Relatório da Deloitte sobre as Eleições: Uma Mão Cheia de Nada

A empresa angolana Deloitte & Touche Auditores Lda. procedeu a uma pomposamente designada auditoria à solução tecnológica destinada à realização das eleições gerais de 2017.O seu relatório de 18 páginas  é igual a nada, no que diz respeito aos aspectos fundamentais do processo eleitoral.

Comecemos pela empresa propriamente dita. Embora tenha a designação global da grande marca de auditoria britânica e faça parte da rede mundial desta organização, a Deloitte que elabora este relatório é uma empresa angolana legalmente independente de outras Deloitte, pelo que a sua chancela de qualidade resulta apenas e só das operações, melhores ou piores, que tenha realizado em território nacional. Ora, até Junho de 2017, a Deloitte Angola era liderada por Rui Santos Silva, gestor muito próximo da elite angolana, que tinha, entre outros, o privilégio de ser recebido em audiência pelo presidente da República, e de quem se afirma que gere várias fortunas angolanas, designadamente em fundos nos Emirados Árabes Unidos, especialmente no Dubai, podendo estar envolvido nas transferências detectadas de fundos do BESA para o Dubai já identificadas por outros auditores. Portanto, em termos de imparcialidade, não temos qualquer razão para confiar nesta Deloitte. Já nas eleições de 2012, a empresa se tinha prestado a um papel muito duvidoso, como na altura denunciámos no Maka Angola.

Agora o cenário repete-se. O relatório da Deloitte é um conjunto de platitudes que nada adiantam, e nada adiantam porque, como o próprio relatório afirma na página 7, “os sistemas de suporte às assembleias de voto (tablets, respectiva rede de comunicações e o Centro de Atendimento ao Tablet) não se encontram no âmbito da nossa revisão da Solução Tecnológica, pelo que não foram considerados no nosso trabalho”.

Isto quer dizer o seguinte: o coração do processo eleitoral não foi auditado. O local onde os votos reais são efectivamente colocados, onde as pessoas exercem o seu direito, não foi auditado. Apenas se começa a auditoria nos Centros de Processamento Municipais.

Tal procedimento é uma brincadeira, e qualquer profissional responsável dever-se-ia recusar a assinar um trabalho que garante a fiabilidade de um sistema quando não analisa a sua raiz.

É como descrever o Rio Kwanza, não a partir da nascente no Mumbué, mas apenas desde o Dondo.

Ou, em termos matemáticos, o que acontece é que a base do raciocínio não é fiável, logo, tudo o resto pode estar errado. Exemplifiquemos: a força política A pode ter 10 votos na Assembleia de Voto X, mas não há nada que impeça que surja com 20 votos no Centro de Processamento Municipal. E será essa a base: 20 votos e não 10. Os 20 votos serão depois certificados ao longo do sistema até ao final, mas estão errados, porque a base era 10. Trata-se de um processo de certificação do logro.

Este ponto basta para desqualificar o Relatório de Auditoria da Deloitte: se a base do sistema não é fiável, como se pode afirmar que o sistema é fiável? Não é possível.

Acresce que, apesar de o relatório afirmar a fiabilidade do sistema, acaba depois, a páginas 16-17, por efectuar variadas recomendações. Essas recomendações estão num português tão redondo e abstracto, que dão para tudo e nada, tal é a sua generalidade e vacuidade.

Em suma, o relatório da Deloitte é um exercício de fingimento, em que a empresa certifica um sistema sem assegurar a sua base e produz tantas recomendações, que tudo lá cabe. Não deixa ninguém descansado.

 

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