Os Ovos Podres do Presidente e a Culpa do MPLA

A recente afirmação de Isabel dos Santos, ao Financial Times, segundo a qual despertou para a vida empresarial aos seis anos, como vendedora de ovos, tornou-se já uma lenda popular.

Com o trabalho infantil da venda de ovos, Isabel dos Santos procurou justificar a origem da sua fortuna, que a alcandorou à lista dos bilionários e ao título da primeira mulher e a mais jovem bilionária Africana pela Forbes. A revista avaliou o património de Isabel dos Santos em dois biliões de dólares.

Em Angola, é conhecimento público que a riqueza de Isabel dos Santos se deve a actos de nepotismo, suborno e corrupção do seu pai, o presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 33 anos.

O modelo de distribuição dos negócios e da riqueza nacional pela sua família há muitos anos que tem a assinatura formal do próprio presidente.

Já lá vão os anos de pudor presidencial! A 17 de Março de 2001, a primeira-dama Ana Paula dos Santos escreveu ao secretário executivo para a Venda de Imóveis, a solicitar o trespasse, a seu favor, de uma fracção de um edifício na Rua Kwame Nkrumah, no Bairro Alvalade. Fê-lo na qualidade de simples funcionária do Comité Miss Angola e usou o fax desta instituição, na realidade uma empreitada sua, para enviar o documento.

Com a vitória militar de Fevereiro de 2002, José Eduardo dos Santos passou a ser mais aberto no seu envolvimento pessoal em actos que desonram o cargo de presidente da República e demonstram total falta de respeito para com a sociedade angolana.

A 6 de Setembro de 2002, o jurista Valter Virgílio Rodrigues registou a empresa ZE Designs Importação e Exportação, Limitada, na qualidade de “mandatário de José Eduardo dos Santos, casado, natural e residente em Luanda, no Futungo de Belas, Presidência da República, representante legal do seu filho menor, José Eduardo Paulino dos Santos, de 17 anos de idade (…)”. A então conservadora Isabel Tormenta dos Santos, que procedeu ao registo desta empresa, assim como de mais de uma centena e meia pertencentes à família presidencial, assim como a Manuel Vicente e ao general Kopelipa, faz hoje parte do executivo de Dos Santos, com o título de secretária de Estado da Justiça. É para guardar segredo.

José Paulino dos Santos “Coréon Dú”, outro dos filhos do presidente, começou a sua carreira empresarial pela mão do pai. Tendo atingido a maioridade, Coréon Dú usou o endereço do Palácio Presidencial, em 2006, como residência privada para criar a Semba Comunicação, juntamente com a irmã Tchizé dos Santos, que hoje gere o segundo canal da Televisão Pública de Angola (TPA 2). A Semba Comunicação recebe mais de 40 milhões de dólares do orçamento da Presidência para a gestão da TPA 2 e outras supostas acções de melhoria da imagem presidencial.

Na época da ditadura marxista-leninista, Isabel dos Santos aprendeu com o socialismo esquemático da mãe azerbaijana, Tatiana Kukanova. A livre iniciativa económica, o capitalismo, era crime. O Dúdú-Faz-Tudo, como também é conhecido José Paulino dos Santos, aprendeu já com o capitalismo selvagem do pai.

Por sua vez, os três filhos do casamento de José Eduardo dos Santos com Ana Paula dos Santos – Eduane Danilo, Joseana e Eduardo Breno – tiveram também um início de carreira empresarial em nada lendário. A 11 de Julho de 2007, Ana Paula dos Santos criou, com a irmã Artemísia e os três filhos, a sociedade anónima Deana Day Spa. A empresa criou, com o mesmo nome, o Centro de Beleza e Estética, à Marginal de Luanda.

O centro tem a seguinte estrutura societária: Ana Paula Cristóvão de Lemos dos Santos (49 porcento), Artemísia Cristóvão de Lemos (25 porcento), Eduane Danilo Lemos dos Santos (15 porcento), Joseana Lemos dos Santos (7 porcento), e Eduardo Breno Lemos dos Santos (4 porcento). Certamente, não foi com o salário de funcionária do Miss Angola, nem com as ajudas de custo, como primeira-dama, que Ana Paula dos Santos obteve milhões de dólares para investir no Deana Day Spa. Foi o presidente a contribuir com o seu salário pela participação dos então filhos menores? Nunca ganhou formalmente o suficiente para amealhar milhões de dólares. A seu tempo, essas questões terão de ter respostas claras em foro judicial.

No sentido dos ponteiros do relógio, a partir do canto superior esquerdo: Isabel dos Santos, Zenú, Tchizé dos Santos e Coréon Dú.

No sentido dos ponteiros do relógio, da esquerda para a direita: Isabel dos Santos, Zenú, Tchizé dos Santos e Coréon Dú.

A Distribuição da Riqueza Nacional

Aparentemente, o critério de distribuição de benefícios empresariais pelos filhos do presidente obedece ao critério da idade. Os mais velhos levam mais. É com essa lógica que se apressou a ascensão de José Filomeno dos Santos “Zenú”, o segundo filho de Dos Santos. O ano passado, o pai concedeu-lhe cinco biliões de dólares, para gerir como bem lhe aprouver, na qualidade de administrador do Fundo Soberano de Angola. Zenú fica assim mais perto de realizar uma fortuna um pouco abaixo da fasquia da sua irmã Isabel.

Para os detentores de poder, ambos os modelos económicos e de iniciativa pessoal são apenas uma evolução no seu discurso ideológico. Mas para a maioria dos angolanos, a diferença está apenas no nome que se atribui ao sofrimento. Nos anos em que Isabel dos Santos vendia ovos, a minha mãe amargou uma semana de cadeia, acompanhada de duas filhas de tenra idade, por sabotagem económica. O crime? Com o açúcar adquirido na loja do povo, a minha mãe levou dois quilos à Praia Pequena, para permuta por peixe. As outras mães levavam cerveja, arroz e outros produtos, a única maneira possível de complementar o sustento familiar em tempo de economia planificada e de racionamentos marxistas. Durante o julgamento, o juiz perguntou à minha mãe: “A senhora não tem vergonha de vender açúcar?” Já nessa altura só os dirigentes e seus filhos tinham direito a vender ovos e, para além disso, a pilhar os bens do Estado, com total impunidade.

Hoje, os filhos dessas mães oprimidas e violentadas na sua luta pela sobrevivência básica são obrigados a um voto de silêncio. Enquanto isso, os mesmos detentores do poder roubam desalmadamente, pisoteiam a Constituição e as leis deste país. Arbitrariamente, os mesmos dirigentes intimidam, processam, prendem e matam os filhos dessas mães que ousam denunciar ou protestar contra os seus atentados à dignidade humana e os seus crimes de lesa-pátria.

Esses dirigentes e os seus filhos têm uma grande virtude. Não têm consciência. Festejam, com requinte, o modo como desgraçam o povo angolano e saqueiam as riquezas do país. Dormem tranquilamente.

Tchizé dos Santos, outra das filhas presidenciais, já reclamou, e com razão, em nota recente ao Club-K, sobre a injustiça na distribuição de riquezas pelos filhos do presidente. A distribuição da riqueza nacional, ao nível da família presidencial, é iníqua. Tchizé tem duas grandes virtudes: é vocal e aberta. E o regime do pai deu à Tchizé e ao Coréon Dú a TPA 2. Logo, pode utilizar esse veículo para defender os interesses do povo angolano, sobre os quais demonstra um fio de preocupação, alguma consciência, e ganhar muito dinheiro à mesma. Contribuiria para o país e para dar outra imagem à família. Mostraria que nem todos os filhos do presidente se preocupam apenas com dinheiro, poder e fama. Daria capote à mana Isabel.

A Maquilhagem do Poder e a Culpa do MPLA

Em 1999 escrevi, no Baton da Ditadura, que JES é o principal promotor da corrupção em Angola. Fui bastante moderado. JES encarna o que há de pior na corrupção institucional, a total falta de vergonha e a arrogância compulsiva na realização e manutenção, à luz do dia, de actos ilegais, sobretudo os assaltos permanentes aos fundos públicos e bens do Estado.

No entanto, a culpa maior pela realidade actual de corrupção institucional, nepotismo e abuso de poder é da responsabilidade colectiva dos membros do Comité Central e do Bureau Político do MPLA,. Estes são os principais vectores quer de legitimação do poder quer da mobilização de apoios para José Eduardo dos Santos, que também preside o partido no poder há 33 anos. Os dirigentes do MPLA tornaram-se, para além de corruptos, em simples marionetas das habilidades políticas do seu presidente. Contentam-se com o que lhes cabe de riqueza ilícita e com a desgraça dos angolanos que um dia juraram defender e servir, como patriotas.

A maior batalha que os angolanos deverão travar, entre si, quando JES sair ou for forçado a abandonar o poder, será a desarticulação do sistema de corrupção institucional. É esse sistema que consagra o nepotismo e a delinquência desabrida na gestão do tesouro nacional e que criou uma classe de novos-ricos assenhorados em novos-colonos. É esse sistema que destruiu e impede a instauração do princípio da competência, do conhecimento, da dedicação e da valorização dos recursos humanos na função pública. É esse sistema que transformou o conceito de patriotismo em cumplicidade e servilismo, em nome do MPLA, para com os que estão no poder a saquear o país. É esse o sistema que permite a JES culpar o colonialismo português pela sua própria incapacidade de gestão e manifestações de senilidade. É esse o sistema que festeja o luxo na miséria.

É preciso encontrar um novo rumo para a coexistência pacífica e a sã convivência política, sociocultural e económica entre os angolanos. Ao tempo do socialismo, a palavra de ordem era “ao inimigo nem um palmo da nossa terra”.

A maioria dos angolanos conserva um grande trunfo individual, o poder da consciência. É fundamental mobilizar esse poder. “À corrupção institucional nem um palmo da minha consciência” deve ser uma lanterna para que cada cidadão percorra os escuros labirintos da função pública e da noção de poder político de JES, do Kopelipa e do MPLA.

Na soma desse poder individual, aqueles que prejudicam os interesses do povo acabarão por seguir e cumprir com o processo de moralização da sociedade, sem que haja lugar para mais conflitos ou mais sofrimento para a sociedade angolana.

A Distribuição da Riqueza Nacional

Aparentemente, o critério de distribuição de benefícios empresariais pelos filhos do presidente, obedece ao critério da idade. Os mais velhos levam mais. É com essa lógica que se apressou a ascensão de José Filomeno dos Santos “Zenú”, o segundo filho de Dos Santos. O ano passado, o pai concedeu-lhe 5 biliões de dólares, para gerir como bem lhe aprouver, na qualidade de administrador do Fundo Soberano de Angola. Zenú fica assim mais perto de realizar uma fortuna um pouco abaixo da fasquia da sua irmã Isabel.

Para os detentores de poder, ambos os modelos económicos e de iniciativa pessoal são apenas uma evolução no seu discurso ideológico. Mas para a maioria dos angolanos, a diferença está apenas no nome que se atribui ao seu sofrimento. Nos anos em que Isabel dos Santos vendia ovos, a minha mãe amargou uma semana de cadeia, acompanhada de duas filhas de tenra idade, por sabotagem económica. O crime? Com o açúcar adquirido na loja do povo, a minha mãe levou dois quilos à Praia Pequena, para permuta por peixe. As outras mães levavam cerveja, arroz e outros produtos, a única maneira possível de complementar o sustento familiar em tempo de economia planificada e de racionamentos marxistas. Durante o julgamento, o juiz perguntou à minha mãe: “A senhora não tem vergonha de vender açúcar?” Já nessa altura só os dirigentes e seus filhos tinham direito a vender ovos e, para além disso, a pilhar os bens do Estado, com total impunidade.

Hoje, os filhos dessas mães oprimidas e violentadas na sua luta pela sobrevivência básica são obrigados a um voto de silêncio. Enquanto isso, os mesmos detentores do poder roubam desalmadamente, pisoteiam a Constituição e as leis deste país. Arbitrariamente, os mesmos dirigentes, intimidam, processam, prendem e matam os filhos dessas mães que ousam denunciar ou protestar contra os seus atentados à dignidade humana e os seus crimes de lesa-pátria.

Esses dirigentes e os seus filhos têm uma grande virtude. Não têm consciência. Festejam, com requinte, o modo como desgraçam o povo angolano e saqueiam as riquezas do país. Dormem tranquilamente.

Tchizé dos Santos, outra das filhas presidenciais, já reclamou, e com razão, em nota recente ao Club-K, sobre a injustiça na distribuição de riquezas pelos filhos do presidente. A distribuição da riqueza nacional, ao nível da família presidencial, é iníqua. Tchizé tem duas grandes virtudes: é vocal e aberta. E o regime do pai deu à Tchizé e ao Coréon Dú a TPA 2. Logo, pode utilizar esse veículo para defender os interesses do povo angolano, sobre os quais demonstra um fio de preocupação, alguma consciência, e ganhar muito dinheiro à mesma. Contribuiria para o país e para dar outra imagem à família. Mostraria que nem todos os filhos do presidente se preocupam apenas com dinheiro, poder e fama. Daria capote à mana Isabel.

A Maquilhagem do Poder e a Culpa do MPLA

Em 1999 escrevi, no Baton da Ditadura, que JES é o principal promotor da corrupção em Angola. Fui bastante modesto. JES encarna o que há de pior na corrupção institucional, a total falta de vergonha e a arrogância compulsiva na realização e manutenção, à luz do dia, de actos ilegais, sobretudo os assaltos permanentes aos fundos públicos e bens do Estado.

No entanto, a culpa maior pela realidade actual de corrupção institucional, nepotismo e abuso de poder é da responsabilidade colectiva dos membros do Comité Central e do Bureau Político do MPLA. Estes são os principais vectores quer de legitimação do poder quer da mobilização de apoios para José Eduardo dos Santos, que também preside ao partido no poder há 33 anos. Os dirigentes do MPLA tornaram-se, para além de corruptos, em simples marionetas das habilidades políticas do seu presidente. Contentam-se com o que lhes cabe de riqueza ilícita e com a desgraça dos angolanos que um dia juraram defender e servir, como patriotas.

A maior batalha que os angolanos deverão travar, entre si, quando JES sair ou for forçado a abandonar o poder, será a desarticulação do sistema de corrupção institucional. É esse sistema que consagra o nepotismo e a delinquência desabrida na gestão do tesouro nacional e criou uma classe de novos-ricos assenhorados em novos-colonos. É esse sistema que destruiu e impede a instauração do princípio da competência, do conhecimento, da dedicação e da valorização dos recursos humanos na função pública. É esse sistema que transformou o conceito de patriotismo em cumplicidade e servilismo, em nome do MPLA, para com os que estão no poder a saquear o país. É esse o sistema que permite a JES culpar o colonialismo português pela sua própria incapacidade de gestão e manifestações de senilidade. É esse o sistema que festeja o luxo na miséria.

É preciso encontrar um novo rumo para a coexistência pacífica e a sã convivência política, sócio-cultural e económica entre os angolanos. Ao tempo do socialismo, a palavra de ordem era “ao inimigo nem um palmo da nossa terra”.

A maioria dos angolanos conserva um grande trunfo individual, o poder da consciência. É fundamental mobilizar esse poder. “À corrupção institucional nem um palmo da minha consciência” deve ser uma lanterna com que cada cidadão deve percorrer os escuros labirintos da função pública e da noção de poder político de JES, do Kopelipa e do MPLA.

Na soma desse poder individual, aqueles que prejudicam os interesses do povo acabarão por seguir e cumprir com o processo de moralização da sociedade, sem que haja lugar para mais conflitos ou mais sofrimento para a sociedade angolana.

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