A Teoria dos Pais e Filhos e o Nepotismo de Joel

O amável Pedro Chiliquesse, assessor para a comunicação institucional do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, quando anunciava a excelente notícia de a partir de Janeiro mais de cem juízes iriam começar formação no Instituto Nacional de Estudos Judiciários (INEJ) com vista à capacitação como juízes de garantias, aproveitou para lateralmente comentar a polémica que envolve o presidente do Tribunal Supremo e a sua filha, desvalorizando-a. Recordemos que a polémica reside no facto de Joel Leonardo ter indicado a sua filha como beneficiária de uma formação anual na Universidade de Coimbra.

Chiliquesse considerou que o facto de Amélia Leonardo ser filha do presidente do Tribunal Supremo não a devia prejudicar. E de facto não deve, desde que lei seja respeitada. Todos os filhos e parentes de altos dirigentes políticos têm direito à sua vida e à sua carreira, mesmo a apoiar os pais nas suas funções.

Contudo, o que ambos têm de perceber é que têm de respeitar a lei e sujeitar-se a um escrutínio público mais apurado. E em Angola a lei é clara: o artigo 28.º da Lei da Probidade Pública proíbe que os agentes públicos intervenham na preparação, decisão e execução dos actos e contratos quando, por si ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse seu cônjuge ou parente na linha recta (cfr. artigo 28.º, n.º 1, b).

A contrario sensu, o filho de qualquer agente público pode ter todas as interacções na Administração Pública desde que o seu progenitor não intervenha, como também pode ocupar funções de escolha estritamente política.

Concretizando, um presidente pode escolher o seu filho ou filha para funções políticas: ministro, assessor político, etc. Por exemplo, o presidente norte-americano John Kennedy nomeou o seu irmão Robert Kennedy como ministro da Justiça e recentemente Donald Trump designou a filha e o genro como assessores presidenciais na Casa Branca. Ao nível da função política, não existem incompatibilidades, será o povo nas eleições que sancionará, da forma que entender conveniente, essas escolhas.

A isto acresce que, no seio da Administração do Estado, o filho ou filha também podem fazer o seu percurso, desde que o pai ou a mãe não participem nas decisões.

No caso da filha de Joel Leonardo, nada impediria que ela fosse escolhida para fazer a formação em Portugal. No entanto, como bem anota o comunicado da Associação dos Juízes de Angola emitido a 21 de Dezembro passado a propósito do tema, havia um procedimento a ser seguido.

Esse procedimento assentaria na deliberação de questões atinentes à formação profissional dos magistrados judiciais por parte do Plenário do Conselho Superior da Magistratura Judicial, conforme dispõe o artigo 23.º, t) da Lei 14/11, de 13 de Março (Lei do Conselho Superior da Magistratura Judicial) conjugado com o artigo 26.º, n.º 1 da mesma Lei.

Para que a filha de Joel Leonardo pudesse seguir a sua formação tranquilamente em Portugal, bastaria que existisse uma deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura nesse sentido. Deliberação essa em que o pai não participaria, não votaria. Se, porventura, o Plenário tivesse delegado poderes no presidente, no caso vertente, este retornaria esses poderes ao Conselho e não decidiria sozinho nem participaria na deliberação do Conselho.

Consequentemente, o problema em questão não é acerca dos filhos serem prejudicados pelas carreiras dos pais. Cada um pode e deve ter a sua carreira. O problema é quando isso acontece em desrespeito pela lei.

Joel Leonardo colocou-se debaixo de fogo por não respeitar duplamente a Lei. Nem a Lei da Probidade Pública admite a sua intervenção em relação a assuntos que envolvam a filha, nem a Lei do Conselho Superior da Magistratura Judicial admite que seja outro que não o Plenário do Conselho Superior da Magistratura Judicial a deliberar sobre questões de formação profissional.

Não confundamos as matérias. Não está em causa a carreira da jovem Amélia. Está em causa a violação da lei por parte do pai de Amélia. Tudo seria simples se os procedimentos legais tivessem sido seguidos, que, repete-se, seriam os seguintes: a aprovação da ida de Amélia Leonardo para formação profissional em Portugal deveria resultar de deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura Judicial, na qual Joel Leonardo não votaria. Quando o presidente do Tribunal Supremo atropela e viola as leis com total impunidade e arrogância, o que se pode esperar do sistema judicial que é liderado por si? Quem vai acreditar na justiça liderada por um violador de leis?

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