João Lourenço: Dois Anos de Presidência

Hoje, sem sombra de dúvidas, há em Angola um maior espaço de liberdade para o exercício da cidadania. Os cidadãos estão mais conscientes da realidade política e económico-social, discutem e procuram actuar sobre as suas preocupações, tornando mais desafiante a presidência de João Lourenço.

Constata-se o fim do medo político – o medo de pensar, de falar e de gritar. Durante décadas, o medo foi a principal arma de controlo da população usada pelo regime eduardista.

Nesse clima de medo, o poder, para mascarar a vil incompetência da maioria dos seus principais líderes, destruiu a importância do trabalho como fim para a dignificação do cidadão. O trabalho passou a ser um mero expediente para truques. A honestidade passou a ser severamente punida e a militância partidária, o tráfico de influências, o nepotismo tornaram-se os instrumentos de progresso do indivíduo em Angola. Abandonou-se a ideia de qualquer noção de conduta ética e produtiva. O parasitismo e a pilhagem passaram a ser as ideologias dominantes na sociedade angolana. O trabalho passou a ser um veículo para o transporte dessas ideologias.

Esta não é uma questão cultural, ideia que alguns arautos do saber hoje tentam defender: a corrupção endémica no país e a falta de vontade em colocar-se realmente as pessoas a trabalhar em prol do bem comum são inaceitáveis e obviamente reversíveis. Não fazem parte da identidade genética do povo.

Foi num clima catastrófico que João Lourenço chegou ao poder, a 26 de Setembro de 2017. A sociedade angolana esperava pouco ou nada do novo presidente. O seu antecessor, José Eduardo dos Santos, tentou amarrar Lourenço a uns decretos apressados cujo intuito era garantir que tudo continuaria igual. Julgava-se que o poder de Lourenço seria apenas simbólico, enquanto o presidente do MPLA iria revelar-se como o emérito presidente da República, detentor do verdadeiro poder.

Ironicamente, os poderes absolutos do presidente da República consagrados por José Eduardo dos Santos permitiram a João Lourenço anular os decretos do seu antecessor, que mantinham as chefias militares e policiais inamovíveis por cinco anos. Com o risco de uma caneta, o novo chefe de Estado impôs-se.

Depois, os próprios dirigentes do MPLA deram o golpe de misericórdia a JES, não permitindo a satisfação do seu pedido de continuar por mais seis meses como presidente do MPLA. Foi o fim da tão propalada bicefalia e, pela primeira vez desde a independência, o presidente da República não era a mesma pessoa que presidia ao MPLA. Esta anomalia rapidamente foi extinta.

No meio dessa luta entre o poder presidencial e o partidário, ganhou destaque o discurso contra a corrupção, que se tornou a bandeira de eleição de JLo.

No entanto, se é verdade que o presidente mudou, também é verdade que o regime se manteve, apesar da saída de alguns dos seus mais proeminentes marimbondos. A estrutura montada para garantir o poder do MPLA ficou igual, criando uma difícil dialéctica entre o combate à corrupção e os interesses instalados há décadas nessa estrutura.

Essa tensão está longe de ser resolvida, apesar dos esforços judiciais. Os juízes não têm exércitos nem armas. No entanto, não é só no âmbito do poder judicial que se consegue resolver o fenómeno da corrupção em Angola, que é sistémico. Os juízes são atomistas. Resolvem caso por caso, trabalhando com uma severa limitação pragmática de meios e de recursos técnicos.

Até agora, apesar das dificuldades decorrentes da fraqueza das instituições do Estado e da própria sociedade no que toca a assumir a responsabilidade individual pelo bem comum, destacam-se dois aspectos muito positivos na presidência de João Lourenço: uma maior liberdade de expressão e a luta contra a corrupção.

Estes dois aspectos são fundamentais para as mudanças por que os angolanos tanto anseiam. Todavia, estes passos podem vir a ser obliterados por dois aspectos negativos e desnecessários da presidência de João Lourenço. Referimo-nos à incompetência do executivo, sobretudo na área económica, e à falta de uma visão clara e pública do presidente acerca da sua governação. O que pretende João Lourenço e para onde vai?

A verdade é que se fazem sentir demasiados ziguezagues, que impedem que se compreenda inequivocamente qual é o rumo do presidente: não sabemos se navega à vista, ou ao ritmo do improviso.

A governação de José Eduardo dos Santos era transparente e pragmática, e tinha três pontos orientadores. Primeiro, o uso do poder para enriquecimento ilícito individual. Segundo, a manutenção desse próprio poder, o seu reforço e a legitimação internacional, por via distribuição de riquezas nacionais e proventos da corrupção entre os facilitadores da comunidade internacional. Terceiro, a exclusão da sociedade, por via da repressão e da alienação, para que não se atrevessem a pensar em mudar o regime e se inspirassem no modelo de pilhagem como uma espécie de lotaria. Os do poder ganhavam sempre.

Angola precisa que seja traçado o rumo para o seu desenvolvimento. O presidente João Lourenço precisa, com urgência, de realizar uma reflexão abrangente e pública sobre o tema das competências no seu governo e o destino que pretende imprimir-lhe.

O tema central neste momento, quer para o presidente quer para a sociedade, deve ser a garantia de competência no governo e na função pública.

Como bem questionou o jurisconsulto Carlos Feijó, na recente Conferência da Ordem dos Advogados de Angola, não sabemos se o que mais afecta o país é a corrupção ou a incompetência. E é preciso dar resposta a esta questão.

A competência é o elemento fundamental para garantir a prosperidade de um país e, desde logo, para combater a corrupção, que se mantém a um altíssimo nível em Angola. O caso do Bairro dos Ministérios é o exemplo mais recente de como a incompetência do ministro de Estado para a Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, e do ministro da Construção e Obras Públicas, Manuel Tavares de Almeida, promoveram um projecto absurdo, em que o Estado iria comprar o seu próprio terreno por mais de 340 milhões de dólares. O esquema, aqui, era a venda do terreno ao seu dono, e não a construção do tal bairro. Não sai o bairro, mas também não saem os ministros. E este caso é paradigmático do problema que mais aflige o país neste seu novo ciclo. Um ciclo inaugurado por João Lourenço, e que João Lourenço não pode dar-se ao luxo de desperdiçar, sob pena de infligir aos angolanos custos e danos irrecuperáveis.

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