Desalojamentos, Demolições e Desespero em Cacuaco
Por Alexandre Neto:
Milhares de moradores do bairro Mayombe, no município de Cacuaco, em Luanda, que foram retirados à força de suas casas, numa operação de demolições em massa que teve lugar a 1 e 2 de Fevereiro, continuam a viver em situação precária, sem acesso a água potável, energia eléctrica ou saneamento básico.
Mais de cinco mil pessoas foram desalojadas nesta operação, que contou com centenas de efectivos das forças militares, policiais e de segurança, apoiados por sete helicópteros.
As famílias desalojadas foram transferidas para a zona da Kaop-Funda, uma área sem qualquer tipo de abrigo ou infra-estruturas básicas, criando uma situação de potencial desastre humanitário.
O governo tem justificado as operações de demolição em Cacuaco como actos de reposição da legalidade, caracterizando os bairros demolidos como ocupação ilegal de terras por parte dos moradores. A 8 de Fevereiro, a administradora municipal do Cacuaco, Rosa Janota Dias dos Santos, afirmou à Angop que “esta invasão de ocupação de terrenos a nível do município de Cacuaco teve início em 2005, tendo começado na reserva fundiária do Sequele, que hoje tem o nome de Belo Monte, e deu sequência na zona da Nova Centralidade, onde os invasores pretendiam ocupar a zona da centralidade, reserva fundiária do Estado”.
Segundo as informações oficiais, foram demolidas 5 400 habitações de chapa no Mayombe e foram registadas 1700 famílias desalojadas. A administradora do Cacuaco anunciou que as famílias irão receber um talhão de 10 por 15 metros na Kaop-Funda, onde poderão erguer as suas habitações.
Mas o processo de atribuição de lotes de terreno tem sido moroso e caótico, e milhares de pessoas continuam a viver, há mais de um mês, sem electricidade ou saneamento básico. Além disso, a zona não tem qualquer posto médico ou escola. “A vida aqui está péssima. Aqui, as pessoas estão a nascer no capim e não podem construir casas porque a nossa estadia é provisória”, lamenta a desalojada Constância António. “Estamos aqui há um mês. Chuva por cima das crianças, colchões e tudo estragado. Falta água, alimentos. As crianças aqui não estudam. Isto está muito complicado”, acrescentou. Constância António apela às autoridades, em desespero, para que lhes sejam providenciadas tendas, ao menos, para se abrigarem do sol e da chuva.
Ao invés de serviços sociais para ajudar os desalojados, centenas de polícias e militares instalaram-se em tendas para os vigiar e reprimir. Estão também presentes militares do Destacamento Central de Protecção e Segurança da Casa Militar da Presidência da República (DCPS) afectos à Unidade de Guarda Presidencial (UGP). Qualquer aglomeração de pessoas, tanto no Mayombe como na Kaop, passou a ser um acto de hostilidade contras as autoridades, e as detenções arbitrárias tornaram-se rotina.
Dados não confirmados dão conta da detenção de mais de cem indivíduos desde o início das operações. Augusto Jacques disse ao Maka Angola que o seu cunhado, identificado apenas pelo nome de Adriano, foi detido a 4 de Fevereiro, juntamente com outros sete moradores, quando se insurgiam contra as demolições que estavam a ter lugar em Mayombe.
Outra desalojada, Formosa Neves Manso, contou ao Maka Angola que os agentes policiais detiveram o seu marido, Jeremias Fernando João Kubi, depois de uma reunião de moradores, a 4 de Fevereiro. “No regresso a casa, a polícia interpelou-o.”. O seu crime foi ter reunido com outros moradores. Jeremias Fernando João Kubi foi julgado e condenado a oito meses de prisão. Formosa Neves Manso revelou ainda que teve de pagar uma multa de Kz 74 mil, para redução da pena do marido para três meses.
O Maka Angola teve acesso a uma lista do Tribunal Municipal do Cacuaco com os nomes de 40 moradores do Mayombe detidos entre 2 e 4 de Fevereiro.
De acordo com vários depoimentos, os julgamentos foram conduzidos de forma sumária. Vários detidos contaram que o juiz apenas perguntou aos réus onde viviam. Quando os acusados respondiam que eram moradores do Mayombe, eram imediatamente condenados a penas de prisão e/ou multa. As condenações, que incluíram penas de prisão até oito meses e multas até Kz 80 mil, foram por ocupação ilegal de terrenos e por desobediência às autoridades. Os réus dizem ter tido acesso a representação legal por parte de defensores oficiosos designados pelo tribunal, mas não lhes foi permitido refutar perante o juiz as acusações de que eram alvo, nem apresentar testemunhas. Familiares dos detidos disseram ainda que tinham sido impedidos pela Polícia de Intervenção Rápida de entrar no tribunal e assistir aos julgamentos.
Segundo a Human Rights Watch, na pessoa de Leslie Lefkow, directora-adjunta para África desta organização, os julgamentos sumários não respeitaram os procedimentos legais nem os padrões internacionais de justiça. “As autoridades devem parar imediatamente de submeter as vítimas de despejos forçados a detenções, a julgamentos injustos e à prisão, e de impedi-las de se reunirem com quem bem entenderem.”.
Por sua vez, o presidente do maior partido da oposição, Isaías Samakuva, e mais dois deputados da UNITA foram impedidos de visitar a Kaop a 23 de Fevereiro. Samakuva assegurou à Lusa que as autoridades tinham sido previamente informadas da visita e confirmaram que não havia “nenhum inconveniente”. Um forte dispositivo policial, assistido por três helicópteros, impediu a delegação da UNITA de entrar na zona. Segundo Samakuva, “o objectivo da nossa deslocação era visitar os populares que estavam a mandar-me mensagens, pedindo a minha presença no local. Levei comigo três cisternas de água, alguns fardos, bens alimentares e alguns medicamentos”.
A administradora do Cacuaco adiantou que as famílias desalojadas, a quem estão a ser distribuídos os loteamentos de 10 por 15 metros, poderão “de forma organizada […] considerar-se munícipes de Cacuaco”. Porém, a referida zona está abrangida pela reserva fundiária do Estado, e os novos moradores poderão mais uma vez ser expulsos do local. Além disso, a distribuição dos lotes de terreno está a acontecer sem qualquer registo oficial, e aos novos moradores não é dada nenhuma documentação que confirme a posse da terra. Sem nenhum registo oficial da atribuição dos lotes de terreno, estes moradores poderão encontrar-se na mesma situação no futuro, com as autoridades a invocarem posse ilegal de terras como justificação para demolições e despejos forçados.
Num outro caso ilustrativo da arbitrariedade e das contradições da administração local, 50 famílias de antigos combatentes moradores no Sequele, Belo Monte, também no município de Cacuaco, que habitavam a zona desde 2002 enquanto beneficiários dos loteamentos concedidos à Associação Nacional de Deficientes de Angola, denunciaram em Novembro passado à Voz da América (VOA) a venda da área onde residiam. Segundo o relato dos moradores, dois membros da administração de Cacuaco, identificados apenas como Kufuna e João Gamba, dirigiram-se aos moradores munidos de um documento oficial que certificava a aquisição dos terrenos do bairro por um cidadão português, que os acompanhava.
Em reacção, a administradora do município afirmou à VOA que desconhecia a venda dos terrenos e reconheceu a sua incompetência como gestora do município e dos seus funcionários: “Isto é como os filhos em casa: um sai e você pensa que foi à escola; afinal não foi, e é assim.”