Gás Natural: Produzir Menos para Pagar Menos

Era uma vez um país que só produzia petróleo. Muito petróleo. E porque vivia em guerra, necessitava de produzir cada vez mais petróleo. Nesse processo, o gás derivado do petróleo era queimado. Queimava-se por dia gás suficiente para sustentar as turbinas que asseguravam a produção de energia eléctrica para todo o país.

Uma vez que essas “fogueiras” feitas pelas multinacionais e complacentemente consentidas pela petrolífera nacional (Sonangol) começaram a tornar-se incómodas – sobretudo devido ao protesto dos ambientalistas –, as mesmas multinacionais associaram-se à Sonangol para fazerem uma fábrica de LNG (Liquified Natural Gas – Gás Natural Liquefeito).

Assim nasceu a Angola LNG, sociedade detida em 22,8% pela Sonangol, que é também co-líder do projecto. Os outros membros são as multinacionais do costume que operam no país: Chevron (EUA), a accionista maioritária com 36,4%; British Petroleum (GB); ENI (Itália) e Total (França).

E foi assim que as multinacionais e a concessionária nacional Sonangol projectaram a construção de uma fábrica de gás natural liquefeito, localizada no Soyo.

Este projecto começou em 2008. A construção foi assegurada pela gigante norte-americana Bechtel. As obras deveriam custar entre cinco e seis mil milhões de dólares norte-americanos. Depois de ter sido gasto o dobro desse montante, em 2013 as obras chegaram finalmente ao fim. O custo final ultrapassou os 12 mil milhões de dólares, muitíssimo acima do orçamentado.

A fábrica trabalhou meia dúzia de meses, e cessou actividade entre 2014 e 2016. Não se sabem exactamente as razões da paragem. Problemas técnicos? Deficiências? Erros de construção? Certo é que mais alguns biliões foram gastos. Assombroso. Escandaloso. Uma fábrica semelhante foi feita em 2007 na Guiné Equatorial, tendo custado cerca de quatro biliões de dólares – até hoje funciona em pleno e apresenta perspectivas promissoras.

Um dos objectivos da Angola LNG foi, como explicámos, pôr fim à queima do gás associado, produzido juntamente com o petróleo. Apesar do preço, o objectivo foi atingido. Mas subsistem muitas dúvidas.

Angola investiu, é verdade; contudo, parece não ter recuperado o investimento.

A fábrica foi também projectada para receber gás não associado a campos existentes dentro da concessão. Houve seis a oito descobertas de campos de gás limpo. Seria preciso desenvolver esses campos e pô-los em produção, para que a fábrica trabalhasse com alto rendimento. Só que nada foi feito até agora. Os campos continuam abandonados.

Porquê?

Porque o contrato da fábrica consagra várias isenções de impostos, desde que a produção de gás natural seja inferior a 66% da sua capacidade. Assim sendo, é conveniente manter a produção da fábrica em níveis baixos. Produz-se abaixo desse limite, de modo a evitar o pagamento do imposto de consumo.

O problema é que um rendimento tão baixo prejudica as receitas do governo, ou seja, é mau negócio para o país, apenas beneficiando o consórcio que domina a Angola LNG, já que este fica isento de alguns impostos. A Sonangol nada fez até ao presente para modificar este estado de coisas.

Neste momento, sabendo-se que a quantidade de gás disponível para a fábrica está a baixar para níveis que poderão obrigar a uma paragem por tempo indefinido (quiçá para sempre), terá surgido em Angola uma empresa independente norte-americana que se propôs desenvolver os campos descobertos dentro da área de concessão da A-LNG e fornecer todo o gás da fábrica. Com esse gás, a fábrica poderia alcançar um rendimento de quase 100%. Deste modo, aumentariam os impostos a pagar ao Ministério das Finanças, Angola beneficiaria do rendimento da exportação, e até as contas da concessionária Sonangol melhorariam.

Propostas independentes de empresas interessadas na produção de gás suscitaram reacções das multinacionais do costume. E é assim que, de repente, surge em Angola a petrolífera italiana ENI, propondo-se monopolizar o gás angolano. Aparece, também, a norte-americana Chevron, que alude à possibilidade de investir um bilião de dólares para desenvolver um campo seu, fora da área de concessão da Angola LNG, sendo certo que esse mil milhão só cobre a sua comparticipação de cerca de 30% do projecto. A Sonangol, parceira da Chevron nesse campo, teria de investir muito mais.

Consta, neste momento, que a Angola LNG está prestes a decidir quem vai avançar como fornecedor de gás. A intenção da concessionária Sonangol parece ser proceder a uma atribuição directa do projecto, sem concurso público prévio. Neste molde, o projecto irá custar muito mais do que deve. É o que nos diz a experiência, pois foi isto mesmo que o consórcio já fez com o custo da fábrica.

É altura de se acabar com o monopólio das multinacionais. O Governo tem de impor um concurso público aberto e transparente, sem os truques habituais e as manhas para eliminar a concorrência. E que ganhe a melhor proposta, para que Angola beneficie e para que a fábrica de LNG traga vantagens reais para o país.

Sem concurso público, o processo estará viciado. Sem licitação, quem perde é Angola. Actualmente, sabendo o que sabemos, permitir este desenvolvimento das coisas é traição à pátria.

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