Kangamba: o Criminoso-Candidato do MPLA

Durante o acto de homenagem e apresentação da candidatura do presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, a 23 de Junho passado, no Estádio 11 de Novembro, poucos perceberam a sombra e o verdadeiro poder de um outro Dos Santos.

No palco montado no exterior do estádio, onde desfilavam conceituados cantores angolanos e onde o presidente deveria ter falado às multidões, outro nome adornava o cenário, em dois grandes cartazes junto ao palco: o do controverso empresário Bento Kangamba, de seu nome próprio Bento dos Santos, de 47 anos.

Aquele acto foi, afinal, mais um golpe magistral de campanha pessoal do autodenominado empresário da juventude e presidente do Kabuscorp F.C., que concorre ao cargo de deputado nas eleições previstas para o próximo dia 31 de Agosto. O referido candidato é o secretário do comité provincial de Luanda do MPLA para organização e mobilização periférica e rural de Luanda.

Como é que Bento Kangamba adquiriu tanto poder para, inclusive, usar um acto destinado ao presidente José Eduardo dos Santos, obreiro do culto de personalidade, para sua autopromoção? Esta questão conduz a uma outra mais preocupante e de gravidade nacional. Como é que um indivíduo condenado pela justiça, com cadastro criminal, pode concorrer ao cargo de deputado?

A presente investigação traz a lume o extraordinário percurso de Bento Kangamba, para quem a lei e as instituições do Estado, incluindo a presidência, se sujeitam à sua colorida e sinistra personalidade.

A Lei e os Crimes

A Constituição angolana, promulgada pelo presidente José Eduardo dos Santos a 21 de Janeiro de 2010, estabelece como inelegíveis a deputados, de entre outros, os cidadãos “que tenham sido condenados com pena de prisão superior a dois anos” (Art. 145.º, n.º 1, e).

A 27 de Outubro de 2000, o Tribunal Supremo Militar condenou o então brigadeiro na reserva Bento dos Santos, mais conhecido por Bento Kangamba, a uma pena única de dois anos e oito meses de prisão maior, por cúmulo jurídico, como autor de crime de conduta indecorosa, burla por defraudação e dois crimes de falsificação de documentos. O empresário foi ainda condenado a pagar uma indemnização no valor de US $427,531 à empresa portuguesa Filapor – Comércio Internacional Lda., com sede em Portugal, que foi vítima de burla.

O caso remonta a Março de 1996, quando o então coronel das Forças Armadas Angolanas (FAA) e logístico da 16.ª Agrupação do Comando Operacional do Cuango, Bento dos Santos, fraudulentamente importou à Filapor mercadoria no valor de US $286,532, em nome da Direcção da Logística do Estado-Maior do Exército. Na realidade, conforme o Acórdão do Tribunal Supremo Militar, os contentores de “óleo alimentar, atum, sardinha, frigoríficos, mobiliário diverso, colchões e equipamento desportivo” destinavam-se à candonga. “Todas as mercadorias foram recebidas por Bento dos Santos ‘Kangamba’, comercializadas por si, em proveito próprio, nos mercados informais da cidade de Luanda e em localidades das províncias da Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico, não efectuando o pagamento devido à empresa do seu fornecedor ou seus sócios em Luanda”, lê-se no Acórdão.

Sobre a condenação e a atitude do condenado em não pagar a indemnização, o então ministro da Defesa, general Kundi Paihama, escreveu, a 17 de Dezembro de 2001, ao então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Luís Amado. “Expresso o meu sentimento de reprovação pela prática criminosa do réu supracitado, cujo comportamento mereceu condenação do Supremo Tribunal Militar.” O ministro sugeriu os passos legais para o ressarcimento da dívida ao empresário Manuel Lapas, sócio-gerente da Filapor, a quem Bento dos Santos, ou simplesmente Bento Kangamba, havia enganado com documentos falsos que lhe conferiam poderes para negociar em nome da Direcção Logística do Estado-Maior do Exército.

No ano seguinte, a 19 de Junho de 2002, o Tribunal Supremo condenou Bento Kangamba à pena de quatro anos de prisão maior, por crime de burla por defraudação, bem como ao pagamento de uma indemnização de US $75 mil às empresas Nutritiva e Lokali.

Por sua vez, a 7 de Maio de 2012, um tribunal de Sintra, em Portugal, ordenou a penhora de bens detidos por Bento dos Santos, o Kangamba, nesse país europeu, para a execução da dívida de mais de um milhão de euros que este deve a Manuel Lapas. Entre os bens penhorados, constam um apartamento de Bento Kangamba em Oeiras, duas viaturas de luxo Mercedes-Benz e seis contas bancários no Millennium BCP e no Banco Espírito Santo, com um valor irrisório e total de €15,035.

Ironicamente, o autoproclamado empresário da juventude é, em Lisboa, um simples assalariado da firma Lapigema – Lapidação e Comércio de Gemas, Lda., sedeada no Estoril. Com a categoria profissional de prospector de compras, o general Bento dos Santos aufere, em Portugal, um salário mensal de €485. Por se tratar de um valor correspondente ao salário mínimo nacional, em Portugal, a sua entidade patronal, Lapigema, declarou, a 17 de Maio passado, que o referido salário é “impenhorável”, escusando-se, desse modo, a executar a Ordem n.º PE/333/2012, do Processo 11249/12.3TSNT, sobre a revisão do Acórdão do Tribunal Supremo Militar de Angola, que condenou o antigo logístico. Para o efeito, a empresa confirmou o pagamento a Bento Kangamba do salário correspondente ao mês de Abril, tendo anexado o recibo de remunerações em carta dirigida ao executor da penhora.

Certamente, a ligação do candidato a deputado do MPLA, Bento Kangamba, à Lapigema será alvo de diligente investigação, noutra ocasião.

Em entrevista recente à Rádio Ecclésia, Bento Kangamba justificou a sua detenção em termos pouco compreensíveis, como se se tratasse de uma invenção por parte de pessoas invejosas. “Fui preso porquê? Porque em 97-96, eu dei a cara como pessoa que tem dinheiro, para defender a greve dos professores e da educação. E as pessoas mais invejosas da vida, que não gostam de defender a vida das populações.”

Como é que Bento Kangamba tem conseguido pisotear a lei? Na entrevista à Rádio Ecclésia, foi peremptório: “Neste país eu sou mais do que ministro!”

Na sequência da condenação pelo Tribunal Supremo Militar, em 2000, o MPLA expulsou Bento Kangamba do seu comité central e das suas fileiras. No entanto, em 2009, o partido readmitiu no seu comité central, mais uma vez, o militante que havia saneado por práticas criminosas.

Em 2010, Bento Kangamba passou a fazer parte da família presidencial, ao desposar Avelina Escórcio dos Santos, filha de Avelino dos Santos, o irmão mais velho de José Eduardo dos Santos. O chefe de Estado brindou a cerimónia de alembamento com a sua presença. Para padrinho, Kangamba escolheu uma figura do círculo presidencial, o general Higino Carneiro, membro do Bureau Político do MPLA e chefe-adjunto da sua bancada parlamentar.

José Eduardo dos Santos, na qualidade de comandante-em-chefe das FAA, promoveu, em Abril passado, Bento Kangamba ao grau militar de general de três estrelas. Apesar de ter passado à reforma antes da condenação, em 2000, este membro do Comité Central do MPLA tem vindo a ser promovido, no exército, sem justificação aparente.

O Braço Longo do Regime

A 7 de Março passado, o vice-presidente do clube de futebol do general Kangamba, Raul Mendonça, dirigiu pessoalmente um grupo de milícias que raptou, junto a uma estação móvel da Polícia Nacional no Cazenga, em Luanda, os jovens Mário Domingos e Kimbamba. Estes têm organizado manifestações que exigem a demissão do presidente José Eduardo dos Santos.

“Eu agarrei-me a uma barra da estação móvel da polícia e os atacantes deram-nos choques eléctricos, espancaram-nos e tiraram-nos os telemóveis e os documentos em frente aos agentes da polícia, que apenas assistiram sem fazer nada”, disse Mário Domingos.

As vítimas foram em seguida apresentadas a Raul Mendonça, vice-presidente do Kabuscorp F.C.

“O Sr. Raul prometeu-nos dinheiro para pararmos de organizar manifestações contra o presidente José Eduardo dos Santos”, explicou Mário Domingos.

O general Bento Kangamba tem sido acusado, em várias ocasiões, de estar por detrás das milícias pró-dos Santos que têm perseguido os líderes do movimento contestatário com violentos ataques e raptos. A 4 de Junho, o general Kangamba negou, em declarações à Rádio Ecclésia, qualquer envolvimento com as milícias. “Fui promovido a general de três estrelas para comandar milícias? Isto é falta de respeito. É inveja”, disse.

No entanto, Mário Domingos e Kimbamba presenciaram quando Raul Mendonça deu ordens aos seus capangas. “Ele disse que nós éramos indivíduos teimosos, que queríamos ser heróis e morrer pelo povo. Então ele disse aos homens dele que se livrassem de nós.” Os atacantes levaram as vítimas para um aterro.

Mário Domingos relatou ainda: “Naquele local fomos torturados com choques eléctricos e pancadaria. Mas à volta havia pessoas que ouviram os nossos gritos e vieram ver o que se passava. Eles levaram-nos para os carros outra vez e levaram-nos para um outro aterro, mais deserto, onde continuaram a torturar-nos, mas também ali havia pessoas que nos ouviram gritar.”

A Inelegibilidade do Candidato

Como pode o Tribunal Constitucional, que foi minucioso na recusa de candidaturas da oposição, ao ponto de remeter alguns processos para investigação criminal, ter permitido a candidatura de Bento Kangamba, que ocupa o 60.º lugar na lista do MPLA? Que certidão de registo criminal terá Bento Kangamba apresentado ao Tribunal Constitucional?

Poderia ser invocado o argumento de uma amnistia, uma vez que o presidente José Eduardo dos Santos, desde 2000, decretou várias. Todavia, afasta-se essa possibilidade, até porque o condenado cumpriu pena na Comarca de Luanda e a sentença continua a ser executada, ora em Portugal. O próprio Tribunal Supremo Militar justifica, no Acórdão referente ao caso, “que as amnistias declaradas para os crimes militares não se aplicam aos crimes de burla por se tratarem, estes, de crimes comuns e, para o efeito, cita o disposto no Art.º 49.º da Lei sobre os Crimes Militares (Lei 4/94). O referido artigo estabelece que “os crimes de corrupção, roubo, furto, peculato, abuso de confiança e burla, previstos na lei penal comum quando praticados por militares, serão punidos com as penas previstas na mesma lei, agravadas de um terço”. Assinaram o Acórdão os juízes e oficiais generais António dos Santos Neto, Augusto da Costa Carneiro e Adolfo Aníbal Rasoilo. O primeiro exerce actualmente o cargo de juiz-presidente do Tribunal Supremo Militar, o segundo serve como juiz do Tribunal Supremo.

As decisões do presidente do MPLA e da República, José Eduardo dos Santos, têm demonstrado a sua falta de respeito para com a legislação em vigor, por si próprio promulgada e de acordo com a sua vontade política. A submissão da candidatura de Bento Kangamba é apenas mais uma das suas arbitrariedades.

Será que o Tribunal Constitucional, ao menos, terá coragem e dignidade suficientes para se pronunciar publicamente sobre o caso? Ou serve apenas para excluir os malquistos da oposição?

Comentários