Adalberto Costa Júnior em Banho-Maria no Constitucional

Com data de 6 de Abril de 2022 e deliberado por unanimidade por dez juízes (aparentemente falta a assinatura do juiz conselheiro Simão Victor), o Tribunal Constitucional emitiu o acórdão n.º 732/2022, mais uma vez sobre um congresso da UNITA.
Desta vez tratava-se de uma impugnação que pretendia declarar a nulidade da eleição de Adalberto Costa Júnior no Congresso do passado mês de Dezembro.
A decisão do tribunal foi simples. Com base em litispendência, absolveu a UNITA da instância.
Muitos comentadores vieram de imediato a terreiro dizer que esta decisão confirmava Adalberto Costa Júnior como presidente da UNITA e candidato presidencial. Tudo estaria resolvido.
Na verdade, a realidade jurídica é mais complexa. Comecemos pelo óbvio. Adalberto Costa Júnior é, para todos os efeitos, e com força geral, presidente da UNITA. Isso ficou registado e publicitado com a anotação feita anteriormente pelo Tribunal Constitucional.
Em termos processuais ordinários, o assunto ficou resolvido. Não há aqui uma corrida de obstáculos que o líder da UNITA tenha de superar para se tornar presidente do partido. Já o é.
Contudo, sê-lo não significa que, do ponto de vista jurídico, não possa deixar de o ser. Ele e qualquer outro presidente de qualquer partido. Basta alguém com legitimidade processual impugnar a decisão do Congresso.
Vejamos um exemplo para tentar perceber melhor. Imagine-se um casamento. Ana casa-se com Bartolomeu em Luanda. Registam o seu casamento. Face à lei, estão casados. Depois do registo público, Ana vem a descobrir que Bartolomeu era casado anteriormente no Dubai com Fátima e não estava divorciado. Era bígamo. Então, Ana pode pedir a nulidade do seu casamento.
A situação com que se confronta Adalberto no Tribunal Constitucional é idêntica. Para todos os efeitos, foi eleito e está registado como líder da UNITA, mas existe um grupo de pessoas que quer impugnar essa eleição.
É sobre a pretensão desse grupo de pessoas – Ilídio Eurico, Amaro Caimana, Sócrates Kabeia, Ellisbey Setapi, Manuela Cazoto, Ana Domingues e Filipe Mendonça, filiados na UNITA – que se debruça o acórdão n.º 732/2022.
Os autores do processo pretendiam essencialmente que o Tribunal declarasse nula a eleição de Adalberto Costa Júnior com os seguintes fundamentos sumários:
- Nulidade da deliberação da Comissão Política que a aprovou à data do XIII Congresso, por ter sido tomada sob coacção;
- Nulidade da candidatura de Adalberto, por ter sido financiada por terceiros;
- Nulidade do Congresso, por ter sido financiado por Adalberto, razão peça qual, tendo em conta que Adalberto era candidato, a escolha dos delegados teria sido viciada.
Existem outros aspectos técnicos no pedido dos membros da UNITA, mas estes são os mais substantivos.
O Tribunal não abordou nenhum destes temas, mas optou por uma via mais rápida e simples: a da litispendência. Considerou, de acordo com a defesa feita pela UNITA, que existia um processo igual, o processo n.º 924.B/2021, e nesses termos absolveu o partido político da instância.
Litispendência quer dizer que há dois processos iguais, caso em que o segundo a ter entrado em tribunal cai, apenas prevalecendo o primeiro. Foi o que o tribunal decidiu.
Há dois processos em simultâneo: o n.º 941-C/2021 e o n.º 924-B/2021. Ambos têm os mesmos autores e os mesmos objectivos: a nulidade do Congresso e da eleição de Adalberto. Tendo em conta que o processo n.º 941-C/2021 entrou em segundo lugar, deve “desaparecer” da ordem jurídica, e foi isso que o tribunal ontem decidiu.
É por esta razão que há absolvição da instância da UNITA. Refira-se que absolvição da instância é diferente da absolvição do pedido. Na absolvição da instância, o tribunal apenas decide que não vai decidir. Nada mais. Não se pronuncia sobre o mérito do pedido, isto é, não diz quem tem razão, se a UNITA se o Ilídio e seus associados. Isso vai fazer no outro processo.
Recapitulando, Adalberto Costa Júnior é presidente da UNITA e pode exercer o seu mandato com toda a liberdade e com todos os efeitos. Porém, este acórdão não é uma vitória de ninguém, é apenas um adiamento, uma não-decisão. Falta ainda uma outra decisão do Tribunal Constitucional num outro processo.
Vejamos agora os argumentos essenciais que Ilídio e associados utilizam para requerer a declaração de nulidade do Congresso de Dezembro.
Como se viu, o primeiro argumento era a coacção da Comissão Política que convocou o Congresso. “Coacção” não significa meramente umas quantas pessoas aos gritos. Para que uma situação configure de facto coacção, é preciso que o declarante tenha sentido receio por ter sido ilicitamente ameaçado com o fim de o persuadir a tomar uma determinada decisão (artigo 255.º do Código Civil).
Quer isto dizer que não basta haver ameaças ou gritos ou palavras exaltadas. Estas têm de ser ilícitas. Ora, não consta que algum auto de notícia ou queixa por ilicitude tenha resultado dessa reunião da Comissão Política. Portanto, não se vê ilicitude nas eventuais ameaças, que mais parecem terem sido o resultado do exercício do direito de manifestação. Aliás, a lei também é clara ao prescrever que “não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial” (artigo 255.º, n.º 3 do Código Civil).
Pelo que veio a público, não parece existir aqui nenhuma base para se falar em coacção da Comissão Política, e certamente, não do Congresso. Poderíamos ainda debater a questão teórica de saber se a nulidade da Comissão por coacção levaria automaticamente à nulidade do Congresso, onde não se vislumbrou qualquer elemento coactivo.
O segundo argumento era que a candidatura de Adalberto teria sido financiada por terceiros. Esta alegação é demasiado vaga, além de que é evidente que um candidato não se autofinancia na totalidade. Portanto, não conhecendo em detalhe os autos, não se vê aqui fundamento relevante para qualquer nulidade.
Finalmente, o terceiro argumento poderá ter algum peso. Tudo dependerá da prova existente e da veracidade da alegação. Não tem qualquer sentido um candidato financiar na sua maioria ou sozinho o congresso que o vai eleger. Se assim aconteceu, há aqui um problema. Deve ser o partido ou terceiros devidamente identificados, de acordo com a lei, a financiar um congresso electivo, e não, obviamente, a pessoa que vai ser eleita.
Se de alguma forma se provar que Adalberto financiou em percentagem relevante o congresso que o elegeu, pagou aos delegados, suportou viagens e alimentação, etc., existe uma questão de imparcialidade, transparência e aquisição de votos com relevância. No entanto, tem de existir uma prova muito forte e para além de qualquer dúvida. A sociedade não suportaria uma declaração de nulidade sem fortes fundamentos legais e de facto, meramente assente em interpretações dúbias ou escassa prova.