Ilusão e Engano na Conta Geral do Estado

A Assembleia Nacional deverá aprovar, nos próximos dias, a Conta Geral do Estado de 2011, com mais de 70 por cento dos gastos orçamentados sem relatórios de execução. O Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2011, previa despesas na ordem dos 4.1 triliões de kwanzas (equivalente a US $43.9 biliões).

Segundo a Lei do Orçamento Geral de Estado, de 2010, “a Conta Geral do Estado compreende as contas de todos os órgãos integrados no Orçamento Geral de Estado”.

De acordo com documentos a que o Maka Angola teve acesso, alguns órgãos de soberania e dos ministérios não apresentaram os seus relatórios, conforme estipula a lei.

A Presidência da República e o Tribunal Supremo são os órgãos de soberania cujos relatórios de execução financeira não constam da Conta Geral do Estado. Ironicamente, os Serviços de Apoio do vice-presidente da República, na altura Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”, submeteram o seu relatório.

Dos 28 ministérios que compunham o governo, até às eleições do ano passado, 14 apresentaram os seus relatórios, assim como a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Os ministérios da Administração do Território; Administração Pública, Emprego e Segurança Social; Ambiente, Assistência e Reinserção Social, Defesa, Educação, Finanças, Interior, Justiça, Juventude e Desportos, Relações Exteriores, Saúde e Transportes, são os órgãos do governo em falta na prestação geral de contas.

Após as eleições do ano passado, o presidente José Eduardo dos Santos aumentou o número de pastas ministeriais para 33, no total.

Também não constam da Conta Geral do Estado o relatório de execução do plano de privatizações e a aplicação das suas receitas. O quadro é agravado pela omissão do “demonstrativo das participações do Estado nas empresas públicas”, como requer a Lei do OGE.

Os diferentes serviços de inteligência, que poderiam argumentar secretismo na prestação de contas, cumpriram com as suas obrigações legais de submeterem os seus relatórios de execução orçamental. Constam da lista de cumpridores o Serviço de Inteligência Externa (SIE), o Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) e o Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE).

Até o Estado Maior-General das Forças Armadas Angolanas (FAA), responsável pela operacionalidade das tropas e gestão de armamentos, apresentou as suas contas. Contrariamente, o Ministério da Defesa, a quem cabe a gestão política, não foi capaz de justificar o somatório dos seus gastos.

Lei Ignorada, Tribunal sem Serventia

Numa sucessão de atropelos à legislação em vigor, a Assembleia Nacional vai aprovar a Conta Geral do Estado sem o parecer do Tribunal de Contas, como estabelecido por lei.

De forma sucinta, no seu relatório anual, o referido órgão de fiscalização esclarece que “[a]té à presente data o Tribunal de Contas ainda não emitiu nenhum parecer sobre a Conta Geral do Estado”.

A 10 de Maio de 2012, o então ministro das Finanças, Carlos Alberto Lopes, declarou, em conferência de imprensa, que o governo já tinha elaborado a Conta Geral do Estado referente a 2010.

No entanto, essa conta “desapareceu” da memória do governo, sem ter merecido a discussão e aprovação pela Assembleia Nacional, como requer a lei. A conta de 2011 deveria ter sido aprovada em Junho de 2012, mas o presidente José Eduardo dos Santos, na sua qualidade de chefe do governo, nunca apresentou quaisquer justificações pela violação grosseira da Lei do OGE.

“Nós temos condições criadas desde o ano passado e já foi elaborada a conta geral do estado referente ao exercício económico de 2010. Está em processo de elaboração a conta geral do estado referente ao exercício económico de 2011, cujo prazo de apresentação é em finais do mês de Junho do corrente ano”, disse, na altura, Carlos Alberto Lopes.

Recentemente, o vice-presidente da bancada parlamentar do MPLA, Ferreira Pinto, disse à Angop que a discussão da Conta Geral do Gestão, no parlamento, “representa um marco histórico das finanças de Angola, consolidando as boas práticas de prestação de contas e divulgação dos resultados da gestão e fortalecendo o princípio da transparência no uso dos recursos públicos”.

Já o ministro das Finanças, Armando Manuel, num discurso proferido a 3 de Outubro, considerou que a discussão e aprovação da Conta Geral do Estado, como a “oportunidade ideal para se demonstrar publicamente a boa e regular aplicação dos recursos utilizados, em conformidade com as leis, os regulamentos e normas pertinentes, bem como evidenciar os resultados obtidos”.

O “Massacre” da PGR
 
Para ilustração da importância dos relatórios de execução orçamental, Maka Angola respiga alguns dados e preocupações apresentados pela Procuradoria-Geral da República.

No seu relatório, a PGR nota que algumas procuradorias provinciais funcionaram, em 2011, com uma verba mensal, para gastos correntes, equivalente a US $5,000, segundo “as quotas mensais atribuídas pelo Ministério das Finanças”.

“As dificuldades enfrentadas pelas Procuradorias Provinciais são a todos os níveis inclusive para obtenção de material de consumo corrente e material de consumo corrente especializado, tais como mandatos de soltura, mandatos de condução, livros de registo de prisão preventiva, livros de registo de presos e outros modelos tão indispensáveis na realização e aplicação da justiça”, reclama a PGR no seu relatório.

Segundo a PGR, “com o orçamento disponibilizado, que aliás, tem sido reconduzido, sem qualquer alteração nos últimos quatro anos, não se conseguiu no exercício findo fazer face aos direitos dos magistrados”.
 
“Assim, não foi possível pagar o seguro de saúde, bilhetes de passagem, combustível, telefones, energia ou água das residências para os magistrados do Ministério Público (…)”, revela a PGR.
 
Nas suas conclusões, a PGR manifestou a repetição do mesmo tipo de carências no exercício fiscal de 2012, devido à manutenção do mesmo orçamento.

“Esperamos que para o orçamento de 2013 o Executivo ou o Ministério das Finanças incrementem o orçamento, pois a tarefa de gerir com parcos fundos tem sido um verdadeiro massacre”, enfatiza o referido órgão.

Afinal, o slogan de campanha eleitoral de 2012 do partido no poder, o MPLA, “Crescer mais para distribuir melhor”, nem sequer se aplica ao alívio de instituições tão críticas como a PGR.

A História da Ilusão e do Engano

Com a aprovação da Conta Geral do Estado sem os relatórios de execução necessários à justificação de mais de 70 por cento do orçamento gasto, o presidente José Eduardo dos Santos cumpre mais um ciclo de ilusionismo político e gestão enganosa.

O seu discurso sobre o Estado da Nação, a 15 de Outubro, na Assembleia Nacional, teve o grande poder de desviar a atenção do seu exame, enquanto chefe do governo, na prestação de contas. Desenterrou um falso nacionalismo contra Portugal e promoveu a ilusão de que qualquer angolano pode acumular capital de forma primitiva, através do saque.

Há um atraso de um ano e quatro meses na votação da Conta Geral do Estado, ao arrepio da Lei do OGE, que exige a sua aprovação até 30 de Junho do ano seguinte.

Acima de tudo, o presidente conseguiu disfarçar a sua incompetência e a sua recalcitrante teimosia em gerir o país como se do quintal da sua casa particular se tratasse.

Enquanto chefe do governo não consegue cumprir com os requisitos mínimos legais de transparência que impôs a si mesmo. Enquanto chefe de Estado teima em sujeitar as políticas de Estado aos seus caprichos pessoais.

 

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