Porto do Lobito Usurpa Terreno da Família Teixeira da Silva
Durante os 27 anos de guerra civil em Angola, a família de Paulo Teixeira da Silva viu-se obrigada a migrar de Benguela para a província do Namibe. Enquanto fugiam à guerra que opôs o governo do MPLA à UNITA, os seus bens foram saqueados, quer por gente anónima, quer por indivíduos ligados ao aparelho de Estado.
Ainda durante a guerra, Paulo Teixeira da Silva faleceu. Isto levou a que, em 1980, a sua mulher e os seus filhos decidissem regressar a Benguela. O objectivo era reaver a herança deixada pelo patriarca, reconhecível tanto pela sua mulher como pelo guarda-livros do falecido.
Em 1998, a Sonangol, sob a direcção de Manuel Vicente, celebrou um contrato de arrendamento com o Porto do Lobito de uma parcela de terreno com a área de 55 200 metros quadrados. Nesta época, o presidente do Conselho de Administração do Porto do Lobito (e também membro do bureau político do MPLA) era o “temido” José Carlos Gomes, que se gabava de ser amigo pessoal de José Eduardo dos Santos. Ora, o problema é que este terreno pertencia à família de Paulo Teixeira da Silva.
No terreno arrendado ao proprietário errado, a Sonangol instalou a sua filial Sonamet, que por sua vez aí alocou outras empresas, como a Angoflex, fabricante de cabos para a petrolífera Total e também um consórcio da Sonangol.
Um pormenor: a Sonangol de Manuel Vicente e o Porto do Lobito de José Carlos Gomes celebraram um contrato inicial no qual a renda do terreno era de 75 mil dólares, valor sujeito a alterações, em função de certas cláusulas impostas pela direcção do Porto. Devido a estas cláusulas, passados uns anos, o valor do arrendamento do terreno pertencente à família de Paulo Teixeira da Silva passou a ser de 100 mil dólares, segundo o último contrato a que o Maka Angola teve acesso, o mesmo assinado por Manuel Vicente e José Carlos Gomes. Tendo o Porto do Lobito o direito de aumentar progressivamente o valor da concessão, esta terá atingido actualmente os 250 mil dólares de renda mensal.
Esta história mirabolante é contada por Maria Emília Teixeira da Silva, uma das herdeiras legítimas do terreno. Poderia pensar-se que é ficção, e que daria um bom livro, mas não é.
Ao que parece, a Sonangol assinou um contrato de arrendamento de um terreno com o Porto do Lobito, ignorando se o Porto do Lobito era ou não o legítimo proprietário desse terreno, situado fora das instalações portuárias.
“Desde os anos 80, nós, herdeiros legítimos de Paulo Teixeira da Silva, temos tentado recuperar tudo o que o nosso pai deixou aqui em Benguela. Tem sido uma luta que quase nos tem custado a vida, porque há grandes dirigentes interessados em ficar com a herança que é nossa”, denuncia ao Maka Angola a Maria Emília.
Maria Emília explica ainda ao Maka Angola que o primeiro passo da família foi fazer um levantamento de tudo aquilo que o falecido pai tinha deixado, referindo as dificuldades que enfrentaram logo neste processo, porque quase tudo estava nas mãos do povo ou sob gestão de dirigentes do regime.
Em 1998, houve um grande avanço nas investigações da família, quando os herdeiros decidiram vasculhar todos os documentos do pai nas conservatórias de registo e na direcção das finanças da província de Benguela, assim conseguindo encontrar os documentos do terreno de que temos vindo a falar. É nesta altura que a família se apercebe do negócio milionário que a direcção do Porto do Lobito fez, sem legitimidade, com a Sonangol. “Quando fomos à conservatória, disseram-nos verbalmente que a nossa parcela de terra de 55 200 metros quadrados tinha sido submetida a confisco”, revela Maria Emília, que salientou o facto de a família ter apresentado documentos que contrariavam a ideia dos conservadores, embora de nada servisse.
A família decidiu então escrever à Direcção Provincial da Habitação, de quem obteve uma resposta favorável, segundo a qual a propriedade em causa nunca tinha sido submetida a confisco por parte do Estado. “Foi assim que começámos a tratar de toda a documentação, logo em 1998. Mas só em 2008 tivemos resposta, e fomos aconselhados por alguns conservadores, que nunca obtiveram benefícios da direcção do Porto, a prosseguirmos com a luta de uma causa que ainda não estava perdida”, prossegue a herdeira.
Maria Emília contou ainda que “a resposta dos funcionários das finanças e da conservatória de que o espaço estava submetido a confisco era apenas para nos baralhar, porque a Direcção Provincial da Habitação e a central em Luanda nos confirmaram que devíamos continuar a lutar pela propriedade”.
Assim, em Julho de 2016, Maria Emília remeteu uma carta à então presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Isabel dos Santos, pedindo que se encontrasse uma solução plausível para o problema, mas sem sucesso. O mesmo tem acontecido nos últimos meses sempre que tentam contactar Carlos Saturnino, na qualidade de antigo PCA da Sonamet e ora ex-PCA da Sonangol. Também Saturnino opta por ignorar as inquietações dos herdeiros.
Uma das grandes questões para as quais não se encontra resposta plausível é como é que o Porto do Lobito não se apercebeu de que aquele terreno não era propriedade do Estado?
Pelo menos a partir do momento em que a família de Paulo Teixeira da Silva conseguiu a certidão de herdeiros, em 1998, e remeteu toda a documentação à Direcção Provincial da Habitação de Benguela, a nova direcção do Porto do Lobito ter-se-á apercebido de que afinal o terreno alugado à Sonangol não era propriedade do Estado, mas sim de privados.
“Tratada a certidão de herdeiros, o nosso advogado garantiu-nos que iria passar por cada empresa que ocupava o nosso espaço, para apurar se de facto as mesmas sabiam que o terreno onde se encontram é alheio. Mas cada advogado a quem entregámos o caso desistiu sempre, depois de ser corrompido pela direcção do Porto do Lobito”, frisou Maria Emília.
Por outro lado, durante os anos em que a família Teixeira da Silva esteve ausente da província de Benguela, os impostos eram pagos pelo senhor Faro, guarda-livros do patriarca, sendo ele quem também recebia as rendas de alguns empreendimentos.
“Durante estes últimos anos, ninguém da parte da Sonangol aceita receber os herdeiros. O único PCA da Sonangol que nos terá acolhido bem, e que até chegou a mandar lá uma equipa que saiu de Luanda, foi o senhor Manuel Vicente. Por azar nosso, ele estava prestes a resolver o nosso assunto quando dias depois deixou de ser o PCA da petrolífera”, reconheceu a herdeira.
Família de Paulo Teixeira da Silva queixa-se à PGR
Depois de terem sido completamente ignorados pelas instituições judiciais da província de Benguela, recentemente os herdeiros de Paulo Teixeira da Silva decidiram formalizar uma queixa contra o Porto do Lobito e a Sonangol junto da Procuradoria-Geral da República.
Na carta envidada à PGR, a família pede que, caso não seja feita a devolução do terreno usurpado pela direcção do Porto do Lobito a favor da Sonangol e de outras empresas nacionais e estrangeiras, então que haja uma negociação com as pessoas que se apropriaram do espaço.
“Ainda que o assunto prossiga desta vez no Tribunal Supremo, é nossa intenção substituí-lo por negociações formais entre as partes representadas, quer pela Sonangol, quer pelo Porto do Lobito, ao invés da ligeireza com que o problema tem sido tratado por uma e por outra destas entidades, quem sabe se por conta da indiferença com que no nosso país desgraçadamente se trata as razões dos que não têm poder”, lê-se na carta enviada à PGR.
De acordo ainda com os documentos consultados pelo Maka Angola, nunca foi incluída no Plano de Ordenamento Portuário a propriedade dos herdeiros, isto porque nunca foi considerada parte da jurisdição do Porto. Ao Porto do Lobito nunca foi conferido título de licença ou concessão, mesmo que a dada altura tenha sido esse o pretexto invocado pela administração, usando a perspectiva patrimonial do enriquecimento sem causa, mas cujos pressupostos aqui enumerados afinal fazem incorrer em responsabilidade, pelo menos civil, onde a eficácia das reclamações dos herdeiros ficaria sempre prejudicada pelos interesses mal aclarados que o processo parece conter. O Maka Angola, nos últimos meses, tem tentado contactar a presidência dos Conselhos de Administração do Porto do Lobito e da Sonangol, assim como o Ministério dos Transportes, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.