Manuel Vicente e Thales Embolsam US $200 Milhões

O presidente do Conselho de Administração da petrolífera angolana Sonangol e o embaixador de Angola em França estabeleceram um consórcio multimilionário com a companhia francesa Thales, para o fornecimento de equipamentos de comunicação às Forças Armadas Angolanas, apesar de a legislação proibir a participação privada dos dois altos funcionários do Estado no negócio.

Em Janeiro de 2009, o Conselho de Ministros aprovou dois contratos de fornecimento de equipamentos de comunicação para as Forças Armadas Angolanas (FAA), orçados num total de 141,6 milhões de euros (equivalente a 202,3 milhões de dólares) a favor de um consórcio formado entre a multinacional francesa Thales Group e a empresa angolana Sadissa.

Esses contratos, com as referências oficiais 38/DM/03/SST/08 e 39/DEM03/SST/08, foram rubricados, em representação das FAA, pela Simportex, uma empresa do exército. Os referidos contratos contêm sérios problemas legais e éticos.

A Sadissa foi constituída a 1 de Abril de 2003 pelo actual presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente, e o actual embaixador de Angola em França, Miguel da Costa. Constam do objecto social da referida empresa várias áreas de intervenção, tais como “comércio geral misto e grosso e a retalho, instalação, operação e manutenção de infra-estruturas e equipamentos, prestação de serviços no domínio da informática, telecomunicações, multimédia, radiofusão e energia eléctrica (…) consultoria, turismo, hotelaria e agência de viagens”.

Como co-proprietários da Sadissa, Manuel Vicente e Miguel da Costa têm assento na assembleia-geral da empresa cujas competências, de acordo com o Artigo 13° dos seus estatutos, incluem a eleição e substituição dos conselhos de administração e fiscal, aprovação dos balanços e relatórios e fixação dos salários dos órgãos de gestão. Além de Miguel da Costa e Manuel Vicente, outros três subscritores menores da empresa são o filho do embaixador, Wilson Miguel da Costa; Anabela Chissende, em representação do seu esposo, o actual chefe da Direcção Principal de Preparação de Tropas e Ensino do Estado-Maior General das FAA, general Adriano Makevela Mackenzie; e Catarina Marques Pereira, representante do Estado no consórcio diamantífero Luó – Sociedade Mineira do Camatchia- Camagico, como vice-presidente do Conselho de Administração.

Abordado sobre os contratos, o director-geral da Simportex, general Jacinto Pedro Cavunga, de forma afável, afirmou apenas que “a Simportex é uma empresa militar e como tal não podemos prestar informações de carácter militar”.

Da parte da Thales Group, a assistente Marjorie Lauger, em conversa telefónica, afirmou desconhecer o contrato. A oficial de informação anotou as questões sobre a participação privada de um dirigente angolano no negócio com a multinacional, e garantiu que o seu superior devolveria a chamada para prestar os devidos esclarecimentos. Em vão.

Por sua vez, o presidente do Conselho de Administração da Sadissa, José Alberto Puna Zau, informou que a parceria entre as duas empresas assenta na venda dos equipamentos de comunicação, por parte da Thales Group, e na instalação e manutenção dos mesmos pela parte angolana. O gestor, antigo vice-ministro das Obras Públicas, narrou as dificuldades por que a sua empresa passou para conseguir a aprovação dos referidos contratos pelo Conselho de Ministros, por manifesta oposição de alguns sectores do Governo. “Tive de falar com os ministros da Defesa, do Interior e dos Veteranos de Guerra. E foi por causa da explicação do ministro da Defesa, Kundi Payhama, [na sessão do Conselho de Ministros] que o presidente ordenou que nos [Thales / Sadissa] deixassem em paz”, disse.

A promiscuidade entre o serviço público e os interesses privados por parte dos co- proprietários da Sadissa viola a legislação angolana em vigor. O presidente do Conselho de Administração da Sonangol está abrangido pela Lei n° 10/89 sobre o Regime Disciplinar do Gestor Público. A Alínea F do n° 2 do Artigo 3° dessa lei assevera, como infracção disciplinar por parte do gestor público, “o exercício de funções que envolvem a representação de interesses privados, próprios ou alheios nos órgãos de gestão de qualquer outra empresa”.

Em relação ao embaixador Miguel da Costa, a Lei n° 21/90, conhecida como a Lei dos Crimes Cometidos por Titulares de Cargos de Responsabilidade, ajuíza a sua conduta. Essa lei proíbe o acesso dos dirigentes ao usufruto de benefícios materiais para proveito pessoal, em negócios do Estado, por força das suas funções.

No entanto, Puna Zau justificou a criação da Sadissa, na prática a funcionar desde 2006, como um projecto de filantropia dos seus sócios. “Esse projecto é tipo uma ONG para ajudar os camaradas guerrilheiros da luta de libertação.” O gestor afirmou que “muitos mais-velhos guerrilheiros estavam em condições miseráveis, de pura indigência e abandonados” e, adiantou, a empresa identificou 20 antigos combatentes como beneficiários seus.

Os Contratos

Segundo a resolução n° 7/09 do Governo, os contratos visam garantir a aquisição de meios de comunicações tácticos, “com especificações militares capazes de assegurar a direcção eficaz de tropas e aumentar significativamente o coeficiente de asseguramento técnico em meios de comunicações”. A provisão de meios de comunicação, segundo o documento do Governo, enquadra-se no processo de reedificação das FAA e na “necessidade de se criar infra-estruturas de comunicação única com serviços partilhados por todos os órgãos de defesa e segurança e não só, capaz de garantir fiabilidade e segurança”.

Por sua vez, em comunicado de imprensa datado de 9 de Abril de 2009, a Thales anunciou a assinatura do contrato com as FAA, para a provisão de uma Rede de Comunicação de Rádio Móvel. Essa rede, segundo a Thales, entrará em funcionamento em 2010, por ocasião da Copa Africana das Nações em Futebol, a ser realizada em Angola. O comunicado da Thales, omisso em relação ao seu acordo com a Sadissa, adiantou que a rede de comunicações, considerada de uso simples, será partilhada por quatro entidades angolanas, sem as especificar, sob gestão das FAA.

A Thales Group, a operar em mais de 50 países, afirma-se como a líder mundial no fornecimento de tecnologias de comunicação aos mercados de aeronáutica, espaciais, defesa, segurança e transportes. O Estado francês e a multinacional francesa Dassault Aviation, que detêm respectivamente 27% e 26% das acções, controlam, em parte, o grupo.

 

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