Lei do Repatriamento Zero

Foi anunciado que o Conselho de Ministros aprovou a lei do chamado repatriamento de capitais. Já vários autores tiveram oportunidade de criticar essa lei no Maka Angola, quer do ponto de vista legislativo, quer do ponto de vista técnico. Deixemos agora as questões técnicas, para nos concentrarmos de novo no significado político-legal desta lei.

Inicialmente encarada como a bandeira do presidente da República João Lourenço no combate à corrupção, depressa a “lei do repatriamento de capitais” perdeu esse significado. Na verdade, o presidente da República enredou-se – a si e ao Estado angolano – de tal maneira no absurdo teatro do processo Manuel Vicente, que acabou por dar um sinal claro de complacência absoluta perante a corrupção.

A própria lei simboliza a fantochada em que o apregoado combate à corrupção se tornou – e, a não ser que o presidente altere significativamente de rumo, de fantochada continuará a tratar-se. Nos termos em que a lei foi redigida, o abandono da corrupção é algo de voluntário, apelando-se aos corruptos para que sejam “bonzinhos” e tragam o seu dinheiro de volta, com perdão garantido. Isto é um disparate. Sem coacção, sem ameaça de sanções, ninguém, a não ser uns quantos escolhidos para efeitos propagandísticos, vai trazer dinheiro de volta.

Na Arábia Saudita, a iniciativa do príncipe herdeiro MBS-Mohammed bin Salman é um exemplo extremo (oposto ao angolano) de combate à corrupção com resultados.

Em determinado dia, num raide surpresa, as autoridades sauditas prenderam os mais corruptos do país: príncipes, ministros e milionários. É certo que os prenderam no Ritz-Carlton, mas também é certo que só os libertaram depois de terem feito um avultado repatriamento de capitais. Os números avançados apontam para que, com a sua iniciativa musculada, a Coroa saudita tenha recuperado cerca 106 biliões de dólares.

Porque defendemos, acima de tudo, o Estado de direito, não vamos aqui apelar a iniciativas como as do príncipe saudita, dignas dos comportamentos imprevisíveis dos déspotas orientais. Mas é preciso ver que entre o exemplo saudita e a falta de firmeza e consistência da lei angolana vai um mundo. Entre o 8 e o 80, há muito a fazer.

O PIB (riqueza produzida num ano) da Arábia Saudita é de 646 biliões de dólares. Por isso, a recuperação de activos aparentemente conseguida pelo príncipe MBS correspondeu a 16% do PIB. Nada mau.

Se aplicarmos o mesmo critério a Angola, cujo PIB é de 90 biliões de dólares, a recuperação de activos, para ser considerada um sucesso comparável ao da Arábia Saudita, deverá rondar os 14 biliões de dólares.

É o desafio que aqui deixamos ao presidente João Lourenço: recuperar 14 biliões de dólares em activos. Veremos o que ele consegue.

Ao contrário da Arábia Saudita, o Reino Unido é um Estado de direito, e fez recentemente aprovar legislação que deveria inspirar Angola, em vez da legislação portuguesa, geralmente mal concebida e plena de normas indeterminadas e vagas que permitem tudo e o seu contrário. Em Janeiro deste ano, entrou em vigor no Reino Unido uma “Unexplained Wealth Order” (“Regulamento sobre a Riqueza Inexplicada”), que é um instrumento que permite às autoridades britânicas apreenderem e repatriarem o produto da grande corrupção.

Este regulamento britânico possibilita que as autoridades confrontem uma PEP (“pessoa exposta politicamente”) relativamente a activos que detenha, sem que o seu rendimento os justifique. Se isso acontecer, a pessoa é obrigada a explicar como obteve o activo e, se não responder ou der uma resposta inadequada – estilo, “a comprar e vender ovos” –, poderá ser alvo de um processo de apreensão do activo e, caso aplicável, de repatriamento.

É de uma lei assim que Angola precisa. De uma lei que dê poderes às autoridades de Luanda para agirem e irem buscar os activos pela força.

A propósito: as autoridades angolanas podem, desde já, ao abrigo do novo regulamento britânico, pedir a ajuda dos oficiais do Reino Unido para apreenderem imóveis e repatriarem dinheiro angolano, que existe a rodos em Londres. Não o fazerem seria mais uma prova de que João Lourenço não está interessado em combater a corrupção.

Comentários