O Sindika e a Dentadura do Presidente

O marido de Isabel dos Santos e genro do presidente da República, Sindika Dokolo, prestou ontem, à imprensa portuguesa e a partir de São-Tomé, esclarecimentos sobre o estado de saúde do seu sogro, José Eduardo dos Santos.

Sindika Dokolo revelou informações que tanto os Serviços de Apoio ao Presidente da República como o Bureau Político do MPLA têm sido incapazes de partilhar com o povo. Explicou as razões da estadia do Chefe de Estado em Espanha, há quase um mês.

Segundo Sindika Dokolo, o presidente aproveitou apenas as suas férias para uma consulta de rotina ao seu dentista, em Barcelona.  Desmentiu, assim, os rumores sobre a alegada batalha do presidente contra um cancro na próstata causa da sua ausência do país. “Se calhar daí é que surgiu esse rumor, que não tem fundamento nenhum", disse o genro, sobre a visita ao dentista.

O cidadão dinamarquês, de origem congolesa, foi mais longe e explicou também as razões que levaram o chefe de Estado a evitar, pela primeira vez nos seus 34 anos de poder, a celebração do Dia da Independência, 11 de Novembro, em Angola. "O senhor presidente da República aproveitou o facto de ter fechado o dossier do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2014, que foi um grande trabalho, para aproveitar alguns dias de férias na Europa”, disse.

Há um dado que o porta-voz da família Dos Santos não esclareceu. Entre Junho e Julho, o presidente esteve em Espanha por um período de férias de quase dois meses. Por interpretação extensiva, o presidente é um funcionário público com direito a 30 dias de férias por ano. Tendo já ultrapassado o seu período de férias em quase um mês, sem justificação de faltas, como pode o presidente ter faltado ao serviço por quase mais um mês e, mais uma vez, sem justificar as faltas?

Outro dado importante é a revelação segundo a qual a preparação do OGE deu muito trabalho a José Eduardo dos Santos? E os OGEs passados?

Porquê o OGE de 2014 haveria de dar tanto trabalho ao chefe? Não há discussão aprofundada na sua elaboração. É um processo proforma. No MPLA vigora o unanimismo político e ninguém contesta os números apresentados. A oposição resmunga de modo fugaz e, mesmo assim, sofre ameaças pela mais pequena discordância que manifesta contra José Eduardo dos Santos.

Há mais um terceiro dado relevante. Sindika também referiu, por escrito e ao Jornal de Negócios, que o modelo de desenvolvimento de Angola “daqui a 20 anos, será celebrado de forma unânime”.

Em 11 anos de paz, o regime do seu sogro ainda não conseguiu formar um dentista capaz de fazer revisão à boca do presidente em Luanda? Tem de ir a Espanha para ver os seus dentes? É esse o modelo que aplaudiremos “daqui a 20 anos”?

Nos Camarões, o presidente Paul Biya, era useiro e vezeiro em ausentar-se do país, sem qualquer justificação, para se instalar num hotel luxuoso na Suíça por meses de cada vez. Um membro da oposição interpretou a Constituição e invocou argumentos legais para a destituição do presidente por abandono de lugar. Paul Biya regressou imediatamente ao país para evitar que o caso se tornasse sério.

Em Angola, José Eduardo dos Santos não tem com que se preocupar. O país é a sua residência e a sua família é o seu governo. Por isso, Sindika hoje pode dizer se o presidente tem dores de dentes ou não, enquanto o porta-voz do chefe de Estado  mantém-se em silêncio. O Bureau Político do MPLA serve apenas para emitir comunicados belicistas contra a oposição, mas não tem voz para se pronunciar sobre a ausência do presidente do país por um trimestre. A Televisão Pública de Angola (TPA), o Jornal de Angola e a Rádio Nacional de Angola (RNA) servem apenas como veículos de propaganda. Não merecem sequer um exclusivo de Sindika, a explicar  sobre a dor de dentes do presidente, para o povo angolano ouvir directamente dos seus órgãos de comunicação social e não a partir de Portugal.

Em tudo o resto, só temos de agradecer a Sindika Dokolo por ter facilitado o trabalho de identificação do que realmente se está a passar com o presidente.

José Eduardo dos Santos encontra-se em situação de abandono de lugar. Manifestou todo o seu desrespeito para com a soberania nacional, ao ter preferido ir visitar o seu dentista, em Barcelona, no dia da Independência, a 11 de Novembro.

É terrível quando a guarda presidencial mata um político indefeso, o Manuel de Carvalho Hilberto Ganga, e o presidente nem sequer apresenta condolências à família enlutada porque está a gozar o terceiro mês de férias anuais.

Arrepia a tranquilidade do presidente, quando a sua polícia castiga o secretário da UNITA em Cafunfo, Lourenço Fernando, com palmatórias na mão, e lhe racha a cabeça com uma paulada, como aconteceu a 23 de Novembro. Aquele dirigente da oposição tentou organizar uma manifestação em memória de Cassule e Kamulingue.

Corta a respiração  ver como a oposição e as liberdades constitucionais são intoxicadas com gás lacrimogéneo pela polícia especial do presidente José Eduardo dos Santos, e este manifesta-se ausente, em gozo de férias a que já não tem direito.

Para mim, este senhor já não é presidente. Abandonou o lugar. Foi ao dentista e perdeu o lugar. 

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