O Poço de Água da Chevron e a Elite do Talatona
A petrolífera multinacional americana Chevron inaugurará em breve um novo empreendimento em Talatona, a zona residencial mais nobre de Luanda: um poço de água para consumo dos seus funcionários.
O poço, o primeiro projecto deste tipo, destinado a servir expatriados, ricos e privilegiados num condomínio privado, irá bombear água para as cem residências que compõem o Condomínio Monte Belo, onde vivem muitos dos funcionários expatriados da Chevron.
Luanda é uma cidade caótica, em franca expansão, onde vivem actualmente mais de cinco milhões de pessoas. Tem tido graves problemas de abastecimento de água e luz desde as eleições, realizadas a 31 de Agosto último.
O Condomínio Monte Belo é um dos muitos condomínios privados de luxo que se têm multiplicado na zona sul de Luanda, e o seu valor imobiliário ultrapassa os US $250 milhões. A Chevron encomendou este projecto imobiliário à multinacional brasileira Odebrecht, que por sua vez se associou a uma empresa local, a Sakus Empreendimentos e Participações. Esta é detida por executivos da Sonangol. Actualmente, a Sakus é gerida por Mirco Martins, testa-de-ferro e enteado do ex-presidente do conselho de administração da Sonangol e actual vice-presidente da República, Manuel Vicente.
Em Angola, não é invulgar este tipo de projectos de luxo recorrerem a medidas rudimentares para colmatar a ausência de infra-estruturas básicas, tais como água canalizada.
Segundo fontes a que o Maka Angola teve acesso, os expatriados americanos têm exigido testes regulares à água que é depositada diariamente por cisternas nos tanques subterrâneos do condomínio. Não há como confiar na origem da água transportada pelas cisternas, que tanto pode ser proveniente de rios como do sistema de água canalizada. Como alternativa, as famílias americanas são aconselhadas a usar água engarrafada para consumir, cozinhar, e até lavar os dentes. No Monte Belo, os expatriados da Chevron continuarão a comprar água engarrafada, porque a água do poço, logo que esteja operacional, será usada apenas para os restantes fins domésticos.
As preocupações das famílias americanas com a qualidade da água contrastam fortemente com as da elite nacional. Esta última parece não estar preocupada com a proveniência ou qualidade da água que chega aos seus tanques subterrâneos, e está mais interessada em adquirir bens de luxo. De facto, esta elite está em competição aberta com a oligarquia russa e de outras máfias-estado pelo mundo fora, no que toca ao desperdício de recursos públicos no consumo desenfreado de bens de luxo. Cada vez mais, novos-ricos angolanos compram Ferraris para enfeitar as suas garagens, da mesma forma que coleccionadores de arte compram quadros para pendurar nas suas paredes.
Para a maioria dos angolanos comuns, a falta de água canalizada e a falta de electricidade é parte da vida diária. Na Lunda-Sul, uma província rica em diamantes, menos de sete por cento da população local tem acesso a água potável.
Os dirigentes angolanos têm vindo a afirmar, há vários anos, que lideram uma das economias com maior índice de crescimento a nível mundial. Angola é dos países africanos com maiores recursos hídricos. Mas os biliões de dólares provenientes das receitas do petróleo continuam a ser desviados pelos governantes ou desbaratados devido à incompetência crónica e à má gestão. As carências de água e luz, na cidade, são actualmente mais graves do que nos piores momentos da guerra civil.
Durante o período eleitoral, o partido no poder (MPLA) afirmou que em 2011 o acesso a água potável atingiu 56 por cento da população urbana no país, comparado com 33 por cento em 2009. A propaganda interna e o fascínio internacional com o crescimento económico de Angola credibilizaram esses dados estatísticos tão inflamados. A combinação desses dois factores tem sido preponderante na criação da imagem de um país em franca aceleração. De facto, está a acelerar – mas para onde vai?
O ano passado, o presidente José Eduardo dos Santos aprovou a criação do Fundo Petrolífero, com uma dotação de cem mil barris diários e a missão de investir em infra-estruturas de distribuição de água e electricidade. Depois das eleições, o mesmo fundo, agora com uma dotação de US $5 biliões, foi transformado no Fundo Soberano de Angola (FSDEA), sem qualquer procedimento legal. Numa demonstração inequívoca de nepotismo e pilhagem de recursos públicos, o presidente nomeou o seu filho, Filomeno José dos Santos “Zénu”, como administrador do FSDEA. A missão do fundo mudou repentinamente. Em vez de projectos hídricos e energéticos, este irá agora ser usado para promover investimentos no Ocidente e para construir hotéis e infra-estruturas turísticas.
Que tipo de desenvolvimento económico pode ser alcançado quando há falhas constantes de água e de electricidade nas zonas beneficiárias do país? Não é de esperar que Angola possa produzir tamanho milagre. Entretanto, é importante resolver rapidamente o problema de falta de acesso a água canalizada.
Agostinho Martins, um administrador de classe média que vive no centro de Luanda, gasta mais de US $300 mensais para encher o tanque do seu apartamento de dois quartos, de modo a providenciar a água necessária ao seu agregado familiar de três pessoas. No entanto, a Empresa Pública de Água de Luanda (EPAL) cobra-lhe mais de US $300 por mês por consumo de água que, na realidade, não forneceu, e ameaça cortar o abastecimento caso o cidadão não efectue o pagamento das facturas. “Eu apenas me rio e digo: ‘Podem cortar’”, desabafa Agostinho com um sorriso irónico.
Recentemente, o secretário-geral do MPLA apelou à paciência dos cidadãos em relação às falhas recorrentes de água e electricidade em Luanda. “O desenvolvimento é gradual. O dinheiro não chega para tudo e precisamos de entender esta situação.”
Após as eleições, o governo justificou a falta de água em Luanda com o período de seca que se vivia no país. Mas a natureza negou-se a qualquer responsabilidade e, logo a seguir, providenciou chuvas abundantes.
Então, o porta-voz da EPAL, Domingos Paciência, avançou com outra explicação. Afirmou publicamente que a sua empresa não tinha combustível para alimentar os geradores nos centros de distribuição de água.
Angola é o segundo maior produtor de petróleo em África, depois da Nigéria. Justificar a falta de água por carência de combustível é um argumento que não parece razoável.
Além disso, Luanda tem funcionado a combustível. As falhas de abastecimento eléctrico têm sido constantes. As iniciativas de reconstrução nacional, implementadas ao abrigo dos acordos com a China, de fornecimento de petróleo em troca de infra-estruturas, não têm incluído projectos substanciais de abastecimento de água e electricidade.
Enquanto a Chevron tem a possibilidade de construir um poço de abastecimento de água para os seus empregados a um custo razoável, o mesmo tipo de solução fácil e financeiramente viável não se aplica às falhas de electricidade. Os escritórios da Chevron, assim como muitos edifícios comerciais em Luanda, incluindo até o Palácio Presidencial, consomem mais electricidade produzida por geradores do que energia distribuída pela rede eléctrica. Alguns edifícios de escritórios no centro da cidade gastam US $30 mil mensalmente em combustível para os seus geradores.
Esse tipo de soluções, independentemente do custo, não constitui uma alternativa de longo prazo que possa fundamentar o crescimento económico em Angola. Em vez de soluções de recurso e desculpas oficiais, o país necessita de um programa sério para a construção de infra-estruturas, bem como de planeamento urbano e de mudanças institucionais que possam constituir uma fundação sólida para um desenvolvimento socioeconómico sustentável.
Um artigo recente no New York Times foca precisamente este tema. John Briscoe, professor de Engenharia e Saúde Ambiental na Universidade de Harvard, disse ao jornal diário que “no mundo em desenvolvimento, as necessidades urgentes de acesso a água devem centrar-se na criação de infra-estruturas e no funcionamento eficiente das instituições administrativas”.
Podemos apenas ter esperança de que os governantes do MPLA estejam, actualmente, a trabalhar num plano sensato, ao invés de pensarem em maneiras de manipular as estatísticas ou em novas desculpas para justificar as faltas de água e de luz.