Corpo Clínico Assassino no Ngangula

A gemer de dores, Florinda Domingos contorcia-se no asfalto do parque de estacionamento do Hospital Especializado Materno-Infantil Augusto N’gangula, em Luanda.

Aos gritos, um general à paisana exigia do corpo médico atenção à parturiente, que havia sido retirada da sala de espera, pelos guardas, por ordens do pessoal clínico. Familiares seus e de alguns pacientes também se insurgiam, na noite de 9 de Setembro, contra os serviços hospitalares que ignoravam os pedidos de socorro.

Flora Rosita explicou ao Maka Angola que a sua cunhada  “foi enxotada da sala de espera pelos guardas, porque as doutoras disseram que só tinha autorização para entrar na sala de espera à meia-noite”.

Por sua vez, outra cunhada, Cândida Nimila, explicou que o corpo clínico havia determinado que Florinda Domingos seria assistida apenas à meia-noite, para dar inicio ao parto prematuro, ao sétimo mês de gravidez.

Maka Angola espreitou a sala de espera e constatou que havia várias cadeiras desocupadas. Entre os presentes na sala, a maioria era constituída por acompanhantes de pacientes.

Eram exactamente 22H25 quando Florinda Domingos, de 22 anos, deu à luz  um menino, no chão do parque, entre duas ambulâncias estacionadas, que serviam de biombos, sem assistência médica e com o testemunho de guardas, familiares e do jornalista do Maka Angola presente no local.

Duas enfermeiras, mal-educadas e propositadamente pouco expeditas, dirigiram-se por fim à parturiente. Na caminhada, tiveram tempo de expedir ordens aos guardas e ao agente da Polícia Nacional para expulsarem os que exigiam celeridade nos atendimento a Florinda Domingos e ao seu recém-nascido.

Só passados muitos minutos as enfermeiras finalmente prestaram alguma atenção à parturiente , com o corte do cordão umbilical da criança.

Uma enfermeira, pachorrenta, levou o recém nascido ao colo, coberto por um pano da mãe. A outra enfermeira segurou Florinda Domingos pela mão e pediu-a para caminhar até ao interior da unidade hospital, a vários metros de distância. Não havia uma maca ou uma cadeira de rodas para transportar a paciente. À família, coube a tarefa de limpar o local onde nasceu a criança.

O bébé acabou por falecer na incubadora. “Eles [o corpo clínico] estavam a esconder a verdade. Hoje, no período da manhã, eu tive de insistir muito para que nos permitissem ver o bébé, porque era um direito da família. Só assim nos disseram que o bébé estava morto”, informou  Cândida Nimila.

Segundo o certidão de óbito passada pelo hospital, a criança faleceu de madrugada, por volta das 4H00 e os familiares apenas tiveram conhecimento perto das 10H00, apesar de terem pernoitado no local.

Em conversa com os guardas no local e familiares de outros pacientes, Maka Angola soube que os esquemas de corrupção ditam quem deve ou não estar na sala de espera e  as prioridades no atendimento pelo corpo clínico. A família de Florinda Domingos, da zona da Boavista e de condição humilde, chegou a pagar 2,000 kwanzas a uma das enfermeiras mas aparentemente este valor não foi suficiente para assegurar um lugar na sala de espera.  

“Sem vergonha sem nada, a enfermeira nem sequer devolveu os 2,000 kwanzas depois do que aconteceu”, lamentou Cândida Nimila.

Sem nome, o recém-nascido foi enterrado hoje, no Cemitério do 14, em Luanda.

 

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