção de uma mesquita no bairro Camatundo, no espaço de 12 meses.
Entretanto, a mesma administração municipal anulou, pouco depois, a 23 de Março de 2011, a referida licença, tendo alegado que o terreno se destinava à construção de um posto médico.
Exasperada com os actos do governo, a comunidade islâmica na província dirigiu uma carta ao governo local, a 9 de Setembro de 2011. O representante da comunidade, Mendes Sapassa Emoran, transmitiu informações ao governo local acerca da lealdade dos muçulmanos, na sua maioria militantes do MPLA, que de forma diligente têm participado em todas as actividades do nosso governo e do MPLA. Os seguidores do profeta Maomé enviaram, em anexo, um relatório de actualização dos crentes muçulmanos que são também militantes do MPLA, num total de 1176 fiéis. O representante observou ainda que a maioria dos muçulmanos, a nível provincial, também são militantes do MPLA.
Malanje
De forma expedita, em 1996, o governo provincial concedeu um terreno de 480 metros quadrados à Comunidade Islâmica em Angola.
Em 2003, após o estabelecimento da paz no ano anterior, os muçulmanos adquiriram e legalizaram uma parcela de terreno para a construção de uma mesquita. Em 2004, as autoridades locais impediram a construção da mesquita, confiscaram o terreno e trespassaram-no.
Estranhamente, em 2007, a direcção provincial de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia do governo local emitiu uma Declaração de Implantação a favor da comunidade islâmica, autorizando-a a exercer a sua actividade em todo o território da província, com vista à evangelização e divulgação do Evangelho de Cristo.
A Declaração de Implantação não teve qualquer efeito quando os muçulmanos adquiriram outro terreno, no bairro da Maxinde, e iniciaram novamente a construção da sua mesquita e de um posto médico. O governo local procedeu à demolição das obras já feitas e confiscou o terreno.
Persistentes, os fiéis de Alá adquiriram um terceiro terreno, no mesmo bairro. Solicitaram licença de construção, mas não obtiveram qualquer resposta por parte das autoridades. Após um ano, iniciaram a construção da mesquita, sem licença.
O então governador provincial, Boaventura Cardoso, usou, em 2011, o argumento de o Islão não ser oficialmente reconhecido em Angola e ordenou a demolição da mesquita. Fê-lo através do Despacho 2708/01/01/GAB.GOV/2011, de 24 de Outubro de 2011. Na sequência da ordem de Boaventura Cardoso, a secção municipal de Fiscalização comunicou a decisão, dois dias depois, aos líderes da comunidade islâmica local. De acordo com o documento obtido por Maka Angola, a fiscalização ordenou aos muçulmanos que procedessem à demolição voluntária da sua obra, num prazo máximo de dois dias, até 28 de Outubro de 2011. Findo o prazo, a administração municipal encarregou-se de destruir a obra de construção da mesquita.
Huambo
O administrador municipal do Huambo, Armando Kapunda, embargou, a 5 de Julho de 2010, as obras complementares em curso na mesquita local, tendo alegado falta de autorização para o efeito. Passados dois dias, deflagrou, de madrugada, um incêndio na mesquita. A Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) revelou ao semanário O País que o incêndio tivera origem criminosa. O fogo destruiu o púlpito, 30 exemplares do Alcorão e outros materiais.
Segundo O País, um especialista da DPIC confidenciou à sua reportagem a suspeita de que o autor do delito tenha sido um perito em engenharia militar, a julgar pela forma como foi introduzido o fogo dentro da mesquita.
Passados seis dias, o governo local ordenou a reabertura da mesquita. Não mais se soube da investigação. O Huambo, na altura, de acordo com dados oficiais, tinha cerca de 400 fiéis muçulmanos, a maioria mauritanianos e, em menor número, malianos e senegaleses.
Bié
Na cidade do Kuíto, efectivos da Polícia Nacional irromperam, a 5 de Janeiro de 2012, no local provisório de culto dos muçulmanos e ordenaram a sua proibição em toda a província.
O governo do Bié, em carta endereçada, a 24 de Fevereiro de 2012, à comunidade islâmica estabelecida no Bié indeferiu o pedido de autorização para a abertura de uma mesquita na província. Os islamitas haviam solicitado autorização para a construção do templo em Junho de 2011.
O vice-governador, Carlos Silva, sublinhou que o processo de legalização interposto pela referida comunidade estava em andamento no Ministério da Justiça. Assim, o governo provincial exigiu aos fiéis muçulmanos a actualização da declaração emitida a seu favor, em 2008, por estar fora dos prazos de validade.
Uíge
Por determinação superior, a 11 de Outubro de 2013, a Direcção Provincial de Inspecção e Actividades Económicas do comando provincial da Polícia Nacional no Uíge selou o local de culto dos muçulmanos no bairro Kaquinia, na cidade do Uíge.
O auto de selagem do local de culto não apresentou quaisquer justificações, tendo especificado apenas o uso de lacre e fita e apondo selos em todos os fechos e pontos nevrálgicos, utilizando o sinete n.º 01/34/2013.